REl - 0600483-79.2020.6.21.0165 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/07/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, as contas de ROBES SCHNEIDER e DOUGLAS SCHNEIDER, candidatos, respectivamente, a prefeito e vice-prefeito de Alto Feliz/RS, foram desaprovadas em virtude da aplicação de recursos próprios em campanha, no total de R$ 16.000,00, excedendo em R$ 3.692,26 o limite de autofinanciamento previsto no art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, fixado em R$ 12.307,74.

A sentença acolheu o parecer do órgão técnico em primeira instância, no sentido de que aludido limite para arrecadação de recursos próprios deve ser observado de forma conjunta pelos candidatos ao pleito majoritário, ou seja, aferido pelo somatório das receitas advindas dos candidatos aos cargos de prefeito e de vice-prefeito, e não de forma individualizada, nos seguintes termos:

O prestador declarou em sua contabilidade a arrecadação, com recursos próprios, do valor de R$ 16.000,00 (dezesseis mil reais), conforme se verifica no extrato bancário da conta de campanha, através de transferências feitas nos dias 25.9.2020, de R$ 7.000,00 (sete mil reais) e de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), com identificação do candidato a prefeito, de CPF 603.977.210-72, e de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), no dia 01.10.2020, em nome do candidato a vice-prefeito, de CPF 028.084.600-23, assim como no recibo juntado à prestação de contas de ID 59418831.

Por sua vez, os recorrentes sustentam que, quando o dispositivo preceitua que “o candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer”, se deve compreender aplicável o limite separadamente para cada cargo (prefeito e vice-prefeito), consoante a literalidade do texto legal, autorizando que cada integrante da chapa majoritária efetue, individualmente, a autodoação de até R$ 12.307,74, tal como ocorreu na hipótese.

Destarte, a questão posta nos autos demanda a interpretação da referida norma mediante uma análise sistemática das regras de financiamento das campanhas nas eleições majoritárias municipais, a fim de determinar se o teto de autofinanciamento aplica-se de forma isolada para cada candidato componente da chapa majoritário ou conjuntamente.

Nesse trilhar, registro que a limitação à arrecadação de recursos próprios no patamar de 10% do valor estabelecido como limite para gastos de campanha no cargo restou aplicado pela vez primeira nas últimas eleições de 2020, mediante inovação trazida pela Lei n. 13.878/19, que acrescentou o § 2º-A ao art. 23 da Lei n. 9.504/97, verbis:

Art. 23. (...).

[...].

§ 2º-A.  O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer. (Incluído pela Lei nº 13.878, de 2019)

 

A alteração legislativa deve ser compreendida em harmonia sistemática com o princípio da unicidade da chapa, pelo qual a candidatura majoritária representa uma candidatura plurissubjetiva ou dúplice, como previsto no art. 91 do Código Eleitoral:

Art. 91. O registro de candidatos a presidente e vice-presidente, governador e vice-governador, ou prefeito e vice-prefeito, far-se-á sempre em chapa única e indivisível, ainda que resulte a indicação de aliança de partidos.

 

Dessa forma, não é possível se conferir tratamento individual e isolado ao prefeito ou ao vice-prefeito de uma mesma chapa no tocante ao registro de suas candidaturas e à realização de campanhas, inclusive no que se refere aos limites legais de arrecadações e gastos.

Sobre o ponto, o douto Procurador Regional Eleitoral muito bem elencou diversos preceitos atinentes às contas de campanha que consideram a unidade e interdependência entre as candidaturas do titular e seu vice, consoante transcrevo do judicioso parecer:

Diversos dispositivos da Resolução TSE 23.607/2019 indicam que, para verificação da observância do limite de gastos para o autofinanciamento na candidatura majoritária, devem ser computados conjuntamente os recursos próprios doados pelo candidato titular e pelo seu vice.

A prestação de contas do titular da chapa, abrange a do seu vice, o qual somente pode prestar contas sozinho, na inércia do titular (arts. 45, § 3º e 77, caput e parágrafo único, da Resolução TSE n. 23.607/2019). Nesse sentido, veja-se que, no extrato da prestação de contas, os recursos próprios do candidato e do vice estão somados na mesma rubrica.

O candidato a vice não é obrigado a abrir conta bancária, mas se o fizer, os extratos deverão compor a prestação de contas do titular (art. 8º, § 3º, da Resolução TSE n. 23.607/2019).

No tocante aos recibos eleitorais, a arrecadação realizada pelo candidato a vice utiliza os recibos eleitorais do titular (art. 7º, § 8º, da Resolução TSE n. 23.607/2019).

O candidato a vice não pode constituir fundo de caixa (art. 39, parágrafo único, da Resolução TSE n. 23.607/2019).

Para aferição dos limites de gastos para contratação de pessoal para prestação de serviços referentes a atividades de militância e mobilização de rua são consideradas as contratações realizadas pelo titular e pelo vice (art. 41, § 5º, da Resolução TSE n. 23.607/2019).

Veja-se que, para aferição do limite global de gastos da candidatura majoritária não se discute que são somadas as receitas do titular e do vice, tanto que esse utiliza os recibos do titular. E assim é, pois, como é cediço, a chapa majoritária é una e indivisível (art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.609/2019).

Neste sentido, não é estabelecido limite para candidatura de vice, mas apenas de, ao que interessa ao caso, Prefeito. Daí que todos os valores arrecadados são somados para verificação da observância do limite global.

 

Ademais, consta da justificativa apresentada ao inteiro teor do Projeto de Lei n. 4.121/19, que introduziu o limite de autofinanciamento nas campanhas de prefeito e vereador, que as limitações consideram a existência dos sistemas eleitorais majoritário e proporcional previstos na Constituição Federal e “observam os critérios estabelecidos para as eleições gerais de 2018, a saber: limites maiores para os candidatos a cargos do Poder Executivo e limites escalonados para os cargos em disputa (Prefeito e Vereador), de acordo com faixas de número de eleitores por município” (https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2212362).

Dessa forma, não há indicações sequer de intenção legislativa de criar um limite de autofinanciamento próprio para o cargo de vice.

Por consequência, o teto de arrecadação com recursos próprios definido para o cargo de prefeito, por certo, abrange o cargo de vice-prefeito com ele lançado, devendo as respectivas doações serem somadas para verificação do limite legal, de modo a garantir equivalência financeira entre os concorrentes, a fim de evitar que patrimônios pessoais possam desequilibrar o pleito eleitoral.

Dessarte, a interpretação defendida pelos prestadores de contas, acerca do critério individual para aferição do limite de autofinanciamento, não se harmoniza com o sistema eleitoral majoritário e com todas as demais normas de financiamento de campanha que decorrem da unicidade da chapa, impondo o desprovimento do recurso quanto ao tema.

Outrossim, a sentença deve ser igualmente mantida no que concerne à condenação dos recorridos à multa de 100% sobre a quantia excedente, ou seja, no valor de R$ 3.692,26, uma vez que tal quantia se afigura razoável e proporcional à falha verificada e aos valores absolutos manejados, devendo a penalidade ser destinada ao Fundo Partidário, nos termos do art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95.

Por outro lado, a irregularidade representa tão somente 9,11% do total de recursos arrecadados (R$ 40.520,35), contexto em que a jurisprudência deste Tribunal admite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas, como colho da ementa do seguinte precedente:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES DE 2016. VEREADOR. LIMITE DE GASTOS COM ALIMENTAÇÃO. DIVERGÊNCIA QUANTO À AUTORIA DAS DOAÇÕES. IRREGULARIDADES INFERIORES A 10% DA ARRECADAÇÃO. PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. Gastos com alimentação que excedem em 3,2% o limite de despesas dessa natureza e divergência entre os dados do extrato bancário e as declarações de doações registradas no balanço contábil que expressam 3,57% dos recursos arrecadados. Falhas que, somadas, representam menos de 10% dos recursos utilizados na campanha, não prejudicando a confiabilidade das contas. Incidência do princípio da proporcionalidade. Provimento parcial. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS - RE: 41060 PORTO ALEGRE - RS, Relator: MIGUEL ANTÔNIO SILVEIRA RAMOS, Data de Julgamento: 25.06.2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 112, Data: 27.06.2018, Página 6.) (Grifei.)

 

Anoto, em desfecho, que o juízo de aprovação com ressalvas não afasta a condenação de multa em razão da irregularidade, cujo esteio consta no art. 27, §§ 1º e 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19, independentemente da sorte do julgamento final das contas.

 

Diante do exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso, ao efeito de aprovar com ressalvas as contas de ROBES SCHNEIDER e DOUGLAS SCHNEIDER relativas ao pleito de 2020, mantendo a condenação ao pagamento da multa eleitoral no valor de R$ 3.692,26, por infração ao disposto no art. 27, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19, a qual deve ser destinada ao Fundo Partidário, nos termos do art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95.