MSCiv - 0600080-86.2021.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/07/2021 às 14:00

VOTO

Examino a questão da necessidade de integração à lide de litisconsortes.

Tenho que a questão do litisconsórcio em mandado de segurança em face de ato judicial não é pacífica nos tribunais.

Sabe-se que, em razão de a medida pleiteada pela impetrante ter aptidão para atingir a esfera jurídica da parte que teve deferida a produção da prova na ação em que foi proferido o despacho tido como coator, poderia se defender a necessidade de que o suposto prejudicado pela eventual concessão da ordem integre a relação processual instaurada pelo mandamus, a título de litisconsorte necessário, sob pena de nulidade.

Nesse sentido podem ser localizados precedentes do Superior Tribunal de Justiça (MS 22.822/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09.09.2020, DJe 02.02.2021; RMS 60.098/MS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 08.10.2019, DJe 18.10.2019) e, especificamente na seara eleitoral, do Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo (RECURSO CONTRA EXPEDICAO DE DIPLOMA n 28, ACÓRDÃO n 322 de 23.11.2009, Relator SÉRGIO BIZZOTTO PESSOA DE MENDONÇA, Publicação: DOE – Diário Oficial do Estado, Data 03.12.2009, Página 4-anexo) e de Minas Gerais (MANDADO DE SEGURANCA n 060006292, ACÓRDÃO de 25.07.2018, Relator ROGÉRIO MEDEIROS GARCIA DE LIMA, Publicação: DJEMG – Diário de Justiça Eletrônico-TREMG, Data 09.08.2018).

Em sentido contrário, com fundamento na falta de atributo de “autoridade responsável pelo ato coator” ao terceiro, circunstância que afastaria a legitimidade para a presença no polo passivo da ação mandamental, é possível localizar precedente do Tribunal Superior Eleitoral, decisão monocrática da lavra do Min. Luís Roberto Barroso (TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL MANDADO DE SEGURANÇA (120) Nº 0600015-47.2019.6.00.000, decisão de 10.05.2019). Nesse julgamento, afirmou-se que:

“o interesse jurídico na manutenção da decisão impugnada por mandado de segurança não implica a condição de litisconsorte do particular afetado indiretamente pelo resultado da decisão. Nesse sentido, o art. 10, § 2º, da Lei 12.016/2009, diante das peculiaridades da ação mandamental, prevê apenas a possibilidade de litisconsórcio ativo, pois no polo passivo figurará a autoridade coatora”.

A questão do litisconsórcio, ao meu sentir, deve ser verificada casuisticamente, com base nos elementos constantes dos autos.

Dito isso, considero que, na hipótese, é dispensável a formação do litisconsórcio. Os elementos trazidos aos autos são suficientes para o julgamento do pleito, não havendo necessidade de oitiva da parte que, eventualmente, poderia ser prejudicada pela decisão.

Assim, preliminarmente, afasto a necessidade de integração de litisconsortes ao mandamus.

Passando à análise do mérito, reproduzo excertos da decisão que indeferiu o pleito liminar:

Decido.

Em juízo perfunctório, adianto que não vislumbro a presença dos pressupostos autorizadores da concessão do pleito em caráter liminar.

Pela sua importância à compreensão da matéria, transcrevo o decisum prolatado nos autos da AIJE n. 0600007-59.2021.6.21.0083, verbis:

Vistos, etc.

Considerando os termos das manifestações que constam na ação n. 0600040-49.2021.6.21.0083, a realização de perícia somente nos telefones que foram apreendidos no presente feito, neste momento, não é a melhor solução, justamente para se observar os princípios da celeridade e economia processuais, razão pela qual defiro, em parte, o pedido de reconsideração do ID 83655651 para que sejam enviados para perícia os aparelhos celulares apreendidos nesta lide e na ação n. 0600040-49.2021.6.21.0083. A perícia deverá ser realizada pela Polícia Federal de Passo Fundo – RS, local para onde deverão ser enviados os aparelhos a serem periciados.

Antes do envio, concedo o prazo comum de 5 (cinco) dias para que as partes e o Ministério Público Eleitoral apresentem quesitos. Junte-se copia deste despacho no processo 0600040-49.2021.6.21.0083.

Cumpra-se com urgência.

Diligências legais.

Sarandi, 20 de abril de 2021.

Andréia dos Santos Rossatto,

Juíza da 83ª ZE

Como se depreende da leitura do texto acima transcrito, inexiste evidente ilegalidade a ser afastada de plano ou teratologia na decisão combatida, pois a autoridade judicial, reputando necessária a realização da prova, atuou dentro dos limites impostos pelo princípio do livre convencimento, sopesando as circunstâncias e a efetividade da ação de impugnação de mandato eletivo atrelada à questão.

A decisão que defere a produção de prova não é, por si, suficiente para a caracterização de situação teratológica.

Ademais, a busca e apreensão de aparelhos celulares e a realização de perícia constituem meios probatórios bastante eficazes na busca da veracidade dos fatos para o deslinde da questão.

Na hipótese dos autos, a determinação da medida foi, ainda que sucintamente, devidamente fundamentada, sendo incabível, ao menos em caráter liminar, o exame de sua correção.

A Constituição Federal assegura que o advogado é inviolável em seus atos e manifestações, nos limites da lei, enquanto estiver no exercício profissional. A garantia constitucional vem reprisada no estatuto da advocacia (Lei nº 8.906/94), que garante ao advogado a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem comode seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia. Trata-se, assim, de assegurar a inviolabilidade do direito de defesa, essencial à proteção do desempenho da atividade profissional.

No caso dos autos, contudo, a medida ora guerreada não se deu em contexto de uma relação jurídica cliente-advogado, no âmbito do exercício profissional, circunstância que afasta a presença do direito líquido e certo a justificar o deferimento da liminar pleiteada.

Diante dessas circunstâncias, INDEFIRO o pleito liminar.

Ainda, de modo a contextualizar a situação que aqui se analisa, colho da inicial que:

A ora Impetrante foi procuradora da Campanha Eleitoral do PP-Partido Progressista da Cidade de Barra Funda/RS, e do então Candidato a Prefeito Marcos André Piaia, no período de 25 de setembro de 2020 a fevereiro de 2021, conforme se comprova pelas telas extraídas dos processos que tramitam no PJE.

Na época, em razão do assessoramento, muitas pessoas desinformadas procuravam a Impetrante para sanar dúvidas de processos em que não era procuradora. Em razão do assessoramento, e por se tratar de município pequeno em que todos se conhecem, algumas vezes a Impetrante prestou informações processuais.

Em data próxima a eleição um cidadão (Thialisson Santos) procurou a Impetrante para buscar informações acerca de uma execução de alimentos. Sem o conhecimento da Impetrante e consequente seu consentimento, o cidadão gravou a conversa. Contudo, durante o diálogo, muito embora o início da conversa tenha sido no sentido de sanar as dúvidas processuais do indivíduo, ele mencionou supostas promessas partidárias sobre as quais a Impetrante não tinha conhecimento e não se manifestou.

Ocorre, Excelência, que no início de 2021, após a diplomação do Prefeito Eleito, cujo assessoramento foi prestado pela Impetrante, o Partido Democrático Trabalhista – PDT, ajuizou a Ação de Impugnação de Mandado Eletivo nº 0600007-59.2021.6.21.0083 junto à 83º ZE, contra integrantes do PP, buscando a apreensão dos celulares, o que fora deferido pela Magistrada. Nesta ação fora anexada parte do áudio gravado antes citado, de diálogo entre a Impetrante e o cidadão Thialisson Santos. Frise-se que a Impetrante é uma das procuradoras da citada AIME, conforme telas anexas.

 

Como se depreende da leitura do trecho, a gravação da conversa havida entre a impetrante e Thialisson Santos motivou a apreensão do aparelho de telefone celular. A impetrante também afirma que assessorava o PP – Partido Progressista da cidade de Barra Funda/RS e Marcos André Piaia, candidato na ocasião, não mantendo relação profissional com Thialisson Santos.

Fica explícito, dessa forma, que a impetrante não era procuradora do interlocutor da conversa gravada e que não o representava em nenhum processo, sendo que fornecia informações a quem a procurasse em razão do assessoramento prestado ao partido e ao candidato.

Ocorre que, tanto a Constituição Federal, no art. 133, como a Lei n. 8.906/94, no art. 7º, inc. II, garantem de forma expressa a inviolabilidade do escritório ou local de trabalho do advogado, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia.

A prerrogativa, como todas as garantias do ordenamento brasileiro, não é irrestrita ou absoluta, em especial quando se verifica, em tese, o cometimento de ilícitos.

A proteção outorgada ao exercício da advocacia se dá em favor da relevância da atividade desenvolvida na prática profissional e da proteção do sigilo na relação com o cliente, o que fica claro que não é o caso dos autos, visto que não havia relação advogado-cliente entre JAQUELI e Thialisson Santos.

Para ilustrar, menciono julgado do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO CHABU. MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS NA RESIDÊNCIA SEM A PRESENÇA DE REPRESENTANTE DA OAB. ALEGAÇÃO DE INVIOLABILIDADE DO ADVOGADO. INOCORRÊNCIA. INVESTIGAÇÃO DE CRIME NÃO RELACIONADO COM A ATUAÇÃO PROFISSIONAL. ALEGADA GENERALIDADE DO MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. IMPOSSIBILIDADE DE PREVER TODOS OS MATERIAIS QUE SERÃO ENCONTRADOS. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. DECISÃO MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO.

1. A decisão agravada deve ser mantida pelos seus próprios fundamentos.

2. A proteção do art. 7º, II e § 6º, da Lei 8.906/94, se dá em favor da atividade da advocacia e do sigilo na relação com o cliente – não como obstáculo à investigação de crimes pessoais – e estará sempre relacionada ao exercício da advocacia, como compreendeu o Supremo Tribunal Federal na ADI 1.127.

3. Suficiente à delimitação da busca e apreensão é a determinação de que deveriam ser apreendidos os materiais que pudessem guardar relação estrita com aqueles fatos, e que todo e qualquer material apreendido que se revele desconectado dos fatos em apuração deverá ser imediatamente restituído a parte. Precedentes.

4. Agravo regimental improvido.

(AgRg no HC 537.017/RS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 17.12.2019, DJe 03.02.2020.) (Grifei.)

Assim, não há ilegalidade na decisão que determinou a busca e apreensão do celular da impetrante, em face da ausência de elementos que evidenciem o desrespeito às garantias previstas na Lei n. 8.906/94, e na decisão que deferiu a realização de perícia no aparelho.

DIANTE DO EXPOSTO, por ausência de violação a direito líquido e certo, voto por denegar a segurança postulada.