REl - 0600198-24.2020.6.21.0121 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/07/2021 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo e adequado, comportando conhecimento.

 

Mérito

A demonstração contábil de GUSTAVO PEUKERT STOLTE e MARCOS LUIS PETRI, relativa ao pleito de 2020, no qual foram eleitos aos cargos majoritários no Município de Quinze de Novembro, foi desaprovada pelo Juízo da 121ª Zona Eleitoral de Ibirubá em virtude da utilização de recursos próprios em montante superior a 10% do limite previsto para gastos de campanha nos cargos em disputa, infração da qual resultou a condenação, de forma solidária, ao pagamento da penalidade de multa no valor de R$ 7.469,24, com fundamento no art. 74, inc. III, c/c o art. 27, §§ 1º e 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

A sentença não merece reparos.

Nas eleições de 2020, o Tribunal Superior Eleitoral fixou o limite de gastos de campanha na disputa ao cargo de prefeito no Município de Quinze de Novembro em R$ 123.077,42, com o que o emprego de recursos próprios dos candidatos ficou restrito à quantia equivalente a 10% desse valor, ou seja, R$ 12.307,74.

O RECORRENTE empregou recursos próprios no montante de R$ 19.776,98, extrapolando em R$ 7.469,24 o patamar admitido pela legislação eleitoral, sujeitando-se, por consequência, ao recolhimento de penalidade de multa ao Tesouro Nacional, correspondente a até 100% da quantia em excesso, consoante prevê o art. 27, §§ 1º e 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual reproduz a normativa contida no art. 23, §§ 2º-A e 3º, da Lei n. 9.504/97:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

(...)

§ 3º O limite previsto no caput não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador ou à prestação de serviços próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 7º).

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º).

 

No caso sob exame, o prestador não negou a falha no tocante à destinação de recursos próprios à sua campanha, alegando, em sua defesa, tão somente, ter recebido orientações equivocadas do profissional de contabilidade contratado e que, nada obstante a incorreção do procedimento adotado, declarou a integralidade das despesas efetuadas, demonstrando ter agido de boa-fé e sem o intento deliberado de burlar a legislação eleitoral para obter vantagem em relação aos demais concorrentes ao pleito.

Contudo, como se extrai da leitura do art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, acima transcrito, o limite para custeio da campanha com recursos próprios do candidato é objetivo, aferido a partir de simples equação matemática em relação ao teto legal de gastos relacionados ao cargo em disputa, de maneira que as alegações expendidas pelo recorrente não encontram respaldo na legislação afeta ao tema.

Acrescento, sob esse viés, que o art. 45, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19 é expresso ao estabelecer a responsabilidade solidária entre o candidato, a pessoa por ele eventualmente indicada para elaborar suas contas e o profissional de contabilidade que acompanha a arrecadação de recursos e a realização de gastos eleitorais, quanto às informações financeiras e contábeis de sua campanha, inclusive no que se refere à correta interpretação e aplicação das disposições legais pertinentes, de sorte que eventuais equívocos interpretativos não se legitimam como argumentos válidos ao saneamento da falha.

Registro, também, que, à exceção de uma diminuta doação estimada em dinheiro no valor de R$ 124,00 proveniente do órgão partidário, a campanha eleitoral foi financiada exclusivamente com recursos financeiros doados pelo recorrente GUSTAVO PEUKERT, como comprovam os recibos das operações de transferência eletrônica realizadas entre a sua conta bancária pessoal e a da campanha (ID 28115083, 28115133, 28115183, 28115283, 28115333, 28115383, 28115433), contexto em que ganha maior relevância a aplicação da lei no sentido de obedecer ao limite imposto, de modo a resguardar a paridade dos candidatos na disputa eleitoral, evitando-se situações de abuso de poder econômico.

Logo, correta a decisão de primeiro grau ao reconhecer a ilicitude na arrecadação das receitas eleitorais, devendo ser mantida a penalidade de multa em montante equivalente a 100% do excesso, ou seja, R$ 7.469,24, uma vez que inexiste justificativa à redução desse percentual  na situação dos autos.

Da mesma forma, o juízo de desaprovação da contabilidade deve ser mantido, pois, ao contrário da tese defendida nas razões recursais, a irregularidade consolida valor absoluto expressivo (R$ 7.469,24), sendo superior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e a dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Ademais, o valor da falha representa 37,53% do somatório das receitas auferidas para o custeio da campanha (R$ 19.900,98), impedindo a incidência dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade ao efeito de a demonstração contábil ser aprovada, ainda que com ressalvas, por comprometer substancialmente a sua confiabilidade e transparência, na esteira da reiterada jurisprudência do TSE, ilustrada na ementa abaixo colacionada:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. AGRAVO INTERNO TEMPESTIVO. INTIMAÇÃO PESSOAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL. IRREGULARIDADES QUE REPRESENTAM APENAS 0,4% DO TOTAL ARRECADADO. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. PERCENTUAL INEXPRESSIVO NO CONTEXTO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS. AGRAVO DESPROVIDO. 1. O prazo recursal do Ministério Público inicia–se com a intimação pessoal e não com a publicação da decisão combatida. Precedentes. 2. Na espécie, o TRE/SP, em sede de aclaratórios, reconheceu a prestação de contas retificadora, apresentada de forma intempestiva pelo candidato, apenas para afastar algumas irregularidades e diminuir o valor de outras, mantendo a desaprovação das contas.3. A inexistência de recurso especial eleitoral contra a aceitação de documentos que acompanharam os embargos de declaração e que modificaram a sanção decorrente do julgamento impede que, em sede de agravo interno, essa moldura fática deixe de ser observada. 4. O valor total das irregularidades presentes na prestação de contas do candidato corresponde ao valor total que deve ser recolhido ao erário e à agremiação partidária. 5. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral tem admitido a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para superação de irregularidades que contenham percentual abaixo de 10% do total da arrecadação, ainda que o valor absoluto seja elevado. Precedentes. 6. Adota–se como balizas, para as prestações de contas de candidatos, o valor máximo de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) como espécie de "tarifação do princípio da insignificância" como valor máximo absoluto entendido como diminuto e, ainda que superado o valor de 1.000 UFIRs, é possível a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aquilatar se o valor total das irregularidades não supera 10% do total da arrecadação ou da despesa, permitindo–se, então, a aprovação das contas com ressalvas. 7. No caso dos autos, o diminuto percentual das falhas detectadas (0,40%) – em relação ao valor absoluto arrecadado em campanha – não representa gravidade capaz de macular a regularidade das contas. 8. Agravo interno a que se nega provimento. 

(Recurso Especial Eleitoral n. 060698914, Acórdão, Relator Min. Edson Fachin, Publicação:  DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 161, Data 13.08.2020.) (Grifei.)

 

Em desfecho, assinalo, apenas, ser necessária a correção, de ofício, do erro material na sentença quanto à destinação da penalidade de multa ao Tesouro Nacional, uma vez que a sua aplicação tem respaldo no art. 27, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19 e no art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97, devendo o valor correspondente, portanto, ser recolhido ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), como previsto no art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95.

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e desprovimento do recurso, mantendo a sentença que julgou desaprovadas as contas de GUSTAVO PEUKERT STOLTE e MARCOS LUIS PETRY relativas ao pleito de 2020, determinando-lhes o recolhimento da penalidade de multa no valor de R$ 7.469,24 (sete mil, quatrocentos e sessenta e nove reais e vinte e quatro centavos), o qual, corrigindo, de ofício, erro material da sentença, deve ser recolhido ao Fundo Partidário, com fundamento no art. 74, inc. III, c/c o art. 27, §§ 1º e 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

É como voto, Senhor Presidente.