REl - 0600225-96.2020.6.21.0156 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/07/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Da Preliminar de Nulidade da Intimação

O recorrente, em preliminar, suscita nulidade da intimação para se manifestar a respeito do parecer técnico, asseverando que “não foi recebido qualquer tipo de notificação, inclusive, via e-mail, não tendo ocorrido, portanto, a alegada intimação para esclarecimentos sobre as irregularidades mencionadas no parecer de exame de prestação de contas”. Refere-se à intimação de ID 70579754, na origem, que corresponde, no sistema em funcionamento nesta instância, ao ID 27829983.

Entretanto, do exame da tramitação dos autos eletrônicos nos sistemas PJe de primeiro e segundo graus, observa-se que a parte recorrente foi devidamente intimada do despacho que concedeu 3 (três) dias para manifestação sobre o parecer técnico preliminar de exame das contas, deixando transcorrer o prazo in albis.

A comunicação ocorreu dentro do sistema PJe, pelo ato de intimação n. 70579754, com expedição eletrônica em 08.01.2021, às 16:02:47, e prazo até 13.01.2021, às 23:59:00.

Ressalto que a forma de intimação obedeceu à regra expressa prevista no art. 26, § 4º, da Resolução TRE-RS n. 347/20, com as alterações trazidas pela Resolução TRE-RS n. 351, de 04.02.2021, segundo a qual as intimações nos processos de prestação de contas relativas às eleições de 2020 serão realizadas por meio de ato de comunicação, via sistema, no Processo Judicial Eletrônico (PJe), dispensando a publicação no Diário da Justiça Eletrônico (DJe) e desobrigando, até 12.02.2021, a observância do decêndio estabelecido no art. 5º, § 3º, da Lei n. 11.419/06, litteris:

Art. 26. (…).

[…].

§ 4º Encerrado o período eleitoral com a diplomação dos eleitos, as intimações nos processos de prestação de contas relativas às eleições de 2020 serão realizadas por meio de ato de comunicação via sistema no Processo Judicial Eletrônico (PJe), dispensando-se a publicação no Diário da Justiça Eletrônico (DJe) e dispensando-se, até 12/02/2021, a observância do prazo de ciência de 10 (dez) dias previsto no art. 5º, § 3º, da Lei n. 11.419/2006 (Resolução TSE n. 23.632/2020, art. 6º; Resolução TRE-RS n. 338/2019, art. 51).

 

Nessa medida, observados os ditames normativos para a realização do ato, bem certificou o servidor do Cartório Eleitoral da 156ª Zona Eleitoral que, “em 13 de janeiro de 2021, decorreu o prazo do artigo 64, § 3º, da Resolução TSE n. 23.607/2019, SEM MANIFESTAÇÃO da parte” (ID 27830033).

Ademais, o art. 69, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19 é expresso ao dispor que, sendo intimado do parecer preliminar, não há nova notificação do parecer conclusivo, quando as falhas constatadas nas contas permanecem as mesmas:

Art. 69. Havendo indício de irregularidade na prestação de contas, a Justiça Eleitoral pode requisitar diretamente ou por delegação informações adicionais, bem como determinar diligências específicas para a complementação dos dados ou para o saneamento das falhas, com a perfeita identificação dos documentos ou elementos que devem ser apresentados (Lei nº 9.504/1997, art. 30, § 4º).

[…].

§ 4º Verificada a existência de falha, impropriedade ou irregularidade em relação à qual não se tenha dado ao prestador de contas prévia oportunidade de manifestação ou complementação, a unidade ou o responsável pela análise técnica deve notificá-los, no prazo e na forma do art. 98 desta Resolução.

 

Dessa forma, uma vez que o relatório técnico conclusivo não inovou em relação ao relatório preliminar, não há que se falar em necessidade de nova intimação, em face da preclusão para o saneamento dos vícios apontados.

Por derradeiro, consigno que, nos processos de prestação de contas atinentes às eleições de 2020, os prazos processuais não se suspenderam no período de 7 a 20 de janeiro de 2021, consoante estatuído na Resolução TSE n. 23.632/20, art. 7º, caput, a seguir transcrito:

Art. 7º A fim de assegurar o cumprimento do prazo constitucional para julgamento das contas dos candidatos eleitos até 12 de fevereiro de 2021, os prazos voltarão a fluir, nos processos de prestação de contas relativas às Eleições 2020, a partir de 7 de janeiro de 2021 (art. 215, inciso I, do CPC).

Portanto, hígido o ato de intimação, rejeito a preliminar arguida.

 

Do Mérito

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de GILNEI BORBA DA CUNHA, candidato ao cargo de vereador nas eleições de 2020, no Município de Capivari do Sul, condenando-o ao recolhimento de R$ 1.119,23, em razão da utilização de receita própria, em campanha, acima do limite legal.

A matéria em questão encontra-se disciplinada pela Resolução TSE n. 23.607/19, em seu art. 27, verbis:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

§ 2º É vedada a aplicação indireta de recursos próprios mediante a utilização de doação a interposta pessoa, com a finalidade de burlar o limite de utilização de recursos próprios previstos no artigo 23, § 2º-A, da Lei 9.504/2017.

§ 3º O limite previsto no caput não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador ou à prestação de serviços próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 7º).

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º).

 

Assinalo que referidos dispositivos estão em perfeita consonância com os arts. 18-A, parágrafo único, 18-C, caput e parágrafo único, e 23, § 2º-A, da Lei n. 9.504/97, introduzidos pelas recentes Leis ns. 13.877, de 27.9.2019, e 13.878, de 03.10.2019.

No caso vertente, o limite de gastos para o cargo de vereador no Município de Capivari do Sul, nas eleições de 2020, consoante disponibilizado pelo Tribunal Superior Eleitoral no sistema Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, foi de R$ 12.307,75.

Por sua vez, o candidato utilizou em sua campanha para a Câmara Municipal recursos financeiros próprios no montante de R$ 2.350,00, excedendo, portanto, o teto de 10% estabelecido no mencionado art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, correspondente a R$ 1.230,78.

O art. 4º, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe sobre o montante máximo de despesas para os cargos em disputa nas eleições de 2020, e o seu § 5º prevê que os dispêndios de contabilidade não se sujeitam a limites de gastos ou a restrições que possam impor dificuldade ao exercício da ampla defesa, conforme transcrevo:

Art. 4º O limite de gastos nas campanhas dos candidatos às eleições para prefeito e vereador, na respectiva circunscrição, será equivalente ao limite para os respectivos cargos nas eleições de 2016, atualizado pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), aferido pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou por índice que o substituir (Lei nº 9.504/1997, art. 18-C).

(...)

§ 5º Os gastos advocatícios e de contabilidade referentes a consultoria, assessoria e honorários, relacionados à prestação de serviços em campanhas eleitorais e em favor destas, bem como em processo judicial decorrente de defesa de interesses de candidato ou partido político, não estão sujeitos a limites de gastos ou a limites que possam impor dificuldade ao exercício da ampla defesa (Lei nº 9.504/1997, art. 18-A, parágrafo único).

 

Desse modo, a campanha do candidato fica jungida ao limite de despesas imposto pela lei para o cargo ao qual concorre, mas pode esse teto ser extrapolado, desde que tal excesso seja utilizado exclusivamente para pagamento de serviços advocatícios ou contábeis relacionados à prestação de serviços em sua campanha eleitoral e em favor desta, ou a processo judicial pertinente.

Nessa hipótese, note-se que o limite para dispêndio com atos relacionados a propaganda eleitoral, por exemplo, que guarda grave potencial para provocar desequilíbrio no pleito, será idêntico para todos os concorrentes a um mesmo cargo, a fim de se evitar preponderância excessiva do poder econômico, ficando livre dos parâmetros legais, tão somente, o desembolso com profissionais da área jurídica e contábil.

De outra banda, o art. 27, § 1º, do diploma normativo em testilha trata do autofinanciamento de campanha, estabelecendo que o candidato somente poderá empregar em sua campanha o máximo de 10% do limite previsto para gastos atinentes ao cargo em que concorrer, não havendo exceção a tal preceito.

Vê-se, pois, que o limite para custeio da campanha com recursos próprios do candidato é objetivo, aferido a partir de simples equação matemática em relação ao teto legal de gastos relacionados ao cargo em disputa, de modo que as alegações expendidas pelo recorrente não encontram respaldo na legislação afeta ao tema.

Portanto, a existência de despesas com serviços advocatícios ou contábeis, que realmente não se sujeitam ao valor máximo para gastos de campanha, deve ser considerada na aferição do limite de autofinanciamento.

Indene de dúvida, assim, a configuração da irregularidade, no exato montante glosado pelo juízo sentenciante.

Outrossim, a alegada necessidade de reimpressão do material de propaganda, em razão do indeferimento da candidatura majoritária então apoiada pelo prestador de contas, o que teria incrementado os seus gastos além do planejamento inicial, consiste em risco normal às atividades eleitorais, não ensejando, por isso, a relativização do limite legal de uso de recursos próprios em campanha, cujo escopo maior é a garantia de isonomia entre os concorrentes.

Tendo em vista que a falha está consolidada em R$ 1.119,23, que representa 43,89% da receita arrecadada (R$ 2.550,00), mostra-se inviável a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de atenuar sua gravidade perante o conjunto das contas, na linha da jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral e desta Corte:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. CONTAS DE CAMPANHA DESAPROVADAS. EXTRAPOLAÇÃO DO LIMITE DE GASTOS. BENS ESTIMÁVEIS. FALHA GRAVE. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. REJEIÇÃO.

1. O suposto vício apontado denota propósito do embargante de rediscutir matéria já decidida, providência inviável na via aclaratória. Precedentes.

2. Na espécie, no aresto embargado, assentou-se de modo expresso que extrapolar em quase 18% o limite de gasto de campanha, sem justificativas plausíveis para o excesso, constitui irregularidade de natureza grave apta a ensejar rejeição de contas.

(...)

5. Embargos de declaração rejeitados.

(Recurso Especial Eleitoral n. 16966, Acórdão, Relator Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 185, Data: 14.9.2018, Página 73/74.)

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018.

(...)

3. Falha que representa 18,52% dos valores auferidos em campanha pelo prestador. Inviabilidade da aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como forma de atenuar a gravidade da mácula sobre o conjunto das contas.

4. Desaprovação.

(Prestação de Contas n. 060235173, ACÓRDÃO de 03.12.2019, Relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão.)

 

No tocante à penalidade pecuniária prevista no art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97, uma vez que o candidato ultrapassou o teto permitido para utilização de recursos próprios em R$ 1.119,23, correspondentes a 90,93% daquilo que poderia despender em autofinanciamento de campanha (R$ 1.230,78), não merece reparo a decisão que lhe aplicou multa de 100% sobre o valor em excesso, pois adequada, razoável e proporcional à irregularidade verificada.

Todavia, tal multa, imposta em função de descumprimento da legislação eleitoral, deveria ser recolhida ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), nos exatos termos do art. 38, inc. I, da Lei 9.096/95, e não ao Tesouro Nacional, como especificado no comando sentencial.

Nesse passo, deve ser retificado o erro material constante da sentença.

Tendo em vista, entrementes, que o prestador de contas já providenciou o recolhimento da parcela que considerava incontroversa, no valor de R$ 419,23, ao Tesouro Nacional, na forma determinada na sentença (ID 27830483), entendo que, uma vez confirmada a validade e eficácia do recolhimento por ocasião do cumprimento da decisão, somente o valor ainda devido, equivalente a R$ 700,00, é que deverá ser direcionado ao Fundo Partidário.

 

Ante o exposto, VOTO pela rejeição da preliminar e pelo desprovimento do recurso, para manter a desaprovação das contas de campanha de GILNEI BORBA DA CUNHA e a condenação ao pagamento de multa no valor de R$ 1.119,23, retificando o erro material da sentença para que o valor seja destinado ao Fundo Partidário, consignando que eventual cumprimento antecipado da obrigação deve ser considerado na fase de cumprimento de sentença, nos termos da fundamentação.