REl - 0600599-11.2020.6.21.0028 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/07/2021 às 14:00

VOTO

Conforme se observa do exame dos autos, a prestação de contas foi desaprovada com fundamento na ocorrência de doação de R$ 300,00, supostamente incompatível com a capacidade financeira do doador, o que configura o recebimento de recursos de origem não identificada.

Em relação à tese recursal de que a sentença não se ampara na legislação, consigno que, apesar de não ser vedada a doação por pessoa física que seja beneficiária de programas sociais, na hipótese de não haver provas de que o doador – cuja hipossuficiência econômica foi analisada para fins de deferimento de sua inscrição no Auxílio Emergencial – detinha capacidade financeira para efetuar a contribuição, a existência de indícios concretos e veementes de que a candidata tinha ciência dessa circunstância pode, sim, caracterizar a doação como recebimento de recursos de origem não identificada.

A existência de elementos seguros que demonstrem o conhecimento do fato configura indícios de eventual utilização de "laranja", para ocultar a verdadeira origem do dinheiro, ou de fraude no recebimento da quantia repassada pelo programa social.

Assim, na impossibilidade de se determinar a origem das doações financeiras, os valores auferidos enquadram-se como sendo recurso de origem não identificada, os quais, se utilizados durante a campanha, devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, como preconiza o art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Questão idêntica foi recentemente enfrentada por este Tribunal na sessão de 19.5.2021, no julgamento do Recurso 0600456-22, da relatoria do Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, ocasião em que pedi vista dos autos para externar minha opinião pessoal no sentido de que a determinação de recolhimento da quantia recebida por beneficiário do Auxílio Emergencial não pode se dar a partir da responsabilização objetiva dos candidatos e presunção de que conhecem a capacidade financeira de todos os seus doadores de campanha, incluindo o fato de estarem ou não integrados em programas sociais.

Efetivamente, é no mínimo contraditório que um cidadão beneficiário de um Auxílio Emergencial no valor de R$ 600,00, destinado à alimentação e à mínima subsistência, tenha condições de realizar doação para campanha eleitoral no valor de R$ 300,00.

Por conta disso, no leading case sobre a matéria, ocorrido no julgamento do processo RE 0600115-40.2020.6.21.0078, da relatoria do Exmo. Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, na sessão de 22.4.2021, foram levantadas circunstâncias específicas que culminaram com a conclusão de caracterização da doação como recursos de origem não identificada.

Naquele julgado, verificou-se que o doador e a candidata residiam no mesmo endereço, evidenciando a existência de relação de afinidade ou, quando menos, o fato de serem familiares coabitantes, inviabilizando a hipótese de que a concorrente desconhecia a condição econômica e a qualidade de beneficiário do Auxílio Emergencial do doador, até porque o mesmo doador também cedeu o automóvel próprio para uso naquela campanha eleitoral.

Conforme referi no voto-vista contido no acórdão do Recurso 0600456-22, a conclusão sobre o candidato conhecer ou não a capacidade financeira do doador deve partir da análise caso a caso, e não do número de doações ou de eleitores do município no qual concorreu, de modo que em municípios pequenos do interior não haja a responsabilidade objetiva de devolução ao erário para todos os candidatos que receberam doações procedentes de pessoas que integram programas sociais do Governo Federal.

Estou realmente convencido de que deve haver outros elementos de convicção para que se forme com segurança o raciocínio de que Marlene Vancini conhecia, ou desconhecia, a incapacidade financeira do doador, a ponto de caracterizar o recurso como sendo de origem não identificada, além da presunção de que a situação econômica era conhecida tão somente por morarem na mesma cidade e do baixo número de doações recebidas.

Nesse cenário, da análise detida deste caso concreto, verifiquei que há outros elementos de prova a apontar a ciência inequívoca da candidata sobre a incapacidade financeira do doador, além das circunstâncias de que houve apenas quatro doadores na campanha e de que Ibiraiaras é um município pequeno com apenas 5.291 eleitores. Registro que essas duas últimas particularidades não seriam suficientes, isoladamente ou em conjunto, para ter-se como certo que a candidata  tinha ciência do mau uso do auxilio emergencial, ou dele tomara parte, notadamente no caso concreto em que a prestadora teve quatro doações, situando-se no patamar mais alto da média de recebimentos entre todos os candidatos, eleitos ou não, que participaram do pleito de 2020 naquele município.

Tal como no caso do acórdão do RE 0600115-40, verifiquei que a candidata Marlene Goulart Matias Vancini e o doador Francisco Vancini residem no mesmo endereço na cidade de Ibiraiaras, o qual foi declinado pelo doador no recibo eleitoral de doação do ID 38975183 e pela candidata na procuração firmada aos seus procuradores no ID 38971783, e, também, no seu requerimento de registro de candidatura, processo RCand 0600128-91.2020.6.21.0028.

Portanto, da mesma forma do ocorrido no processo REL 060011540, há provas de coabitação com o doador e veemente indício de que a candidata conhecia sua situação de incapacidade financeira, especialmente quanto ao fato de que ele recebeu o Auxílio Emergencial, a demonstrar o vínculo entre ambos.

Então, diferentemente da tese defensiva sustentada nas razões recursais, é plenamente legal a determinação de recolhimento da doação recebida ao erário, frente à caracterização do recurso como procedente de origem não identificada por falta de confiabilidade da fonte em face da incapacidade financeira do doador.

Após receber a doação de R$ 300,00, realizada por doador que solicitou ao Governo Federal o auxílio emergencial de R$ 600,00, destinado à subsistência de pessoas extremamente necessitadas em razão da pandemia, ou seja, sem capacidade financeira para doar recursos para candidatos, deveria a recorrente ter adotado o procedimento previsto no § 3º do art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19. O dispositivo determina que doações irregulares não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser devolvidas ou consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional.

Ademais, tanto no julgado recente da relatoria do eminente Des. Silvio Ronaldo quanto no presente feito, transita-se pela prova indiciária e não se desconhece que dita prova tem relevância e suporta juízos reprobatórios, já tendo o STF decidido que “indícios e presunções, analisados à luz do princípio do livre convencimento, quando fortes, seguros, indutivos e não contrariados por contra indícios ou por prova direta, podem autorizar o juízo de culpa do agente” (AP 481, Relator: Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 08.09.2011).

Por definição legal, “considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias” (Código de Processo Penal, art. 239).

Mesmo na prova indiciária há gradações, pois nem todo o indício será suficiente para sustentar a conclusão da existência e veracidade do fato, mas o indício a que aqui dou relevo, referente à coabitação de doador e candidata, apresenta atributo de gravidade e é suficiente para, do contexto probatório, impor a necessidade de manutenção de recolhimento do valor ao Tesouro Nacional.

Contudo, no caso dos autos, a arrecadação de recursos (financeiros e estimáveis) totalizou a importância de R$ 4.975,00, e a quantia de R$ 300,00 representa 6,03% do referido valor, comportando o recurso o provimento parcial, para a aprovação das contas com ressalvas, por aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade em razão do diminuto percentual e do reduzido valor nominal do montante irregularmente recebido.

Com esses fundamentos, VOTO pelo parcial provimento do recurso para aprovar as contas com ressalvas e manter a determinação de recolhimento da quantia de R$ 300,00 ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.

Por fim, diante da formação da estratégia integrada para o combate a fraudes relacionadas ao recebimento do Auxílio Emergencial, proponho que seja determinado o encaminhamento de cópia dos autos ao Ministério Público Federal, nesta capital, para a apuração de eventual prática de ilícito criminal, e que seja autorizada ao Ministério Público Eleitoral a extração de cópia do feito para a investigação de ilícitos eleitorais.