REl - 0600359-74.2020.6.21.0043 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/07/2021 às 14:00

VOTO

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razões pelas quais dele conheço.

Mérito

Trata-se da prestação de contas de candidato a vereador, relativa às eleições do ano de 2020.

A contabilidade do recorrente foi aprovada com ressalvas com base em parecer técnico conclusivo (ID 24336083), no qual foram indicadas, dentre outros apontamentos que não comprometem a regularidade das contas, falhas provenientes de omissões relativas a despesas na prestação de contas, identificadas mediante confronto com duas notas fiscais eletrônicas de gastos eleitorais, emitidas conforme informações que seguem:

DATA 17/10/2020

CPF/CNPJ 07.078.401/0001-03

FORNECEDOR

Nº DA NOTA FISCAL OU RECIBO 45209

VALOR (R$) 131,99

FONTE DA INFORMAÇÃO NFE


DATA 03/12/2020

CPF/CNPJ 13.347.016/0001-17

FORNECEDOR FACEBOOK SERVICOS ONLINE DO BRASIL LTDA.

Nº DA NOTA FISCAL OU RECIBO 24567018

VALOR (R$) 497,00

FONTE DA INFORMAÇÃO NFE

No curso da instrução, o prestador manifestou-se sobre os apontamentos e juntou documentos (ID 24336133).

Relativamente ao documento fiscal n. 45209, no valor de R$ 131,99, o recorrente informou não ter realizado a despesa. Alegou que se trata de compra feita por Janice Duarte do Amaral no Supermercado Milano, paga com cheque de campanha do prestador.

Conforme indicado na prestação de contas, o referido cheque, no valor de R$ 150,00, foi emitido para pagamento pelos serviços de panfletagem prestados pela Sra. Janice. Ocorre que, ao registrar a compra efetuada, o mercado teria indevidamente emitido a nota fiscal com as informações do cheque utilizado para o pagamento, em vez de lançar o cupom para Janice, responsável por realizar a compra.

Já no que se refere à nota fiscal n. 24567018, o recorrente justifica que efetivamente contratou serviço de impulsionamento da empresa Facebook, embora em menor valor, no montante de R$ 400,00, e com boleto emitido em nome de DLOCAL BRASIL PGTOS LTDA. (ID 24329883). Alega, ainda, não saber no que consiste a diferença de R$ 97,00 apurada com a análise da nota.

Agora, na via recursal, o recorrente reafirmou as situações fáticas (ID 24336733) e, embora reconheça a existência das falhas, pleiteia a aprovação das contas, sem ressalvas.

As circunstâncias dos autos não permitem, contudo, que a alegação possa surtir o efeito desejado pelo prestador.

Passo a explicar.

A emissão de nota fiscal sem o registro da despesa correspondente na prestação de contas revela indícios de omissão de gastos eleitorais, em violação aos arts. 14 e 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 14. O uso de recursos financeiros para o pagamento de gastos eleitorais que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º implicará a desaprovação da prestação de contas do partido político ou do candidato (Lei nº 9.504/1997, art. 22, § 3º).

(…)

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

(…)

g) receitas e despesas, especificadas;

O não reconhecimento de despesa haveria de ser comprovado, v.g., com a demonstração do cancelamento da nota fiscal emitida, nos termos previstos no art. 92, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

§ 6º Na situação de eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, o prestador deverá apresentar a comprovação de cancelamento, junto com esclarecimentos firmados pelo fornecedor. (Grifei.)

 

Na mesma linha, a jurisprudência desta Corte:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. SUPLENTE. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES GERAIS DE 2018. OMISSÃO DE DESPESA. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. BAIXO PERCENTUAL. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. 1. Omissão de despesas caracterizada pela existência de documentos fiscais sem o correspondente registro na prestação de contas. Falha grave que impossibilita a identificação da origem dos recursos utilizados para pagamento das despesas contratadas. Na espécie, apesar das alegações da prestadora acerca da emissão unilateral da nota fiscal e da argumentação sobre a responsabilização por ato de terceiro, não foi demonstrado o cancelamento do documento, de forma que se impõe o reconhecimento da omissão na prestação de contas. 2. As despesas omitidas na prestação de contas caracterizam recursos de origem não identificada, visto que foram ou serão pagas com recursos que deixarão de transitar pelas contas de campanha e de submeter-se ao controle da Justiça Eleitoral, o que atrai a imposição de recolhimento do valor equivalente ao Tesouro Nacional. Falha equivalente a 4,67% do total da receita declarada, possibilitando a aplicação dos precedentes desta Corte e do TSE que autorizam a aprovação com ressalvas das contas. (PC n. 0602542-21.2018.6.21.0000, j. em 05.11.2019, Relator: Gustavo Alberto Gastal Diefenthaler)

 

In casu, as notas fiscais debatidas não foram canceladas, e as alegações e os documentos trazidos aos autos não socorrem o recorrente.

No que se refere ao documento emitido pelo Facebook, com valor supostamente irregular, não há nos autos qualquer justificativa para a divergência apontada, ou mesmo esclarecimentos firmados pelo fornecedor.

Ainda, em relação à nota emitida pelo mercado, embora plausível a tese defendida pelo recorrente, e mesmo que devidamente justificado o equívoco, persiste a falha apontada no parecer técnico.

Por conseguinte, embora reconhecidas as impropriedades, é possível fazer uso dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, uma vez que o valor irregular somado corresponde a menos de 2% da totalidade dos valores arrecadados no curso da campanha (R$ 11.718,30). Assim, apesar da falha, o valor diminuto não chega a prejudicar a confiabilidade das contas, o que enseja o juízo de aprovação com ressalvas, conforme pacífica jurisprudência:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. ELEIÇÕES 2018. GASTOS COM VERBA DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. AUSÊNCIA DE IDENTIFICAÇÃO DOS FORNECEDORES. FALTA DE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS FISCAIS. PAGAMENTO IRREGULAR DE DESPESAS RELATIVAS AO IMPULSIONAMENTO DIGITAL EM REDE SOCIAL COM RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. QUANTIA IRRISÓRIA. APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Pagamento de despesas por meio de cheques, sem a identificação dos beneficiários nos extratos bancários e falta de apresentação dos respectivos documentos fiscais. Aplicação irregular das verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC. Contrariedade ao regramento previsto no art. 56, inc. II, al. “c”, e art. 63, ambos da Resolução TSE n. 23.553/17.

2. A pessoa física do candidato contratou impulsionamento digital junto ao Facebook e utilizou recursos do Fundo Partidário para o pagamento, caracterizando contratação indireta de serviços. Desrespeito da regra disposta no art. 37, inc. XII, da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Tratando-se de gastos eleitorais realizados com verba de natureza pública, imprescindível a observância da normatização regente. Recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores irregularmente utilizados.

4. Falhas que alcançam apenas 1,91% dos valores arrecadados e despendidos na campanha eleitoral, possibilitando, na esteira do entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, para aprovar as contas com ressalvas.

(Prestação de Contas n. 0602938-95, ACÓRDÃO de 14.05.2019, Relator MARILENE BONZANINI, Publicação: DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Data: 17.5.2019.) (Grifei.)

 

Por fim, necessário registrar que a omissão de registro financeiro no Sistema de Prestação de Contas Eleitoral há de ser considerada, tecnicamente, como recebimento de recurso de origem não identificada e, portanto, sujeito a recolhimento ao Tesouro Nacional, uma vez que não é possível confirmar a procedência dos valores empregados nos pagamentos dos citados documentos fiscais, inviabilizando a fiscalização da Justiça Eleitoral.

No entanto, em razão da interposição de recurso unicamente pelo candidato, a determinação de recolhimento de valores, de ofício, configuraria reformatio in pejus, visto que colocaria o recorrente em situação jurídica mais desfavorável em relação àquela existente antes da interposição do recurso, motivo pelo qual deve ser repelida.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso, para manter integralmente a sentença que aprovou com ressalvas as contas de Cristian Vieira Duarte, relativas ao pleito de 2020.