REl - 0600314-02.2020.6.21.0001 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/07/2021 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo e regular, comportando conhecimento.

 

Conhecimento de Novos Documentos Juntados na Fase Recursal

Inicialmente, consigno que, no âmbito dos processos de prestação de contas, expedientes que têm preponderante natureza declaratória e possuem como parte apenas o prestador, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, ainda que o interessado tenha sido intimado para se manifestar, quando sua simples leitura possa sanar irregularidades e não haja necessidade de nova análise técnica.

Potencializa-se o direito de defesa, especialmente quando a juntada da nova documentação mostra capacidade de influenciar positivamente na apreciação da contabilidade, de forma a prestigiar o julgamento pela retidão no gerenciamento dos recursos empregados no custeio da campanha, como denota-se da ementa abaixo colacionada:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR. JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS COM A PEÇA RECURSAL. ACOLHIDA. MÉRITO. AUSENTE OMISSÃO. DIVERGÊNCIA ENTRE OS DÉBITOS CONSTANTES NOS EXTRATOS E OS INFORMADOS NA CONTABILIDADE. PAGAMENTO DESPESAS SEM TRÂNSITO NA CONTA DE CAMPANHA. IMPOSSIBILIDADE DE REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA MEDIANTE A JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS. INVIÁVEL NOS ACLARATÓRIOS. REJEIÇÃO. 1. Preliminar. Admitida a apresentação de novos documentos com o recurso, quando capazes de esclarecer irregularidades apontadas, sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares. 2. Inviável o manejo dos aclaratórios para o reexame da causa. Remédio colocado à disposição da parte para sanar obscuridade, contradição, omissão ou dúvida diante de uma determinada decisão judicial, assim como para corrigir erro material do julgado. Presentes todos os fundamentos necessários no acórdão quanto às falhas envolvendo divergência entre a movimentação financeira escriturada e a verificada nos extratos bancários bem como do pagamento de despesas sem o trânsito dos recursos na conta de campanha. Não caracterizada omissão. Rejeição.

(TRE-RS - RE: 50460 PASSO FUNDO - RS, Relator: DR. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Data de Julgamento: 25.01.2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 13, Data 29.01.2018, Página 4.) (Grifei.)

Logo, conheço da documentação acostada com o recurso.

 

Mérito

A prestação de contas de MARCIO FERREIRA BINS ELY, candidato eleito ao cargo de vereador no Município de Porto Alegre no pleito de 2020, foi desaprovada pelo Juízo da 1ª Zona Eleitoral, com base no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, devido a irregularidades na arrecadação de receitas e realização de gastos eleitorais, no valor total de R$ 21.003,98, acarretando-lhe o dever de transferência da quantia de R$ 2.249,65 ao Tesouro Nacional, em decorrência de falhas relativas à movimentação de receitas recebidas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

Passo ao exame individualizado das irregularidades, adiantando que a decisão de primeiro grau merece ser parcialmente reformada.

 

1) Realização de saques eletrônicos no montante total de R$ 11.494,19

Na conta-corrente n. 06.216703.0-3, aberta junto à agência n. 835 do Banrisul (Conta Outros Recursos), o recorrente realizou sete saques eletrônicos que totalizaram a quantia de R$ 11.494,19 para o pagamento de despesas eleitorais, desrespeitando o disposto nos arts. 38 e 39 da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou IV - cartão de débito da conta bancária.

§ 1º O pagamento de boletos registrados pode ser realizado diretamente por meio da conta bancária, vedado o pagamento em espécie.

§ 2º É vedado o pagamento de gastos eleitorais com moedas virtuais.

 

Art. 39. Para efetuar pagamento de gastos de pequeno vulto, o órgão partidário e o candidato podem constituir reserva em dinheiro (Fundo de Caixa), desde que:

I - observem o saldo máximo de 2% (dois por cento) dos gastos contratados, vedada a recomposição;

II - os recursos destinados à respectiva reserva transitem previamente pela conta bancária específica de campanha;

III - o saque para constituição do Fundo de Caixa seja realizado mediante cartão de débito ou emissão de cheque nominativo em favor do próprio sacado.

Parágrafo único. O candidato a vice ou a suplente não pode constituir Fundo de Caixa.

 

Embora tenham sido registrados como saques eletrônicos, modalidade não admitida para a quitação dos dispêndios eleitorais, a documentação acostada aos autos revela a regularidade das operações financeiras realizadas, como descrevo a seguir:

1.1) Os saques eletrônicos das quantias de R$ 3.000,00 e R$ 2.000,00, realizados nos dias 21.10.2020 e 10.11.2020, correspondem ao pagamento de boletos bancários expedidos em favor do Facebook Serviços Online do Brasil Ltda. e processados pela empresa Adyen do Brasil Ltda. (intermediária entre o cliente e o Facebook), com relação à compra de créditos de impulsionamento de conteúdos na internet, como demonstram o boleto (ID 28253483) e os comprovantes de pagamento (ID 28253483 e 28253983, fl. 01).

Acrescento que, no verso dos cheques ns. 6 e 14, consta a informação de que foram descontados para pagamento dos referidos boletos (ID 28254033, fls. 1 e 2).

A diferença de R$ 616,49, existente entre o valor total dos pagamentos dos boletos (R$ 5.000,00) e o da NFS-e n. 24575437 (R$ 4.383,51), correspondente aos serviços prestados (ID 28245783), foi transferida ao partido político por meio de GRU (ID 28253683), em conformidade com o art. 35, § 2º, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

(...)

§ 2º Os gastos de impulsionamento a que se refere o inciso XII deste artigo são aqueles efetivamente prestados, devendo eventuais créditos contratados e não utilizados até o final da campanha serem transferidos como sobras de campanha:

I - ao Tesouro Nacional, na hipótese de pagamento com recursos do FEFC; e

II - ao partido político, via conta Fundo Partidário ou Outros Recursos, a depender da origem dos recursos.

(Grifei.)

 

1.2) Os saques eletrônicos das quantias de R$ 593,70 e R$ 151,74, registrados em 27.11.2020 e 11.12.2020, referem-se ao pagamento de duas faturas de serviços de telecomunicação (ID 28249233 e 28249033), segundo comprovantes de pagamento emitidos em favor da VIVO Telefonia Brasil S/A (ID 28253983, fl. 2), os quais foram efetivados mediante desconto dos cheques ns. 30 e 35, emitidos nominalmente àquela fornecedora (ID 28254033, fls. 6 e 9).

1.3) O saque eletrônico do valor de R$ 74,99, datado de 20.11.2020, também corresponde ao pagamento de fatura de serviços de telecomunicação (ID 28248333), efetivado por meio do desconto do cheque n. 29, emitido nominalmente em favor da VIVO Telefonia Brasil S/A e em cujo verso foi consignada a sua utilização para esse fim (ID 28254033, fl. 5).

1.4) O saque eletrônico do montante de R$ 1.800,00 foi realizado em 20.10.2020 para o pagamento de boleto bancário, cuja favorecida foi a empresa SCP Comércio de Confecções Ltda., de acordo com o comprovante de pagamento (ID 28253983, fl. 01), a informação lançada no verso do cheque n. 5 (ID 28254033, fl. 4) e a NF-e n. 031.168.572 (ID 28249133).

Nos extratos eletrônicos disponibilizados pelo Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais na página do Tribunal Superior Eleitoral na internet, todos os saques eletrônicos elencados nos itens anteriores aparecem identificados pela expressão “Cheque p/Cx Pgto Ctas”.

Essa descrição complementar constante dos extratos eletrônicos respalda a conclusão de que as operações bancárias identificadas como saques eletrônicos corresponderam, em verdade, ao pagamento de faturas e boletos bancários por meio da compensação de cheques, não se verificando inconformidade com o art. 38, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, que veda a quitação de boletos em espécie, de modo que deve ser reconhecida a regularidade das operações bancárias abrangidas pelos itens 1.1 a 1.4.

1.5) O saque eletrônico da importância de R$ 3.873,76, efetuado no dia 07.12.2020, foi vinculado à contratação de Michel Correa Paim, emissor da NFS-e n. 2020/87 (ID 28247733).

O cheque n. 31 foi emitido apenas nominalmente em favor do fornecedor, sem ter sido cruzado (ID 28254033, fl. 7), desatendendo-se o regramento posto no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Posteriormente, a operação bancária de desconto foi lançada como “Cheque Terceiros por Caixa”, sem identificação dos dados do beneficiário do crédito, impedindo a comprovação confiável e segura de que a receita foi efetivamente destinada ao prestador do serviço declarado no demonstrativo contábil, condição indispensável para que se reconhecesse a lisura do gasto eleitoral, segundo julgado desta Corte:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADORA. DESAPROVAÇÃO. PAGAMENTO DE DESPESAS POR MEIO DISTINTO AO PREVISTO NA NORMA. ALTO PERCENTUAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas, em virtude de pagamento de despesas por meio distinto daqueles previstos no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. Demonstrado que a prestadora não observou os meios de pagamento previstos no art. 38 da Res. TSE 23.607/19 que determina que os cheques sejam nominais e cruzados. É dever do prestador a observância das normas eleitorais, em especial o regramento que se destina a garantir higidez das contas e o controle dos gastos eleitorais.

3. A irregularidade representa 70,76% do total das receitas declaradas, impondo a desaprovação das contas. Manutenção da sentença.

4. Desprovimento.

(TRE-RS, REl n. 0600274-39.2020.6.21.0027, Relator Des. Eleitoral LUÍS ALBERTO D`AZEVEDO AURVALLE, julgado em 07.07.2021).

 

Ademais, na linha da decisão ora recorrida, a transação bancária não pode ser enquadrada como constituição de Fundo de Caixa para pagamento de despesas de pequeno vulto, na medida em que o valor envolvido (R$ 3.873,76) é superior a 2% dos gastos contratados pelo candidato (R$ 106.596,25 – ID 28252483), teto imposto pelo art. 39, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nada obstante a impossibilidade de rastreamento do recurso financeiro empregado no custeio da campanha, com o consequente comprometimento da confiabilidade e transparência das contas, o magistrado de primeiro grau não determinou o recolhimento da quantia ao erário (art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19).

Diante dessa circunstância, este Colegiado fica impedido de exarar juízo condenatório nesse sentido, haja vista não ter sido manejada irresignação ministerial que obstasse a preclusão da matéria e permitisse o agravamento da situação jurídica do candidato em grau de recurso, por incidência da vedação da reformatio in pejus (TRE-RS, RE n. 18892, Relator Des. El. EDUARDO AUGUSTO DIAS BAINY, DEJERS de 03.5.2019, p. 8).

Em desfecho ao exame dos itens 1.1 a 1.5, remanesce falha no valor de R$ 3.873,76, por infringência à disciplina contida nos arts. 38 e 39 da Resolução TSE n. 23.607/19, da qual, entretanto, não decorre ordem de recolhimento ao Tesouro Nacional.

 

2) Divergências entre os dados de fornecedores declarados na prestação de contas e os registros constantes dos extratos bancários referentes à soma de R$ 7.260,14

O tópico abrange duas despesas eleitorais registradas pelo candidato, as quais passo a examinar separadamente.

2.1) A despesa eleitoral de R$ 600,00, atinente a serviços de propaganda e publicidade eleitoral, foi contraída junto ao Jornal Bairros e Condomínios – Eireli, como comprova a nota NFS-e n. 2020/9, emitida em 10.11.2020 (ID 28249933).

O cheque n. 15, utilizado para o pagamento desse gasto eleitoral, foi emitido de forma nominal a Leo de Oliveira Remião (ID 28254033, fl. 3), fundador da referida empresa, como se extrai do seu ato constitutivo juntado no ID 28253583.

A operação bancária de depósito do título, por sua vez, foi identificada na conta-corrente n. 06.216703.0-3, agência n. 835, do Banrisul (Conta Outros Recursos), com o nome e o número de CPF de Leo de Oliveira Remião, conforme consulta ao Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, de maneira que a divergência entre os dados lançados nos extratos bancários e nos demonstrativos contábeis restou justificada pelo prestador, afastando-se o prejuízo à confiabilidade das contas nesse particular.

2.2) O gasto eleitoral de R$ 6.660,14 decorreu da contratação da empresa constituída em nome de Simone da Rosa Carvalho (CNPJ n. 31.738.386/0001-67), como atesta a NFS-e n. 259, emitida em 13.11.2020 (ID 28249883).

O cheque n. 32 foi emitido naquele mesmo valor, de forma nominal e cruzada à mencionada fornecedora que, mediante endosso em preto, transferiu o crédito para Joshoa Gonçalves Leal (CPF n. 035.593.310-13), como se verifica a partir da assinatura de Simone da Rosa Carvalho e demais dados apostos no verso da cártula (ID 28254033, fl. 8).

Em 09.12.2020, o título de crédito foi compensado em benefício de Joshoa Gonçalves Leal (CPF n. 035.593.310-13), mediante transação bancária identificada no extrato eletrônico da conta-corrente n. 06.216703.0-3, agência n. 835, do Banrisul (Conta Outros Recursos).

A respeito, cumpre enfatizar que o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, ao estabelecer as formas de pagamento dos gastos eleitorais, não impõe a emissão de cheque não endossável (“não à ordem”), não sendo, portanto, exigível do candidato, que emitiu o cheque na forma reclamada pela legislação eleitoral (nominal e cruzado), que o próprio prestador do serviço ou o fornecedor do bem faça o desconto do título, o qual pode ser licitamente transmitido a terceiros, como previsto no art. 17 da Lei n. 7.357/85.

Dessa forma, inexiste vedação legal a que os cheques emitidos de forma nominal e cruzada sejam repassados mediante posterior endosso e venham a ser compensados em favor de terceiro alheio à relação jurídica estabelecida entre o candidato e o fornecedor informado na escrituração contábil, sobre a qual recai o interesse desta Especializada, como se depreende ter acontecido no caso sob exame.

Nesse sentido, a orientação adotada por este Regional no julgamento de precedente relativo ao pleito de 2020:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DESAPROVAÇÃO. CHEQUE DESCONTADO POR TERCEIROS. DOCUMENTAÇÃO APTA A DEMONSTRAR A REGULARIDADE NO PAGAMENTO DE DESPESA. CÁRTULA NOMINAL E CRUZADA. ART. 38 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. AUTORIZADO O ENDOSSO POSTERIOR. ART. 17 DA LEI N. 7.357/85. POSSIBILIDADE DE DESCONTO EM BANCO POR TERCEIROS. VÍCIO SANADO. AFASTADA A NECESSIDADE DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. CONTAS INTEGRALMENTE APROVADAS. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou desaprovadas as contas de campanha e determinou o recolhimento da quantia considerada irregular ao Tesouro Nacional.

2. Acervo probatório coligido aos autos pela prestadora apto a demonstrar o fiel cumprimento do disposto no art. 38 da Resolução TSE 23.607/19 quanto às formas de realização de dispêndios durante o pleito. O cheque acostado comprova a emissão na forma cruzada e nominal, não havendo ressalva na legislação eleitoral quanto ao seu endosso, podendo ser transmitido a terceiros, de acordo com o art. 17 da Lei n. 7.357/85.

3. Sanado o vício que maculava as contas. Aprovação sem ressalvas. Afastada a necessidade de recolhimento ao erário do montante tido por irregular quando da sentença de primeiro grau.

4. Provimento.

(TRE-RS, REL n. 0600285-77.2020.6.21.0024, Relator Des. Eleitoral SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, julgado na sessão de 06.7.2021.) (Grifei.)

 

Por essas razões, estou acolhendo a pretensão recursal ao efeito de considerar sanadas as inconsistências relativas às despesas eleitorais nos valores de R$ 600,00 e R$ 6.660,14, excluindo-as como causas à desaprovação da escrituração contábil.

 

3) Recebimento de doação de R$ 1.000,00 de pessoa física por meio de depósito na conta-corrente destinada à movimentação de verbas oriundas do FEFC

Ao sentenciar o feito, o juiz eleitoral da origem considerou irregular o depósito da quantia de R$ 1.000,00, efetivado por Luiz Roberto Voelcker (CPF n. 107.746.530-00), na data de 12.11.2020, na conta-corrente n. 06.216704.0-0, agência n. 835, do Banrisul, destinada ao gerenciamento das receitas provenientes do FEFC.

No entendimento do magistrado de primeira instância, o procedimento contrariou a norma do art. 9º, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19, que veda a transferência de recursos entre contas bancárias cujas fontes possuam naturezas distintas, ordenando fosse o valor recolhido ao Tesouro Nacional, com respaldo no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Todavia, o recorrente instruiu a peça recursal com cópia do cheque n. 4, certificada pela instituição financeira, comprovando que o título de crédito foi emitido nominalmente a Luiz Roberto Voelcker, no montante de R$ 1.000,00, no dia 13.11.2020 (ID 28254083, fl. 1), com o intuito de devolução da receita ao doador.

Luiz Roberto Voelcker declarou ter recebido a restituição e realizado nova doação de igual valor ao candidato (ID 28253533, fl. 1), fato realmente ocorrido no dia 27.11.2020, por meio do depósito de cheque na conta específica da campanha, conforme registro bancário.

Nesse contexto, mostra-se suficiente a prova do estorno da quantia ao doador ao efeito de evitar que recursos privados ingressassem e fossem movimentados na conta-corrente destinada ao gerenciamento das verbas públicas originárias do FEFC, de sorte que considero saneado este apontamento na contabilidade, por não ter se concretizado prejuízo à atividade fiscalizatória da Justiça Eleitoral, tornando desnecessária a transferência do valor de R$ 1.000,00 ao erário.

 

4) Irregularidades nos pagamentos de despesas eleitorais com recursos provenientes do FEFC, envolvendo a quantia de R$ 1.249,65

As inconsistências referem-se à ausência de utilização de transferência eletrônica ou cheque nominal e cruzado, em contrariedade ao art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, para o pagamento de duas despesas eleitorais à Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) e ao Facebook Serviços Online do Brasil LTDA. com recursos recebidos do FEFC e movimentados na conta- corrente n. 06.216704.0-0, agência n. 835, do Banrisul, as quais são a seguir examinadas em itens distintos.

4.1) No pertinente à despesa paga à CEEE, no valor de R$ 249,65, o recorrente juntou a fotografia da fatura correspondente à despesa (ID 28248983) e a cópia do cheque n. 9, certificada pelo Banrisul (ID 28254083, fl. 3), o qual foi preenchido de forma nominal à fornecedora.

Além disso, no verso da cártula, consta informação acerca do seu uso para o pagamento de boleto emitido pela CEEE.

Mas, ainda que a contraparte da transação bancária lançada no dia 20.11.2020 não tenha sido identificada, no seu histórico consta o registro da expressão “CHEQUE P/CX PGTO CTAS”, conferindo certeza quanto à utilização do cheque n. 9 para o adimplemento da conta de energia elétrica apresentada pelo candidato, não se configurando, assim, mácula quanto ao uso da receita recebida do FEFC.

Por consequência, esclarecida a destinação dada à receita eleitoral, o montante envolvido é insuscetível de recolhimento ao Tesouro Nacional, não incidindo a norma do 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

4.2) Com relação à despesa eleitoral de R$ 1.000,00, referente à contratação de serviços de impulsionamento de conteúdos na internet junto ao Facebook Serviços Online do Brasil LTDA., o candidato apresentou, em grau recursal, a cópia certificada do cheque n. 3, em cujo verso consta ter sido utilizado para o pagamento de boleto emitido em favor do citado fornecedor (ID 28254083, fl. 2).

A cártula foi emitida nominalmente em favor do Banrisul, não tendo sido registrados os dados da contraparte da operação bancária verificada no dia 13.11.2020. Nada obstante, a transação foi identificada com a expressão “Cheque p/cx pgto ctas IA”, corroborando a explicação do recorrente de que foi utilizado para a quitação da despesa contraída junto àquele provedor de aplicação de internet.

Nesse cenário, apesar de não ter sido juntado o comprovante de pagamento do boleto, como advertiu a Procuradoria Regional Eleitoral, entendo ter sido preservada a credibilidade dos registros contábeis, não se configurando contrariedade à legislação eleitoral causada pelo uso de meio inadequado de pagamento da despesa eleitoral, capaz de impedir o rastreamento das verbas provenientes do FEFC.

Porém, como reconhecido pelo próprio recorrente, existe uma diferença de R$ 120,46 entre o montante pago antecipadamente ao fornecedor pela contratação de impulsionamento de propaganda eleitoral na internet (R$ 1.000,00) e o valor do serviço efetivamente prestado (R$ 879,54), atestado na NFS-e n. 23608054 (ID 28248483), a qual deveria ter sido transferida como sobra de campanha ao Tesouro Nacional até a data da apresentação da contabilidade à Justiça Eleitoral, por abranger verbas do FEFC, como preceitua o art. 35, § 2º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

No entanto, o recorrente deixou de apresentar o comprovante de pagamento da GRU expedida com esse propósito (ID 28253683), não se localizando, nos extratos bancários, transação que permita concluir pelo cumprimento do dever que lhe incumbia quanto ao recolhimento da sobra de campanha.

Dessa forma, subsiste falha atinente à falta de comprovação, por documento fiscal hábil, do uso de receitas provenientes do FEFC no montante de R$ 120,46, que deve ser transferido ao Tesouro Nacional, em conformidade com o art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

Conclusão da Análise das Contas:

As irregularidades não sanadas pelo prestador englobam a quantia de R$ 3.873,76, analisada no item 1.5 e sobre a qual não incide o dever de recolhimento ao erário, assim como o montante de R$ 120,46, objeto de exame no item 4.2 e que deve ser transferido ao Tesouro Nacional, de acordo com o art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Por conseguinte, as falhas somam, em seu conjunto, a quantia de R$ 3.994,22.

Sob esse prisma, conquanto o valor absoluto das irregularidades seja superior a R$ 1.064,10 (ou mil UFIR), parâmetro que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e a dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19), ele representa tão somente 4,15% dos recursos auferidos pelo prestador (R$ 93.178,00).

Logo, como restou evidenciada a boa-fé e a colaboração do candidato quanto aos esclarecimentos e documentos apresentados com o propósito de sanear as inconformidades verificadas nos registros contábeis, as quais ficam adstritas a menos de 10% da totalidade das receitas eleitorais auferidas para o custeio da campanha, viabiliza-se a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para afastar o severo juízo de desaprovação das contas, aprovando-as com ressalvas, na esteira da orientação consolidada na jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, ilustrada nas ementas abaixo colacionadas:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2015. DESAPROVAÇÃO. JUNTADA EXTEMPORÂNEA DE DOCUMENTOS. PRECLUSÃO. SUSPENSÃO DE COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. RECOLHIMENTO. TESOURO NACIONAL. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. NÃO INCIDÊNCIA. PERCENTUAL EXPRESSIVO DE FALHAS. SÚMULA 24/TSE. NEGATIVA DE PROVIMENTO.1. No decisum monocrático, manteve–se aresto unânime do TRE/SP em que se desaprovaram as contas anuais de 2015 da grei, impondo–se suspensão de cotas do Fundo Partidário por 12 meses e recolhimento de R$ 226.717,15 ao Tesouro Nacional. 2. Não se admite juntar, de modo extemporâneo, em processo de contas, documentos retificadores na hipótese em que a parte foi anteriormente intimada para suprir a falha, haja vista a incidência dos efeitos da preclusão e a necessidade de se conferir segurança às relações jurídicas. Precedentes. 3. Extrai–se do aresto a quo que "a agremiação teve diversas oportunidades para juntar a documentação pertinente aos apontamentos levantados pelo órgão técnico, tanto em cumprimento de diligências, com concessão de prazo suplementar, quanto em sede de defesa". Todavia, só o fez em sede de embargos, o que não se admite. 4. Ainda segundo a Corte de origem, "embora intempestivos, os documentos juntados em sede de embargos [foram] analisados pelo órgão técnico desse E. Tribunal, o qual concluiu que subsistem integralmente as irregularidades constantes nos itens 1 a 12 do v. Acordão de fls. 210/228, com os consequentes valores para recolhimento ao Tesouro Nacional". 5. No mérito, nos termos da jurisprudência desta Corte, a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade condiciona–se em regra ao preenchimento de três requisitos: a) falhas que não comprometam a higidez do balanço; b) percentual inferior a 10% ou valor absoluto irrisório em relação ao total da campanha; c) ausência de má–fé do prestador. 6. Incabível minorar o período de bloqueio de cotas do Fundo Partidário, haja vista a existência de 12 falhas que somam expressivos R$ 810.599,86, equivalentes a 353,13% da movimentação financeira de 2015, dentre elas: a) falta de identificação da origem de diversas receitas constantes dos extratos eletrônicos (R$ 189.690,21); b) divergência de R$ 229.546,79 entre o saldo final do exercício anterior e o saldo inicial das contas de 2015; c) 37 gastos relativamente à conta Fundo de Caixa, todos acima do valor permitido (R$ 64.428,92); d) recomposição da conta Fundo de Caixa em quantia superior ao limite mensal autorizado (R$ 121.400,00); e) manutenção de saldo credor na conta Fundo de Caixa, sendo devedora a sua natureza contábil, implicando uso de recursos indisponíveis de origem não identificada; f) a despeito de declarar gastos de R$ 108.318,67 com taxa de condomínio, energia elétrica, telecomunicações, internet, IPTU e manutenção da sede, não se demonstraram despesas com locação de imóvel; g) falta de comprovação de gastos com salários, passagens aéreas, hospedagens e estadias, combustíveis, óleos e lubrificantes, e outros serviços técnicos e profissionais (R$ 51.071,14). 7. Embora o percentual de 353,13% assentado pelo TRE/SP possa causar certa espécie sob o ponto de vista matemático, duas razões o justificam: a) as graves falhas de cunho material deram–se tanto no ingresso de valores na esfera partidária como em seu dispêndio, o que repercutiu no cálculo; b) parte dessas irregularidades ocorreu também na seara técnica–contábil, isto é, na própria forma adotada pela grei para esclarecer suas receitas e despesas. Houve, assim, no caso específico, sobreposição frente aos inúmeros vícios que se configuraram. 8. O grande número de falhas (doze), a gravidade da maior parte delas (destacando–se a origem não identificada de 82,64% dos recursos recebidos) e a extrema desorganização contábil da legenda não permitem, na hipótese em apreço, reduzir o número de meses imposto de forma unânime pelo TRE/SP. 9. De igual modo, inviável diminuir o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional – o que também se alega com base nos ditos princípios – pois, uma vez constatado o recebimento de recursos de origem não identificada, a transferência aos cofres públicos é medida impositiva, sob pena de se convalidar, por via oblíqua, a inescusável ilicitude. Precedentes.10. Concluir em sentido diverso demandaria reexame de fatos e provas, providência inviável em sede extraordinária, nos termos da Súmula 24/TSE.11. Agravo interno a que se nega provimento. 

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n. 12140, Acórdão, Relator Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, Publicação:  DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 73, Data 26.04.2021.) (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEPUTADO FEDERAL. APELO PARCIALMENTE PROVIDO APENAS PARA RECONHECER A UTILIZAÇÃO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA E, POR CONSECTÁRIO, DETERMINAR O RECOLHIMENTO DO VALOR CORRESPONDENTE AO TESOURO NACIONAL. JULGAMENTO MONOCRÁTICO DO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. POSSIBILIDADE. ART. 36, § 7º, DO RITSE. PRECEDENTES. APROVAÇÃO COM RESSALVAS NA ORIGEM. VALOR PERCENTUAL DIMINUTO DAS IRREGULARIDADES. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. PRECEDENTES. MANUTENÇÃO DO DECISUM. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.1. A jurisprudência iterativa deste Tribunal Superior assenta ser facultado ao relator sopesar, monocraticamente, os recursos que lhe são distribuídos, nos termos do art. 36, §§ 6º e 7º, do RITSE. Desse modo, não há óbice formal ao provimento de recurso por meio de decisão monocrática respaldada em compreensão jurisprudencial dominante desta Corte, como no caso dos autos. 2. Admite–se a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para superação de irregularidades que representem valor absoluto diminuto ou percentual inexpressivo. Precedentes. 3. Ainda que superado o limite de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos), valor máximo absoluto entendido por diminuto, é possível a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aquilatar se o valor total das irregularidades não supera 10% do total da arrecadação ou da despesa, permitindo–se, então, a aprovação das contas com ressalvas. 4. Na espécie, extrai–se do quadro fático delineado no acórdão regional que a falha apurada soma R$ 1.321,56 (mil, trezentos e vinte e um reais e cinquenta e seis centavos), correspondentes a 5,21% das despesas contratadas na campanha, valor que se afigura diminuto em termos percentuais, autorizando a aprovação das contas com ressalvas, à luz da compreensão jurisprudencial desta Corte Superior. Inexistentes, ainda, circunstâncias qualitativas capazes de inviabilizar a incidência dos aludidos princípios no caso concreto.5. Agravo interno a que se nega provimento.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n. 060166587, Acórdão, Relator Min. EDSON FACHIN, Publicação:  DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 241, Data 20.11.2020, Página 0.) (Grifei.)

 

Portanto, as contas merecem ser aprovadas com ressalvas, resultado que não afasta a imposição legal de transferência da importância de R$ 120,46 ao Tesouro Nacional, enquanto corolário da ausência de comprovação de despesas adimplidas com receitas originárias do FEFC, consoante expressamente disposto no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e provimento parcial do recurso interposto por MARCIO FERREIRA BINS ELY para aprovar com ressalvas as suas contas relativas ao pleito de 2020, reduzindo o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional para R$ 120,46 (cento e vinte reais e quarenta e seis centavos), com fundamento no art. 74, inc. II, c/c o art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

É como voto, Senhor Presidente.