REl - 0600200-55.2020.6.21.0036 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/07/2021 às 14:00

VOTO

A prestação de contas foi desaprovada em virtude do recebimento de depósito em dinheiro na conta de campanha, no valor de R$ 6.000,00, sem realização de transferência bancária, e devido à emissão e compensação de cheque de R$ 6.000,00 sem identificação do beneficiário do recurso no extrato bancário.

A sentença consigna que o extrato da conta pessoa física do candidato a prefeito demonstra que o depósito de R$ 6.000,00 é procedente de receita própria, mas que o cheque em igual quantia que foi posteriormente debitado da conta de campanha caracteriza o recurso como sendo de origem não identificada por não ter sido comprovada a identidade da pessoa que recebeu o valor:

[...]

Pois bem, compulsando os autos verifico que permanece a inconsistência apontada no item 2 do exame de ID 73340744 (recebimento de recurso de origem não identificada), ainda que tenha sido juntado intempestivamente cópia do cheque 850003 (ID 76470746) .

A partir do extrato eletrônico disponibilizado pelo TSE (conta 202088, Outros Recursos, Agência. 169, Banco do Brasil), verificou-se que o candidato Jéferson da Silva Pires realizou depósito em dinheiro de R$ 6.000,00 em 08-10-2020 em favor de sua campanha. O montante foi utilizado para pagamentos de despesas ocorridas dia 13-10-2020 (conforme extrato eletrônico disponível em https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/88099/210000816978/extratos, acesso em 03-02-2021, recibo ID 53986978).

Em 21-10-2020, na referida conta, houve débito (cheque 850003) no valor de R$ 6.000,00 (ID 53986776). De fato, foi apresentada cópia do cheque 850003, a partir da qual percebe-se apenas que o cheque foi nominal a Jeferson da Silva Pires e endossado (assinatura e CPF no verso) (ID 76645953), não sendo possível concluir que houve o estorno ao próprio candidato-doador, persistindo a irregularidade descrita no ID 73340744). Pela análise do extrato bancário não é possível identificar o CPF da contraparte da operação verificada em 21-10-2020 (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/88099/210000816978/extratos).

Ainda que o valor irregularmente doado pelo próprio candidato para sua campanha tenha sido sacado por ele próprio, isto é, estornado de alguma forma ao doador (o que, como dito acima, não é possível afirmar), persiste a irregularidade, pois os candidatos se utilizaram do valor recebido em 08-10-2020 para pagamento das despesas de 13-10-2020, beneficiando-se ainda que temporariamente dos recursos recebidos, conforme veda o § 7º do art. 32 da Resolução TSE nº 23.607/2019.

A doação por meio de depósito em dinheiro de R$ 6 mil em 8-10-2020 não observa a regra do art. 21, § 1º da Resolução TSE nº 23 607/2019, caracterizando recurso de origem não identificada, tendo os candidatos se beneficiado ainda que temporariamente dos recursos, conforme art. 32, § 1º, IV, e § 7º, da mesma resolução:

Art. 21. § 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

(...)

IV – as doações recebidas em desacordo com o art. 21, §1º, desta Resolução quando impossibilitada a devolução ao doador;

(...)

§ 7º A devolução ou a determinação de devolução de recursos recebidos de origem não identificada não impede, se for o caso, a desaprovação das contas, quando constatado que o candidato se beneficiou, ainda que temporariamente, dos recursos ilícitos recebidos, assim como a apuração do fato na forma do art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 e do art. 14, § 10, da Constituição da República.

A doação irregularmente recebida em 08-10-2020 representa aproximadamente 9% da receita financeira dos prestadores de contas, indicando inconsistência grave geradora de desaprovação das contas com recolhimento de R$ 6.000,00 ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32, § 2º, da Resolução TSE 23.607/2019.

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU). [...]

§ 2º O comprovante de devolução ou de recolhimento, conforme o caso, poderá ser apresentado em qualquer fase da prestação de contas ou até 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado da decisão que julgar as contas de campanha, sob pena de encaminhamento das informações à representação estadual ou municipal da Advocacia-Geral da União, para fins de cobrança.

Assim, como os candidatos não comprovaram que não se beneficiaram do valor irregularmente doado, a desaprovação das contas, com recolhimento ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32, § 2º, e 74, III, da Resolução TSE nº 23607/2019, é medida que se impõe.

[...]

 

Em suas razões, os recorrentes sustentam que o candidato a prefeito solicitou ao atendente bancário que realizasse a transferência de sua conta pessoal para a conta de campanha no valor de R$ 6.000,00, mas que, por erro, o funcionário realizou as operações de saque e de depósito em espécie.

A questão foi facilmente esclarecida nos autos, como bem observa o juízo a quo, pois no extrato da conta pessoal do candidato a prefeito que foi juntado aos autos (ID 24142333) consta o saque de R$ 6.000,00 em 8.10.2020, mesma data em que realizado o depósito de R$ 6.000,00 na conta de campanha, podendo ser verificada no sítio do DivulgaCand do TSE.

Assim, mesmo que a doação não tenha sido realizada na forma preceituada pela norma de regência, ou seja, transferência bancária, o candidato teve êxito em demonstrar a origem do depósito, mediante o extrato bancário apresentado, como também concluiu a Procuradoria Regional Eleitoral.

Nesse ponto, importa ressaltar que, uma vez evidenciada a origem da receita como sendo do próprio candidato a prefeito, resta manifestamente ultrapassado o limite de autofinanciamento de campanha.

De fato, ao somar a quantia de R$ 6.000,00 com os recursos próprios utilizados na candidatura, na importância de R$ 10.000,00, tem-se que, na campanha, os recorrentes promoveram o autofinanciamento de R$ 16.000,00, enquanto o limite para os candidatos ao cargo de prefeito de Quaraí era de R$ 12.307,74, resultando em excesso no montante de R$ 3.692,26.

Embora não tenha constado da sentença, merece aqui apenas o registro de que a infração é sancionada com multa de até 100% sobre a quantia excedida, nos termos do art. 27, §§ 1º e 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Todavia, há outra irregularidade verificada nas contas, relativa à emissão de cheque no valor de R$ 6.000,00, nominal ao candidato a prefeito, que foi compensado no dia 21.10.2020, sem identificação do beneficiário do recurso nos extratos da conta de campanha.

A ausência de indicação do CPF do depositante no extrato da conta bancária da candidatura demonstra a inobservância da exigência de que os pagamentos com os recursos de campanha sejam realizados por cheque cruzado (art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19).

Os recorrentes afirmam que o cheque de R$ 6.000,00 foi debitado da conta de campanha pelo próprio candidato a prefeito em 21.10.2020, porque o candidato fez o depósito em espécie deste valor em 8.10.2020 e tinha a intenção de devolver a quantia a si mesmo, enquanto doador originário.

Para comprovar a alegação, foi juntada aos autos a respectiva cópia do cheque em questão, na qual se verifica ter sido emitido de forma nominal ao candidato a prefeito Jeferson da Silva Pires, sem ser cruzado, e posteriormente endossado, conforme demonstram a assinatura e o CPF contidos no verso (ID 24142683).

Diante dessas circunstâncias, concluiu o juízo a quo pela impossibilidade de comprovação de que houve o estorno ao próprio candidato-doador, persistindo a irregularidade, pois inviável identificar o CPF da contraparte da suposta operação de devolução da quantia, realizada em 21.10.2020.

Além disso, a magistrada sentenciante apontou a dificuldade de entender como válida a devolução em questão porque o valor do depósito em dinheiro, ocorrido em 8.10.2020, fora utilizado para pagamento de despesas em 13.10.2020.

De fato, permanece a falha quanto ao segundo fundamento considerado pela sentença para a desaprovação das contas, pois não há prova nos autos de que o próprio candidato a prefeito recebera o valor do cheque emitido de forma nominal ao seu nome, uma vez que a cártula não estava cruzada, foi endossada e, no extrato da conta de campanha, não constou o CPF do sacador do cheque.

Não se desconhece que o § 5º do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19 possibilita ao candidato ou partido político, ao receber uma doação de origem não identificada ou irregular, retificar a operação devolvendo o valor ao depositante, enquanto doador originário:

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

(…)

§ 5º O candidato ou o partido político pode retificar a doação, registrando-a no SPCE, ou devolvê-la ao doador quando a não identificação decorra do erro de identificação de que trata o inciso III do § 1º deste artigo e haja elementos suficientes para identificar a origem da doação.

 

Porém, os extratos da conta bancária da pessoa física do candidato a prefeito juntados aos autos para demonstrar a origem da doação não contemplam a data de 21.10.2020, em que houve o desconto do cheque da conta de campanha, uma vez que apresentam movimentação até a data 16.10.2020.

Considerando que o cheque não foi cruzado e que, embora nominal ao candidato a prefeito, foi endossado por seu emissor, é impossível para a Justiça Eleitoral atestar a confiabilidade e a transparência da suposta doação, merecendo relevo o fato de que o cheque pode ter sido empregado para pagamento de terceiros.

Desse modo, com razão a julgadora monocrática ao concluir que persiste a irregularidade quanto à emissão de cheque na quantia de R$ 6.000,00 sem comprovação de seu real beneficiário, pois não há evidências suficientes, nos autos, da tese de que o valor foi recebido pelo candidato a prefeito, doador originário do recurso.

Assim, deve ser mantida a determinação de recolhimento  ao Tesouro Nacional.

No entanto, a falha representa aproximadamente 9% da receita financeira de campanha, na importância de R$ 66.551,45, permitindo o provimento parcial do recurso para que as contas sejam aprovadas com ressalvas, em atenção aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade.

Diante do exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso para aprovar as contas com  ressalvas, mantendo a determinação de recolhimento da quantia de R$ 6.000,00 (seis mil reais) ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.