REl - 0600536-52.2020.6.21.0103 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/07/2021 às 14:00

VOTO

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razões pelas quais dele conheço.

 

Preliminarmente

Em sede preliminar, cumpre registrar a viabilidade do documento apresentado com o recurso.

Embora o Egrégio Tribunal Superior Eleitoral possua entendimento no sentido de que julgadas as contas, com oportunidade prévia para saneamento das irregularidades, não se admite, em regra, a juntada de novos documentos (TSE, AgReg no RESPE n. 239956, Relatora Min. Rosa Weber. DJE: 31.10.2016), este Regional, sempre em juízo de exceção, tem se pautado pela potencialização do direito de defesa no âmbito dos processos de prestação de contas, especialmente quando se trata de documento simples, que dispense a necessidade de nova análise técnica ou de diligências complementares, não apresentando prejuízo à tramitação processual.

O posicionamento encontra fundamento no art. 266 do Código Eleitoral e está amparado pela reiterada jurisprudência deste Regional, conforme ilustram as ementas das seguintes decisões:

Recurso Eleitoral. Prestação de contas. Candidato. Arrecadação e dispêndio de recursos de campanha. Resolução TSE n. 23.463/15. Eleições 2016.

Preliminar afastada. É faculdade do juiz eleitoral a conversão das contas simplificadas para o rito ordinário, a fim de que sejam apresentadas contas retificadoras. Art. 62 da Resolução TSE n. 23.463/15. A falta de conversão, frente à possibilidade de prolação da sentença com os elementos constantes nos autos, não acarreta cerceamento de defesa. Oportunizada a manifestação do candidato acerca do parecer do órgão técnico, ocasião em que juntados documentos.

Conhecimento dos documentos apresentados em grau recursal, nos termos do art. 266 do Código Eleitoral.

A ausência de registro de doação ou cessão de veículo automotor é irregularidade sanável. Apresentação de retificação das contas, de modo a suprir a omissão e possibilitar a aprovação da contabilidade.

Provimento.

(TRE-RS – RE 522-39/RS, Relator: DES. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ, Data de Julgamento: 14.3.2017.) (Grifei.)

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES GERAIS DE 2018. APLICAÇÃO IRREGULAR DE VERBAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. APRESENTAÇÃO INTEMPESTIVA DE DOCUMENTOS. CONHECIDOS, EXCEPCIONALMENTE, POR NÃO DEMANDAREM ANÁLISE TÉCNICA OU DILIGÊNCIAS ADICIONAIS. FALHA SANADA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Conhecidos, excepcionalmente, os documentos apresentados de forma extemporânea, por permitirem através de simples leitura, a aferição do saneamento ou não das falhas, independentemente de diligências adicionais, conforme a jurisprudência deste Tribunal para as eleições de 2018. Ressalvada a posição de que, respeitada eventual mudança normativa, este entendimento não deve ser mantido em relação às contas das eleições vindouras, caso em que as circunstâncias ora consideradas não serão relevadas, aplicando-se o instituto da preclusão.

2. Irregularidade na aplicação de recursos do Fundo Partidário. Tendo a parte juntado a microfilmagem dos cheques faltantes, possibilitando a aferição de que foram emitidos de forma nominal a fornecedor, tal como informado na prestação de contas, resta suprida a falha apontada pelo parecer técnico mediante a juntada de provas que não demandaram diligências complementares.

3. Aprovação com ressalvas.

(Prestação de Contas n 060240891, ACÓRDÃO de 02.12.2019, Relator: GERSON FISCHMANN, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão)

Prossigo, passando ao exame da questão de mérito.

 

Mérito

Trata-se da prestação de contas de candidato a vereador, relativa às eleições do ano de 2020.

As contas do recorrente foram desaprovadas com base em parecer técnico conclusivo das contas (ID 27316733), no qual foi indicada irregularidade proveniente de omissão relativa às despesas relacionadas às notas fiscais ns. 26843, 27078 e 27332, no valor total de R$ 141,02, vinculadas ao gasto com combustível sem o registro da cessação/locação de veículo, publicidade com carro de som ou utilização de gerador de energia.

O recorrente, em suas razões, alegou a utilização de veículo de sua propriedade durante a campanha, de recursos próprios no pagamento do combustível e equívoco na emissão da nota fiscal de compra com CNPJ do candidato.

Adianto que as circunstâncias dos autos não permitem a aprovação das contas, como requerido pelo recorrente.

A emissão de nota fiscal sem o registro da despesa correspondente na prestação de contas revela indícios de omissão de gastos eleitorais, em violação ao art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

(…)

g) receitas e despesas, especificadas;

O não reconhecimento de despesa haveria de ser comprovado, v.g., com a demonstração do cancelamento da nota fiscal emitida, nos termos previstos no art. 92, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

§ 6º Na situação de eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, o prestador deverá apresentar a comprovação de cancelamento, junto com esclarecimentos firmados pelo fornecedor.

Na mesma linha, a jurisprudência desta Corte:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. SUPLENTE. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES GERAIS DE 2018. OMISSÃO DE DESPESA. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. BAIXO PERCENTUAL. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. 1. Omissão de despesas caracterizada pela existência de documentos fiscais sem o correspondente registro na prestação de contas. Falha grave que impossibilita a identificação da origem dos recursos utilizados para pagamento das despesas contratadas. Na espécie, apesar das alegações da prestadora acerca da emissão unilateral da nota fiscal e da argumentação sobre a responsabilização por ato de terceiro, não foi demonstrado o cancelamento do documento, de forma que se impõe o reconhecimento da omissão na prestação de contas. 2. As despesas omitidas na prestação de contas caracterizam recursos de origem não identificada, visto que foram ou serão pagas com recursos que deixarão de transitar pelas contas de campanha e de submeter-se ao controle da Justiça Eleitoral, o que atrai a imposição de recolhimento do valor equivalente ao Tesouro Nacional. Falha equivalente a 4,67% do total da receita declarada, possibilitando a aplicação dos precedentes desta Corte e do TSE que autorizam a aprovação com ressalvas das contas. (PC n. 0602542-21.2018.6.21.0000, j. em 05.11.2019, Relator: Gustavo Alberto Gastal Diefenthaler)

Assim, o documento apresentado com o recurso não comprova o cancelamento das notas fiscais.

Por conseguinte, a omissão de registro financeiro no Sistema de Prestação de Contas Eleitoral há de ser considerada, tecnicamente, como recebimento de recurso de origem não identificada e, portanto, sujeito a recolhimento ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ainda, conforme relatado no parecer conclusivo, o recorrente não observou o comando do § 11 do art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19:

§ 11. Os gastos com combustível são considerados gastos eleitorais apenas na hipótese de apresentação de documento fiscal da despesa do qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de:

I – veículos em eventos de carreata, até o limite de 10 (dez) litros por veículo, desde que feita, na prestação de contas, a indicação da quantidade de carros e de combustíveis utilizados por evento;

II – veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que:

a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas; e

b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim; e

III – geradores de energia, decorrentes da locação ou cessão temporária devidamente comprovada na prestação de contas, com a apresentação de relatório final do qual conste o volume e valor dos combustíveis adquiridos em na campanha para este fim.

Embora o candidato tenha alegado a utilização de veículo próprio na campanha, não houve o cadastro de nenhum veículo na declaração de bens apresentada por ocasião do seu registro de candidatura.

Da mesma forma, o suposto pagamento do combustível com recursos próprios não restou comprovado nos autos.

Assim, sendo a despesa vinculada ao CNPJ da campanha, tenho como oriunda de recursos eleitorais.

Logo, demonstrado o gasto eleitoral com combustível em veículo sem o registro da cessação/locação de veículo, publicidade com carro de som ou utilização de gerador de energia, derivado de recursos não provenientes das contas bancárias específicas, impõe-se o dever de desaprovação das contas e do recolhimento do valor ao Tesouro Nacional, nos exatos termos do art. 14, caput, c/c o art. 32, caput e inc. VI, todos da citada Resolução.

Art. 14. O uso de recursos financeiros para o pagamento de gastos eleitorais que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º implicará a desaprovação da prestação de contas do partido político ou do candidato (Lei nº 9.504/1997, art. 22, § 3º).

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

(...)

VI – os recursos financeiros que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º desta Resolução;

Contudo, embora verificada a existência de recursos de origem não identificada e o descumprimento dos dispositivos supracitados, a irregularidade (R$ 141,02) representa apenas 7,44% das receitas declaradas (R$ 1.894,05), ficando, portanto, abaixo do percentual de 10% utilizado como limite para permitir a aprovação das contas com ressalvas, na esteira da jurisprudência desta Corte e do TSE.

Nesse contexto, em que envolvido percentual ínfimo dos recursos recebidos pelo candidato, viabiliza-se o juízo de aprovação com ressalvas, aplicando-se os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Oportunamente, colaciono julgado deste Tribunal e do TSE:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES DE 2016. VEREADOR. LIMITE DE GASTOS COM ALIMENTAÇÃO. DIVERGÊNCIA QUANTO À AUTORIA DAS DOAÇÕES. IRREGULARIDADES INFERIORES A 10% DA ARRECADAÇÃO. PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. Gastos com alimentação que excedem em 3,2% o limite de despesas dessa natureza e divergência entre os dados do extrato bancário e as declarações de doações registradas no balanço contábil que expressam 3,57% dos recursos arrecadados. Falhas que, somadas, representam menos de 10% dos recursos utilizados na campanha, não prejudicando a confiabilidade das contas. Incidência do princípio da proporcionalidade. Provimento parcial. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS – RE: 41060 PORTO ALEGRE – RS, Relator: MIGUEL ANTÔNIO SILVEIRA RAMOS, Data de Julgamento: 25/06/2018, Data de Publicação: DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 112, Data 27/06/2018, Página 6) grifei

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA ELEITORAL DE 2016. DIRETÓRIO NACIONAL DE PARTIDO POLÍTICO. IMPROPRIEDADE. OMISSÃO DE DESPESAS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS PARCIAL. MERA FALHA FORMAL. ENTENDIMENTO APLICADO AO PLEITO DE 2016. ÚNICA IRREGULARIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE DESPESA PAGA COM RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO, NO VALOR DE R$ 1.350,00, QUE CORRESPONDE A, APROXIMADAMENTE, 0,10% DO TOTAL DE RECURSOS ARRECADADOS NA CAMPANHA (R$ 1.310.227,97). DEVOLUÇÃO DO RESPECTIVO VALOR AO ERÁRIO. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. PRECEDENTE. CONTAS APROVADAS COM RESSALVAS. (…) 4. Aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. 4.1. Conforme o entendimento deste Tribunal Superior, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade são aplicados na hipótese em que o valor das falhas é inexpressivo e não há indícios de má-fé nem prejuízo à análise das contas pela Justiça Eleitoral. Precedente. 4.2. Na espécie, a irregularidade ficou limitada à não comprovação de despesa paga com recurso do Fundo Partidário, no valor de R$ 1.350,00, que representa, aproximadamente, 0,10% do total de recursos arrecadados na campanha (R$ 1.310.227,97), o que permite aplicar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas, nos termos da jurisprudência desta Corte Superior. 5. Conclusão: contas aprovadas com ressalvas. 6. Determinação. Devolução ao erário do valor de R$ 1.350,00, referente à irregularidade na aplicação de recursos do Fundo Partidário, no prazo de 5 dias após o trânsito em julgado desta decisão, nos termos do art. 72, § 1º, da Res. TSE nº 23.463/2015.

(TSE – PC: 42477201660000000000 BRASÍLIA – DF, Relator: Min. Og Fernandes, Data de Julgamento: 27.08.2020, Data de Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 199, Data 05.10.2020, Página 0.) (Grifei.)

Por essas razões, a sentença deve ser reformada para aprovar com ressalvas as contas do recorrente, mantendo-se o dever de recolhimento do valor R$ 141,02 ao Tesouro Nacional.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de Valmir Zenis e manter o recolhimento do valor R$ 141,02 ao Tesouro Nacional.