REl - 0600455-48.2020.6.21.0089 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/07/2021 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O prazo para a interposição de recurso contra sentença proferida em processo de prestação de contas atinente às eleições de 2020 é de 03 (três) dias, contados do ato de intimação da parte interessada, consoante expresso no art. 85 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Por força do disposto no art. 26, § 4º, da Resolução TRE-RS n. 347/20, após o encerramento do período eleitoral com a diplomação dos eleitos, as intimações nos processos de prestação de contas passaram a ser realizadas diretamente no Sistema de Processo Judicial Eletrônico (PJe), dispensando-se a publicação do ato no Diário da Justiça Eletrônico (DJe) e, até 12.2.2021, a observância do prazo de ciência de 10 (dez) dias, previsto no art. 5º, § 3º, da Lei n. 11.419/06, em conformidade com a normativa posta no art. 51, caput, da Resolução TRE-RS n. 338/19.

No caso dos autos, o RECORRENTE foi intimado da sentença, por meio de ato de comunicação no PJe, no dia 04.02.2021, quinta-feira (ID 38155833).

Todavia, como a sentença foi encaminhada para publicação no DJe em 05.02.2021, sexta-feira (ID 38155983), a qual se efetivou na edição oficial n. 22, de 08.02.2020, entendo que o recurso aviado no dia 10.02.2021, terça-feira (ID 38156033), deve ser considerado tempestivo.

Ressalto, nesse cenário, que os prazos recursais, que integram as garantias processuais das partes, embora não sejam alteráveis ad libitum do juízo, não devem ser havidos por preclusos quando há registro de causa dilatória, capaz de provocar incerteza à parte quanto ao seu cômputo e de a impedir de utilizar os meios processuais existentes, restringindo o exercício do seu direito de defesa perante o Poder Judiciário.

Desse modo, em sendo tempestivo e adequado, conheço do recurso.

 

Conhecimento de Novo Documento Juntado na Fase Recursal

Inicialmente, consigno que, no âmbito dos processos de prestação de contas, expedientes que têm preponderante natureza declaratória e possuem como parte apenas o prestador, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando inexiste necessidade de nova análise técnica.

Assim, prestigiando o amplo exercício do direito de defesa pelo RECORRENTE, conheço do documento juntado no ID 38156133.

 

Mérito

As contas de JONATAN JAHN relativas ao pleito de 2020, no qual disputou o cargo de vereador no Município de Três de Maio, foram aprovadas com ressalvas pelo Juízo da 89ª Zona Eleitoral, em virtude da aplicação de recursos próprios no montante de R$ 1.300,00, excedendo em R$ 69,22 o limite de autofinanciamento para o cargo em disputa, o qual, no citado município, correspondia a R$ 1.230,78 (10% de R$ 12.307,75, teto informado pelo Tribunal Superior Eleitoral no Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, com base nas eleições municipais de 2016).

O tema encontra a sua regulamentação no art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

§ 2º É vedada a aplicação indireta de recursos próprios mediante a utilização de doação a interposta pessoa, com a finalidade de burlar o limite de utilização de recursos próprios previstos no artigo 23, § 2º-A, da Lei 9.504/2017.

§ 3º O limite previsto no caput não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador ou à prestação de serviços próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 7º).

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990  (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º).

 

Em sua defesa, o recorrente sustenta que aportou recursos próprios em sua campanha no montante de R$ 1.300,00, sendo que a quantia de R$ 300,00 se refere à doação estimada em espécie derivada do uso de veículo integrante do seu patrimônio, autorizada pelo § 3º do art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19, e cujo valor não pode ser quantificado de forma precisa, devendo ser excluído do cálculo do limite a que alude o art. 27, § 1º, da referida norma, conforme nota explicativa do profissional de contabilidade acostada com o recurso. Aduz, ainda, que o valor do excesso é irrisório, devendo ser desconsiderado no conjunto das contas. Por essa razão, entende que a contabilidade merece ser aprovada sem quaisquer ressalvas, afastando-se a cobrança da sanção pecuniária.

A alegação, entretanto, não prospera.

O art. 5º, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe expressamente sobre a contabilização das doações estimáveis em dinheiro para efeito de cálculo de limite de gastos realizados pelo candidato, litteris:

Art. 5º Os limites de gastos para cada eleição compreendem os gastos realizados pelo candidato e os efetuados por partido político que possam ser individualizados, na forma do art. 20, II, desta Resolução, e incluirão:

[…].

III - as doações estimáveis em dinheiro recebidas.

 

Outrossim, não obstante seja o uso de recursos próprios do candidato disciplinado no § 1º do art. 27, alocando-se no mesmo dispositivo que trata das doações de pessoas físicas, e abrindo margem à tese apresentada no recurso, resta claro que a ressalva contida no § 3º se direciona apenas à hipótese prevista no caput, qual seja, as doações de terceiros, pessoas físicas, e não àquelas advindas do próprio candidato, reguladas pelo respectivo § 1º.

Ao não excepcionar os recursos próprios estimáveis em dinheiro do parâmetro para aferição do limite de autofinanciamento de cada cargo em disputa, a norma visa garantir a igualdade, ainda que relativa, entre os concorrentes, ou seja, uma forma de mitigar eventuais desequilíbrios patrimoniais prévios dos candidatos, que poderiam interferir substancialmente nos resultados da campanha.

Nesse aspecto, convém trazer à colação as judiciosas considerações da Procuradoria Regional Eleitoral:

Aqui impõe-se ainda a aplicação do princípio da igualdade na disputa eleitoral. Outros candidatos certamente cumpriram o dispositivo legal e limitaram seus gastos de campanha com recursos próprios, o(a) recorrente não o fez, desequilibrando a disputa de forma ilícita, (...).

 

O posicionamento relativo à contabilização das receitas financeiras e estimáveis em dinheiro na verificação do atendimento do limite de gastos restou acolhido pelo Tribunal Superior Eleitoral, em pleitos anteriores, com o escopo de assegurar tratamento isonômico entre os candidatos, conforme ilustra ao seguinte julgado:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. CONTAS DE CAMPANHA DESAPROVADAS. EXTRAPOLAÇÃO DO LIMITE DE GASTOS. BENS ESTIMÁVEIS. FALHA GRAVE. MULTA. DESPROVIMENTO.

1.  Autos recebidos no gabinete em 25.8.2017.

2.  No caso, o TRE/SE julgou desaprovadas contas do agravante por exceder em R$ 1.805,12 o limite de gastos de campanha estipulado pelo TSE em R$ 10.803,91.

3.  É falha grave a atrair multa e rejeição do ajuste contábil ultrapassar em quase 18% o limite de gasto previsto no pedido de registro de candidatura, sem justificativas plausíveis para prática do ilícito, ainda que os valores em excesso se refiram a bens estimáveis em dinheiro. Precedentes.

4.  Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 16966, Relator Min. HERMAN BENJAMIN, Publicação: DJE de 15.6.2018.) (Grifei.)

 

Em face dessa diretriz normativa e jurisprudencial, o conteúdo da nota explicativa do profissional de contabilidade, juntada com o recurso, não acrescenta fundamentos que possam conduzir à conclusão diversa.

Nesse sentido, o art. 45, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19 é expresso ao estabelecer a responsabilidade solidária entre o candidato, a pessoa por ele eventualmente indicada para elaborar suas contas e o profissional de contabilidade que acompanha a arrecadação de recursos e a realização de gastos eleitorais, em relação às informações financeiras e contábeis de sua campanha, inclusive no tocante à correta interpretação e aplicação das disposições legais pertinentes.

O recorrente aduz, ainda, que não seria possível quantificar precisamente o valor da cessão do veículo, o que também embasaria a sua exclusão do cômputo de gastos com recursos próprios durante a campanha.

Mas, como advertiu a Procuradoria Regional Eleitoral, foi o próprio prestador que estimou o valor da cessão declarada na sua escrituração contábil, a qual, ademais, não foi oportunamente retificada, viabilizando nova análise pelo órgão técnico, não competindo a este Colegiado ajustar a quantia informada ao examinar a pretensão recursal.

Logo, devido ao reconhecimento da falha, deve ser mantida a imposição da penalidade pecuniária no montante de R$ 69,22, o qual corresponde a 100% do excesso, por inexistirem justificativas para a redução desse percentual na hipótese dos autos.

O juízo de aprovação das contas com ressalvas também merece ser mantido, pois, como corretamente observado na sentença, a falha possui ínfimo valor nominal, sendo, inclusive, bastante inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e a dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Além disso, a irregularidade representa tão somente 1,12% do somatório das contas (R$ 6.175,00), contexto em que a jurisprudência deste Tribunal admite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para afastar o severo juízo de desaprovação, como colho da ementa do seguinte precedente:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES DE 2016. VEREADOR. LIMITE DE GASTOS COM ALIMENTAÇÃO. DIVERGÊNCIA QUANTO À AUTORIA DAS DOAÇÕES. IRREGULARIDADES INFERIORES A 10% DA ARRECADAÇÃO. PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. Gastos com alimentação que excedem em 3,2% o limite de despesas dessa natureza e divergência entre os dados do extrato bancário e as declarações de doações registradas no balanço contábil que expressam 3,57% dos recursos arrecadados. Falhas que, somadas, representam menos de 10% dos recursos utilizados na campanha, não prejudicando a confiabilidade das contas. Incidência do princípio da proporcionalidade. Provimento parcial. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS - RE: 41060 PORTO ALEGRE - RS, Relator: MIGUEL ANTÔNIO SILVEIRA RAMOS, Data de Julgamento: 25.06.2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 112, Data 27.06.2018, Página 6.) (Grifei.)

 

Por essas razões, a demonstração contábil do candidato deve ser aprovada com ressalvas, sem prejuízo, contudo, da condenação ao recolhimento da pena pecuniária de R$ 69,22, o qual constitui dever legal, independente da sorte do julgamento da contabilidade da campanha.

 

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto por JONATAN JAHN, mantendo a sentença que julgou aprovadas com ressalvas as suas contas relativas ao pleito de 2020, condenando-o ao pagamento de penalidade de multa no valor de R$ 69,22 (sessenta e nove reais e vinte e dois centavos), o qual deve ser recolhido ao Fundo Partidário, conforme disposto nos arts. 27, §§ 1º e 4º, e 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19 e no art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95.

É como voto, Senhor Presidente.