REl - 0600386-54.2020.6.21.0044 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/07/2021 às 10:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo e regular, comportando conhecimento.

 

Preliminar de Nulidade do Ato Intimatório para Manifestação acerca do Relatório Prévio de Exame da Contabilidade

Em sede preliminar, o RECORRENTE arguiu a nulidade do ato intimatório para que se manifestasse acerca do relatório de exame das contas, motivo pelo qual sustentou ter havido prejuízo à sua defesa, evidenciado com a desaprovação da sua contabilidade.

Argumentou que somente foi validamente comunicado no dia 09.02.2021, ao tomar ciência do teor da intimação mediante consulta ao Sistema de Processo Judicial Eletrônico (PJe), e não no dia 02.02.2021, quando foi disponibilizado o ato nos autos eletrônicos.

Prosseguiu, dizendo que a serventia cartorária considerou intempestiva a sua resposta apresentada no dia 09.02.2021 (certidão ID 28974933), deixando de observar o disposto no art. 5º, § 1º, da Lei n. 11.419/06, de acordo com o qual “considerar-se-á realizada a intimação no dia em que o intimando efetivar a consulta eletrônica ao teor da intimação, certificando-se nos autos a sua realização”.

A respeito dessa prefacial, registro, de início, que o art. 26, § 4º, da Resolução TRE-RS n. 347/20, em consonância com a normativa posta no art. 51, caput, da Resolução TRE-RS n. 338/19, estabeleceu que, após o encerramento do período eleitoral com a diplomação dos eleitos, as intimações nos processos de prestação de contas relativos às eleições de 2020 deveriam ser realizadas diretamente no PJe, dispensando-se a publicação do ato no Diário da Justiça Eletrônico (DJe) e, até o dia 12.02.2021, a observância do prazo de ciência de 10 (dez) dias para que a parte interessada efetivasse a consulta eletrônica ao teor da intimação.

Por conseguinte, até o dia 12.02.2021, por força do regramento processual especialmente instituído para assegurar celeridade à tramitação e ao julgamento dos processos de prestação de contas, as intimações efetivaram-se na data da expedição do ato de comunicação no PJe, e não na data da consulta eletrônica ao teor da intimação pelo interessado, conforme previsto no art. 5º, § 3º, da Lei n. 11.419/06.

Assim, como o ato de comunicação foi expedido eletronicamente em 02.02.2021 (ID 28974783), o prazo de 03 (três) dias, previsto no art. 69, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, para a juntada de esclarecimentos e documentos em resposta ao relatório preliminar de exame encerrou-se no dia 05.02.2021, como certificado pela serventia cartorária (ID 28974933).

Por outro lado, o PJe registrou o dia 12.02.2021 como o termo final do prazo de 03 (três) dias para a apresentação de resposta pelo candidato (ID 28975383), gerando uma expectativa legítima quanto à observância da disciplina posta na Lei n. 11.419/06 durante o período em que deveria ter incidido a normativa excepcional constante do art. 26, § 4º, da Resolução TRE-RS n. 347/20.

Dessa maneira, em princípio, competiria a este Regional reconhecer ter sido causada restrição indevida ao exercício de defesa pelo prestador durante a instrução do processo, mormente porque a petição juntada em resposta ao relatório preliminar de exame, dentro do prazo que lhe havia sido assinalado pelo PJe, não foi apreciada quando da elaboração do parecer conclusivo e da prolação da sentença.

Todavia, de acordo com o princípio da instrumentalidade das formas, vetor que orienta a declaração de nulidades no processo civil, é necessário repetir ou suprimir a falta do ato processual somente nas hipóteses em que existir inequívoco dano ao processo ou à prerrogativa de defesa em juízo, sem o qual o órgão julgador está autorizado a legitimamente aproveitar os atos praticados, deixando, inclusive, de pronunciar o vício quando puder decidir o mérito da demanda em favor da parte a quem aproveitaria a sua decretação (arts. 282, §§ 1º e 2º, e 283 do CPC).

Nesse contexto, após analisar as razões expendidas no recurso, e adiantando que serão acolhidas, ao efeito de as contas serem integralmente aprovadas, não incidindo, ademais, penalidade pecuniária ou ordem de recolhimento de valores ao erário por conta das falhas identificadas na contabilidade do prestador, deixo de declarar a nulidade processual por cerceamento do direito de defesa, julgando desde já o mérito da pretensão recursal.

 

Mérito

A primeira irregularidade que embasou o juízo de desaprovação das contas de CLAUDIO BATISTA MANZONI relativas ao pleito de 2020, no qual disputou o cargo de vereador no Município de Santiago, diz respeito à impossibilidade de identificação segura da verdadeira destinação dada à receita eleitoral no valor de R$ 160,00, decorrente do fato de o fornecedor Ricardo Pinto Barcelos e Cia. Ltda. ME (CNPJ n. 16.899.631/0001-24), junto ao qual o candidato contratou a aquisição de impressos, coletes e bandeiras, encontrar-se em situação cadastral inapta na base de dados da Secretaria da Receita Federal do Brasil e da Junta Comercial deste Estado.

A Procuradoria Regional Eleitoral, ao opinar no feito, sustentou que a inconsistência cadastral compromete a transparência da contabilidade, notadamente diante da frágil justificativa apresentada pelo candidato de que, nada obstante tenha buscado esclarecimentos, “não houve forma de aferir a razão de tal fornecedor se encontrar naquela situação”.

Contudo, considero que, embora a despesa tenha sido quitada com recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), sobre os quais a atividade fiscalizatória desta Especializada deve ser mais criteriosa, devido à natureza pública das receitas que o compõem, a irregularidade é passível de superação.

Observo que não houve ocultação do gasto em referência no demonstrativo contábil respectivo, sendo que o seu pagamento foi efetivado por meio da compensação do cheque n. 3 no dia 04.11.2020, em operação identificada com o nome e o número do CNPJ do fornecedor, conforme registrado no extrato da conta bancária própria para a movimentação dos recursos recebidos do FEFC, disponibilizado no Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, na página do TSE na internet.

Além disso, o prestador instruiu o processo com a NFS-e n. 248, emitida pelo fornecedor de forma aparentemente regular (ID 28972833), satisfazendo a exigência de que o gasto eleitoral seja comprovado por meio de documento fiscal idôneo, consoante dicção expressa do art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Diante desse acervo probatório, entendo que o candidato não dispunha de meios para averiguar a inidoneidade fiscal e a incapacidade operacional do fornecedor perante a Secretaria da Receita Federal do Brasil e a Junta Comercial deste Estado antes de efetivar a contratação do serviço para a sua campanha, não podendo a inconsistência cadastral perante daqueles órgãos de controle repercutir negativamente sobre o exame das contas, na esteira de precedentes deste Regional, a seguir colacionados:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. DEPUTADO FEDERAL. ELEIÇÕES 2018. SEGUNDA APRESENTAÇÃO PARA JULGAMENTO. INCONSISTÊNCIA REFERENTE À SITUAÇÃO FISCAL DE FORNECEDORES. AUSÊNCIA DE DOCUMENTOS COMPROBATÓRIOS DE DESPESAS REALIZADAS COM RECURSOS PÚBLICOS. ALTO PERCENTUAL DAS FALHAS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

1. Os autos foram anteriormente apresentados para julgamento, contudo, tendo em vista o surgimento de controvérsia entre os membros da Corte acerca da idoneidade dos comprovantes de gastos com combustíveis e daqueles realizados com pessoas jurídicas, os quais não constaram explicitamente examinados no parecer conclusivo, o Pleno decidiu, por unanimidade, converter o julgamento em diligência, com o retorno dos autos à unidade técnica e antecedente abertura de prazo para manifestação da candidata sobre a questão específica. Observadas as diligências determinadas e reavaliados os documentos apresentados pela prestadora de contas, retornam os autos para julgamento.

2. Inconsistência identificada pelo órgão técnico referente à situação fiscal de dois fornecedores, pessoas jurídicas, contratados durante a campanha, cujos números de CNPJ estão baixados junto à Receita Federal, sem prova da capacidade operacional das empresas. No primeiro caso, a candidata, ao contratar, não tinha meios de aferir a inidoneidade fiscal da fornecedora, que restou encoberta pela nota fiscal aparentemente regular, induzindo-a a erro, não havendo como atribuir à prestadora eventuais consequências da falha. Quanto ao segundo caso, a despesa foi demonstrada por meio de um simples recibo de pedido de serviço, sem valor fiscal, comprometendo a confiabilidade e a fiscalização do gasto informado. No ponto, tratando-se de contratação com pessoa jurídica, exige-se a comprovação por documentos fiscais idôneos, na forma do art. 63, caput, da Resolução TSE n. 23.553/17, não se admitindo a mera apresentação de contratos ou recibos. Portanto, configurado o descumprimento da norma.

3. Ausência de documentos comprobatórios, quais sejam, cópia do cheque nominal ou demonstrativo de transferência bancária, relativos ao pagamento de despesas realizadas com recursos do FEFC, para os quais os extratos eletrônicos não identificam a contraparte beneficiária da operação. Evidenciada a inobservância das formas de pagamento para realização dos gastos eleitorais prescritas pelo art. 40 da Resolução TSE n. 23.553/17.

4. O valor total das falhas representa 28,74% das despesas realizadas durante a campanha, o que inviabiliza a aplicação dos princípios da proporcionalidade ou razoabilidade para atenuar a importância das máculas sobre a regularidade e transparência do conjunto das contas. A desaprovação das contas é medida que se impõe, assim como a determinação de recolhimento das quantias irregulares ao Tesouro Nacional.

5. Desaprovação. Recolhimento ao Tesouro Nacional do montante de R$ 20.515,48.

(Prestação de Contas n 060341096, ACÓRDÃO de 10.08.2020, Relator DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE.) (Grifei.)

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ART. 23 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.406/14. ELEIÇÕES 2014.

Aprova-se com ressalvas a prestação quando as falhas apontadas não prejudicam a análise contábil da campanha e não comprometem a confiabilidade das contas. Na espécie, recebimento de doação consistente na cessão de bem imóvel que não integrava o patrimônio do doador e inconsistência da situação cadastral de fornecedor em base de dados da Receita Federal. Falhas irrelevantes no conjunto da prestação de contas.

Aprovação com ressalvas.

(Prestação de Contas n 175313, ACÓRDÃO de 03.12.2014, Relator DR. INGO WOLFGANG SARLET, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 222, Data 05/12/2014, Página 14.) (Grifei.)

 

Logo, a falha, na espécie, não pode ser imputada ao prestador, devendo ser afastada como causa ensejadora de desaprovação ou de ressalva no julgamento da escrituração contábil.

A segunda irregularidade relaciona-se à utilização de recursos oriundos do FEFC para o pagamento de encargos financeiros, taxas bancárias e/ou operações de cartão de crédito, no valor total de R$ 6,60, o que, segundo o apontamento do órgão técnico de exame, acolhido na sentença, contrariou o disposto no art. 37, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19, contendo a seguinte redação:

Art. 37. Os recursos provenientes do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas não poderão ser utilizados para pagamento de encargos decorrentes de inadimplência de pagamentos, tais como multa de mora, atualização monetária ou juros, ou para pagamento de multas relativas a atos infracionais, ilícitos penais, administrativos ou eleitorais.

Parágrafo único. As multas aplicadas por propaganda antecipada deverão ser arcadas pelos responsáveis e não serão computadas como despesas de campanha, ainda que aplicadas a quem venha a se tornar candidato.

 

A norma contida no dispositivo acima transcrito expressamente veda o direcionamento de receitas recebidas do FEFC para a quitação de encargos decorrentes da inadimplência de obrigações, a exemplo de multa de mora, atualização monetária ou juros, bem como para o pagamento de multas impostas pelo cometimento de atos infracionais ou ilícitos de natureza penal, administrativa e eleitoral.

Entretanto, no caso dos autos, as despesas eleitorais em comento foram lançadas como decorrentes de encargos financeiros, taxas bancárias e/ou operações de cartões de crédito no demonstrativo de despesas (ID 28971733).

A consulta ao extrato eletrônico da conta-corrente na qual foram movimentados os recursos do FEFC, disponibilizado no Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais na página do TSE na internet, evidencia que houve a cobrança de 03 (três) tarifas bancárias, nos valores individuais de R$ 2,20, nos dias 11, 17 e 23.11.2020, em virtude da prestação do serviço de compensação de 03 (três) cheques emitidos pelo candidato, não se tratando de cobrança de tarifa bancária decorrente da inadimplência de pagamento por devolução de cheques sem provisão de fundos, hipótese em que, dependendo das particularidades do caso concreto, seria possível caracterizar a infringência à disposição do art. 37, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Sob esse aspecto, cumpre referir que, embora a abertura da conta bancária específica da campanha e daquelas eventualmente voltadas à administração das receitas repassadas do Fundo Partidário e do FEFC não pudesse ser condicionada à realização de depósito mínimo ou ao pagamento de taxas ou outras despesas de manutenção, a tarifação de serviços bancários avulsos, na forma autorizada e disciplinada pelo Banco Central do Brasil, não restou vedada pela Resolução TSE n. 23.607/19, como se extrai da leitura do seu art. 12, inc. I e §§ 1º e 2º:

Art. 12. Os bancos são obrigados a (Lei nº 9.504/1997, art. 22, § 1º):

I - acatar, em até 3 (três) dias, o pedido de abertura de conta de qualquer candidato escolhido em convenção, sendo-lhes vedado condicionar a conta ao depósito mínimo e à cobrança de taxas ou de outras despesas de manutenção;

II - identificar, nos extratos bancários da conta-corrente a que se referem o inciso I deste artigo e o art. 9º desta Resolução, o CPF ou o CNPJ do doador e do fornecedor de campanha;

III - encerrar as contas bancárias dos candidatos destinadas à movimentação de recursos do Fundo Partidário e de doações para campanha no fim do ano da eleição, transferindo a totalidade do saldo existente para a conta bancária do órgão de direção da circunscrição, na forma prevista no art. 51 desta Resolução, e informar o fato à Justiça Eleitoral;

IV - encerrar as contas bancárias do candidato e do partido político destinadas à movimentação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) no fim do ano da eleição, transferindo a totalidade do saldo existente para o Tesouro Nacional, na forma prevista no art. 51 desta Resolução, e informar o fato à Justiça Eleitoral.

§ 1º A obrigação prevista no inciso I abrange a abertura de contas específicas para a movimentação de recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) de que trata o art. 9º, bem como as contas dos partidos políticos denominadas "Doações para Campanha".

§ 2º A vedação quanto à cobrança de taxas e/ou outras despesas de manutenção não alcança as demais taxas e despesas normalmente cobradas por serviços bancários avulsos, na forma autorizada e disciplinada pelo Banco Central do Brasil.

(Grifei.)

 

Portanto, declaradas corretamente as tarifas bancárias pelo prestador, no valor exato verificado no extrato eletrônico, e constatada a sua efetiva incidência em decorrência de serviço bancário avulso de compensação de cheques, torna-se inviável manter a decisão de primeiro grau neste particular, pois inexiste violação à legislação eleitoral a ser reconhecida por esta Especializada na apreciação dos registros contábeis.

A terceira irregularidade refere-se à abertura intempestiva da conta-corrente n. 0000609783619 junto ao BANRISUL para a movimentação das receitas oriundas do FEFC, na data de 08.10.2020 (ID 28970133).

Ocorre que o prazo de 10 (dez) dias a partir da data da concessão do número de CNPJ pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, estipulado no art. 8º, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, aplica-se tão somente à abertura da conta bancária específica da campanha, destinada ao recebimento de doações de pessoas físicas, bem como de recursos das agremiações partidárias e do próprio candidato.

O objeto da norma em destaque não abrange as contas bancárias por intermédio das quais são gerenciadas as verbas recebidas do Fundo Partidário e do FEFC, disciplinadas no art. 9º da Resolução TSE n. 23.607/19, de modo que a inobservância do prazo prescrito no art. 8º, § 1º, inc. I, do mesmo diploma normativo não configura transgressão que importe a desaprovação da contabilidade no caso concreto, na linha do precedente deste Tribunal, referendado nas razões recursais (Recurso Eleitoral n. 15742, Relator Des. Eleitoral LUCIANO ANDRÉ LOSEKANN, DEJERS de 21.8.2018, p. 7).

Outrossim, no pertinente à abertura da conta específica da campanha, efetivada no dia 23.9.2020, foi devidamente observado o prazo previsto no art. 8º, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 (ID 28970133), mostrando-se, dessa forma, escorreito o procedimento adotado pelo candidato.

Por esses motivos, as falhas detectadas no parecer conclusivo e que embasaram o comando decisório de primeiro grau não subsistem como causas aptas à desaprovação da contabilidade da campanha, a qual, consequentemente, deve ser aprovada pela Justiça Eleitoral sem quaisquer ressalvas.

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento do recurso e, afastando a preliminar de nulidade processual, no mérito, pelo seu provimento, ao efeito de aprovar as contas de CLAUDIO BATISTA MANZONI relativas ao pleito de 2020, com fundamento no art. 74, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

É como voto, Senhor Presidente.