REl - 0600427-70.2020.6.21.0060 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/07/2021 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo e regular, comportando conhecimento.

 

Conhecimento de Novos Documentos Juntados na Fase Recursal

Inicialmente, consigno que, no âmbito dos processos de prestação de contas, expedientes que têm preponderante natureza declaratória e possuem como parte apenas o prestador, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, ainda que o interessado tenha sido intimado para se manifestar, quando sua simples leitura possa sanar irregularidades e não haja necessidade de nova análise técnica.

Potencializa-se o direito de defesa, especialmente quando a juntada da nova documentação mostra capacidade de influenciar positivamente no exame da contabilidade, de maneira a prestigiar o julgamento pela retidão no gerenciamento dos recursos empregados no financiamento da campanha (TRE-RS, RE n. 50460, Relator Des. El. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, DEJERS de 29.01.2018, p. 4).

Logo, à exceção das fotografias (ID 23747683 a 23747883), as quais estou conhecendo em sede recursal, os demais documentos acostados com o recurso instruíram a presente contabilidade eleitoral no momento da sua apresentação a esta Especializada, tornando desnecessário o seu conhecimento por este Colegiado.

 

Mérito

GERSON ISAQUE DA LUZ, candidato ao cargo de vereador no Município de Pelotas no pleito de 2020, interpôs recurso em face da sentença proferida pelo Juízo da 60ª Zona Eleitoral que desaprovou a sua prestação de contas, devido à ausência de comprovação de gasto eleitoral quitado com verbas oriundas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), determinando-lhe o recolhimento da quantia de R$ 1.500,00 ao Tesouro Nacional, com lastro nos arts. 74, inc. III, e 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

A irresignação não merece ser acolhida.

Na hipótese, o candidato declarou o uso de recursos do FEFC para a quitação de despesa relativa a serviços prestados por Fábio André Tessmer Ruch (CNPJ n. 620.413.470-15), atinentes à contratação de cabos eleitorais para a divulgação de propaganda durante a campanha, conforme demonstrativo de despesas (ID 23743733, fl. 1).

O instrumento contratual e o recibo n. 003/20, no valor de R$ 1.500,00 (ID 23745333, fls. 1-3), ambos firmados pelo prestador dos serviços informado na prestação de contas, foram juntados aos autos, em conformidade com o art. 60, § 1º, incs. I e II, da Resolução TSE n. 23.607/19, que elenca tais documentos como meios alternativos às notas fiscais para a demonstração dos gastos eleitorais.

Nesse contexto, embora o § 1º do art. 60 da aludida resolução contemple um rol exemplificativo de documentos, conferindo certo grau de liberdade ao órgão julgador para admitir outras espécies além de notas fiscais, entendo não ser necessária a complementação do conjunto probatório com as fotografias acostadas com o recurso, embora se presuma a boa-fé do prestador quanto à alegação de ilustrarem o cumprimento do objeto contratual, até mesmo porque não é possível constatar, com um mínimo de segurança, que alguma das pessoas fotografadas seja o fornecedor dos serviços.

Prosseguindo na análise, o contrato firmado com o prestador de serviços Fábio André Tessmer Ruch previu, no parágrafo único da sua cláusula terceira, que os pagamentos seriam efetuados mediante a emissão de cheques nominais e cruzados (ID 23745333, fl. 3).

Contudo, o extrato eletrônico disponibilizado pelo Sistema de Registro de Candidaturas e Contas Eleitorais, na página do TSE na internet, revela que o cheque n. 05, emitido no valor de R$ 1.500,00 para o adimplemento do contrato, foi descontado diretamente no caixa da instituição financeira no dia 10.11.2020, mediante operação bancária identificada como “Saque Eletrônico/ Cheque Terceiros por Caixa”, na conta-corrente destinada à movimentação de recursos oriundos do FEFC, sem especificação da contraparte beneficiária do crédito.

Além de a transação bancária efetivada constituir indicativo de que a cártula não foi cruzada ao ser emitida, pois ao cruzar o título a única forma de obter o seu pagamento é apresentando-o para depósito e posterior crédito em conta (art. 45 da Lei n. 7.357/85), o candidato, no curso da instrução do processo e perante esta instância recursal, não juntou a fotografia, cópia reprográfica ou a microfilmagem do cheque.

Em sua defesa ao parecer conclusivo, o recorrente limitou-se a referir que o cheque foi descontado no caixa da instituição bancária pelo próprio prestador dos serviços, porque este não era titular de conta-corrente na qual pudesse ser efetivada a compensação do título de crédito em seu favor (ID 23746983), explicação, que, todavia, não tem aptidão para sanear a falha, na medida em que o escopo de a movimentação de recursos eleitorais ocorrer por meio do sistema bancário é conferir maior transparência e, com isso, permitir um controle mais amplo sobre as transações efetivadas durante a campanha.

Dessa forma, resta caracterizada a infringência ao art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, que contempla regramento de natureza objetiva quanto à imprescindibilidade de as despesas eleitorais, excetuadas aquelas de pequeno vulto e movimentadas sem necessidade de trânsito por conta bancária, serem pagas por intermédio de cheque nominal e cruzado ao prestador do serviço ou fornecedor do bem informado à Justiça Eleitoral, verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

 

Depreende-se do citado comando normativo não serem admitidas outras modalidades de pagamento dos dispêndios eleitorais, justamente para assegurar a efetiva destinação das receitas aos prestadores de serviço ou fornecedores de bens declarados na demonstração contábil da campanha, procedimento que ganha especial relevo em se tratando da fiscalização do uso de verbas públicas oriundas do FEFC e do Fundo Partidário.

No tocante ao dever de transferência da quantia irregularmente movimentada ao Tesouro Nacional, este Regional, na sessão de 06.7.2021, ao apreciar o RE n. 0600464-77.2020.6.21.0099, interposto em processo de prestação de contas relativo ao pleito de 2020, distribuído à relatoria do Des. Eleitoral SILVIO RONALDO DOS SANTOS DE MORAES, tendo sido redator do acórdão o Des. El. OYAMA ASSIS BRASIL DE MORAES, assentou a premissa de que “persiste a obrigatoriedade de comprovação fidedigna da utilização dos recursos públicos para pagamento das despesas de campanha”, ainda que superado o entendimento deste Regional quanto ao dever de recolhimento dos recursos ao erário nas hipóteses de descumprimento do art. 38 já citado, em virtude de recente orientação adotada pela Corte Superior Eleitoral (RESPE n. 060226505, Relator Ministro TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO, DJE de 19.6.2020; RESPE n. 060086788, Relator Ministro ALEXANDRE DE MORAES, DJE de 20.11.2020).

Nesse norte, no referido julgamento, este Colegiado reconheceu ser imprescindível a existência de uma vinculação inequívoca entre o fornecedor do bem ou prestador de serviço emitente da nota fiscal (ou documento a ela equiparado) e o beneficiário do cheque emitido pelo candidato para a quitação da despesa, a fim de que se considere comprovada a escorreita utilização das verbas públicas derivadas do FEFC, em observância ao art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19, e, por consequência, não incida a determinação de transferência dos valores envolvidos ao Tesouro Nacional, prevista no art. 79, § 1º, da aludida resolução:

Art. 79. A aprovação com ressalvas da prestação de contas não obsta que seja determinada a devolução dos recursos recebidos de fonte vedada ou a sua transferência para a conta única do Tesouro Nacional, assim como dos recursos de origem não identificada, na forma prevista nos arts. 31 e 32 desta Resolução.

§ 1º Verificada a ausência de comprovação da utilização dos recursos do Fundo Partidário e/ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) ou a sua utilização indevida, a decisão que julgar as contas determinará a devolução do valor correspondente ao Tesouro Nacional no prazo de 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado, sob pena de remessa dos autos à representação estadual ou municipal da Advocacia-Geral da União, para fins de cobrança.

 

No caso sob exame, como mencionei anteriormente, o candidato não apresentou a fotografia, cópia reprográfica ou microfilmagem do cheque, o qual foi descontado diretamente no caixa da agência bancária por pessoa não identificada no extrato da conta-corrente em que transitaram as verbas do FEFC, inexistindo, assim, demonstração de que Fábio André Tessmer Ruch, emitente dos documentos comprobatórios dos serviços prestados à campanha, efetivamente foi o beneficiário do cheque emitido pelo candidato para o pagamento da despesa eleitoral.

Portanto, como consequência da caracterização da irregularidade, seguindo orientação firmada por este Tribunal, deve ser mantido o comando sentencial de transferência da quantia de R$ 1.500,00 ao Tesouro Nacional, consoante determina o art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Da mesma forma, o juízo de desaprovação da contabilidade deve ser mantido, pois a falha consolida valor absoluto expressivo (R$ 1.500,00), sendo superior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e a dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Ademais, o valor da irregularidade representa 16,99% do somatório das receitas auferidas para o custeio da campanha (R$ 8.827,50), impedindo a incidência dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade ao efeito de a demonstração contábil ser aprovada, ainda que com ressalvas, por comprometer substancialmente a sua confiabilidade e transparência, na esteira da reiterada jurisprudência do TSE, ilustrada na ementa abaixo colacionada:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. AGRAVO INTERNO TEMPESTIVO. INTIMAÇÃO PESSOAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL. IRREGULARIDADES QUE REPRESENTAM APENAS 0,4% DO TOTAL ARRECADADO. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. PERCENTUAL INEXPRESSIVO NO CONTEXTO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS. AGRAVO DESPROVIDO. 1. O prazo recursal do Ministério Público inicia–se com a intimação pessoal e não com a publicação da decisão combatida. Precedentes. 2. Na espécie, o TRE/SP, em sede de aclaratórios, reconheceu a prestação de contas retificadora, apresentada de forma intempestiva pelo candidato, apenas para afastar algumas irregularidades e diminuir o valor de outras, mantendo a desaprovação das contas.3. A inexistência de recurso especial eleitoral contra a aceitação de documentos que acompanharam os embargos de declaração e que modificaram a sanção decorrente do julgamento impede que, em sede de agravo interno, essa moldura fática deixe de ser observada. 4. O valor total das irregularidades presentes na prestação de contas do candidato corresponde ao valor total que deve ser recolhido ao erário e à agremiação partidária. 5. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral tem admitido a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para superação de irregularidades que contenham percentual abaixo de 10% do total da arrecadação, ainda que o valor absoluto seja elevado. Precedentes. 6. Adota–se como balizas, para as prestações de contas de candidatos, o valor máximo de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) como espécie de "tarifação do princípio da insignificância" como valor máximo absoluto entendido como diminuto e, ainda que superado o valor de 1.000 UFIRs, é possível a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aquilatar se o valor total das irregularidades não supera 10% do total da arrecadação ou da despesa, permitindo–se, então, a aprovação das contas com ressalvas. 7. No caso dos autos, o diminuto percentual das falhas detectadas (0,40%) – em relação ao valor absoluto arrecadado em campanha – não representa gravidade capaz de macular a regularidade das contas. 8. Agravo interno a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 060698914, Acórdão, Relator Min. EDSON FACHIN, Publicação:  DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 161, Data 13.08.2020.) (Grifei.)

 

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto por GERSON ISAQUE DA LUZ, mantendo a sentença que julgou desaprovadas as suas contas relativas ao pleito de 2020, assim como a ordem de recolhimento da quantia de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais) ao Tesouro Nacional, com fundamento nos arts. 74, inc. III, e 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

É como voto, Senhor Presidente.