REl - 0600695-72.2020.6.21.0045 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/07/2021 às 14:00

VOTO

A prestação de contas foi desaprovada devido à inobservância da forma de pagamento para quitar dois gastos custeados com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), no total de R$ 475,50, quantia que representa 5,6% da movimentação financeira declarada, no montante de R$ 8.456,60.

Observa-se não ter sido determinado o recolhimento do valor ao erário, pois o juízo a quo entendeu que os documentos fiscais juntados aos autos, expedidos pelos fornecedores, seriam suficientes para comprovar a regularidade dos gastos, conforme consta do seguinte trecho da sentença recorrida:

(…)

O parecer técnico apontou divergências entre a movimentação financeira registrada no Sistema de Prestação de Contas Eleitorais (SPCE-Cadastro) e aquela aferida nos extratos eletrônicos, no tocante à identificação dos fornecedores, cujos pagamentos foram realizados com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, no montante de R$ 475,50 e indícios de irregularidades identificadas mediante cruzamento eletrônico de informações.

No tocante ao primeiro apontamento, a examinadora relatou que no sistema SPCE foram registrados dois pagamentos à Gráfica Missioneira Hall Ltda., R$ 210,00 e R$ 265,60, mediante os cheques 007 e 009, respectivamente. Em contrapartida, nos extratos eletrônicos disponibilizados pelo TSE, constam como beneficiários dos cheques Tedi Martins e José D. Stoffels.

O prestador de contas afirma que efetivou as contratações junto à Gráfica Missioneira Hal Ltda., pagando tais despesas com os referidos cheques preenchidos nominalmente (ID 74636347), contudo não fez prova do alegado.

A norma prevê que o pagamento das despesas deve ocorrer por meio de cheque nominal cruzado, transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário, débito em conta ou cartão de débito da conta bancária (art. 38 da Resolução TSE 23.607/2019).

Não obstante tenha se caracterizado, in casu, o desrespeito ao art. 38 da aludida resolução, uma vez que o candidato não comprovou o pagamento com cheque nominal, restaram comprovadas as despesas realizadas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, mediante a apresentação das notas fiscais emitidas (ID 57496197 e 57496198), afastando-se assim a obrigação de recolhimento do valor ao Tesouro Nacional, nos termos da jurisprudência.

Contudo, embora tenha apresentado os documentos comprobatórios das despesas realizadas, o prestador não comprovou o respectivo pagamento com cheque nominal, permanecendo a irregularidade apontada, cabendo a desaprovação das contas.

 

A irregularidade foi apontada pelo laudo técnico nos seguintes termos:

Em suas razões, a parte recorrente afirma que, apesar de ter adimplido os gastos com material gráfico por meio de cheques nominais junto à empresa Gráfica Missioneira Hal Ltda., não o fez de forma apropriada, deixando de cruzá-los, permitindo, assim, que a referida empresa repassasse as ordens de pagamento para terceiros mediante endosso dos cheques, situação vedada pelo art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19.

De fato, foram juntadas notas fiscais na manifestação de primeiro grau (ID 24488183, p. 3) e no recurso nesta instância (ID 24488633, p. 5), a fim de comprovar as despesas realizadas, circunstância que motivou a ausência de recolhimento do valor ao Tesouro Nacional, como referido pelo juízo a quo na sentença recorrida.

Entretanto, não há nos autos cópia dos cheques endossados que os vinculem às notas fiscais apresentadas, sequer podendo ser comprovada a alegação de que foram emitidos de forma nominal.

Ao contrário, encontram-se apenas duas notas fiscais emitidas em nome da empresa GRÁFICA MISSIONEIRA HAL LTDA., nos valores de R$ 210,00 (ID 24481233) e de R$ 265,00 (ID 24481283), e a informação encontrada nos extratos bancários da conta de campanha, que se colhe inclusive na internet em https://divulgacandcontas.tse.jus.br, é de que os cheques utilizados para pagamento desses gastos foram descontados por duas pessoas físicas, Tedi Martins e José D. Stoffels, que não figuram como fornecedores da campanha.

Portanto, não há vínculo entre os cheques emitidos e as despesas realizadas, além do valor neles constantes. Desse modo, as notas fiscais presentes nos autos não esclarecem a origem dos recursos utilizados para pagamento das referidas despesas.

Dessarte, os pagamentos caracterizam utilização de recursos de origem não identificada e passíveis de recolhimento ao erário, medida que não foi determinada na sentença e que é inviável de ser adotada nesta instância, diante da ausência de recurso ministerial, em face da preclusão da matéria e da impossibilidade de agravamento da situação jurídica do recorrente, consoante entendimento desta Corte:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. ELEIÇÕES 2016. PRELIMINARES. NULIDADE DA SENTENÇA. NEGATIVA DE VIGÊNCIA DA LEGISLAÇÃO ELEITORAL. INVIÁVEL A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO, DE OFÍCIO, AO TESOURO NACIONAL. AUSÊNCIA DE MANEJO RECURSAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRECLUSÃO DA MATÉRIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. MANIFESTAÇÃO SOBRE O PARECER CONCLUSIVO, NOS TERMOS DO ART. 66 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. NÃO ACOLHIMENTO. MÉRITO. DEPÓSITO EM ESPÉCIE DIRETAMENTE NA CONTA DE CAMPANHA EM VALOR ACIMA DO LIMITE REGULAMENTAR. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. DIVERGÊNCIA ENTRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA REGISTRADA NA PRESTAÇÃO DE CONTAS E A VERIFICADA NOS EXTRATOS BANCÁRIOS. FALHAS QUE COMPROMETEM A TRANSPARÊNCIA DA CONTABILIDADE. DESPROVIMENTO. 1. Preliminares afastadas. 1.1. Ofensa aos arts. 18, inc. I, § 3º e 26, ambos da Resolução TSE n. 23.463/15. Inviável, nesta instância, determinar de ofício o recolhimento de valor ao Tesouro Nacional. A ausência de recurso ministerial conduz ao reconhecimento da preclusão da matéria e a impossibilidade de agravamento da situação jurídica do recorrente. Obediência ao princípio da vedação da reformatio in pejus. 1.2. A obrigatoriedade de abertura de prazo para manifestação sobre o parecer conclusivo, nos termos do art. 66 da Resolução TSE n. 23.463/15, é necessária apenas quando o órgão técnico indicar a existência de falhas sobre as quais não tenha sido oportunizado o contraditório ao candidato. In casu, o parecer conclusivo apenas ratificou os apontamentos já realizados, confrontando-os com os argumentos apresentados pela prestadora. Inexistência de prejuízo. Não caracterizado cerceamento de defesa. 2. Mérito. As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 só poderão ser efetivadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação, nos termos do disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15. Realizados depósitos diretamente na conta de campanha e acima do limite regulamentar, em desobediência à norma de regência. Caracterizada a inexistência de identificação da origem dos recursos. Valor substancial, representando 77,80% da totalidade da movimentação financeira. Impossibilidade de aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 3. Divergência entre o registro da movimentação financeira na prestação de contas e a verificada nos extratos bancários. Falha que compromete a transparência que deve revestir a contabilidade. 4. Provimento negado.

(TRE-RS – RE n. 18892 PORTO ALEGRE - RS, Relator: EDUARDO AUGUSTO DIAS BAINY, Data de Julgamento: 10.4.2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 78, Data: 03.5.2019, p. 8.) (Grifei.)

 

Quanto ao juízo de desaprovação da contabilidade, o pedido recursal limita-se à aprovação das contas com ressalvas e comporta provimento em atenção aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, devido ao percentual baixo da irregularidade de R$ 475,00, que representa 5,6% frente ao somatório arrecadado na campanha, no total de R$ 8.456,60, o qual é bastante reduzido.

Acerca da incidência dos aludidos princípios sobre irregularidades nominalmente diminutas, cumpre trazer à colação precedente do Tribunal Superior Eleitoral apontando a possibilidade de aprovação com ressalvas:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO INTERNO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. JULGAMENTO MONOCRÁTICO DO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. POSSIBILIDADE. ART. 36, § 7º DO RITSE. PRECEDENTES. DESAPROVAÇÃO NA INSTÂNCIA REGIONAL. DESPESAS IRREGULARES COM RECURSOS DO FEFC. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. VALOR PERCENTUAL DIMINUTO DAS IRREGULARIDADES. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO E RECURSO ESPECIAL PROVIDOS PARA APROVAR COM RESSALVAS AS CONTAS DO CANDIDATO. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A jurisprudência iterativa deste Tribunal Superior assenta ser facultado ao relator sopesar, monocraticamente, os recursos que lhe são distribuídos, nos termos dos art. 36, §§ 6º e 7º, do RITSE. Desse modo, não há óbice formal ao provimento de recurso por meio de decisão monocrática respaldada em compreensão jurisprudencial dominante desta Corte, como no caso dos autos. 2. Admite-se a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para superação de irregularidades que representem valor absoluto diminuto ou percentual inexpressivo. Precedentes. 3. Ainda que superado o limite de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos), valor máximo absoluto entendido por diminuto, é possível a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aquilatar se o valor total das irregularidades não supera 10% do total da arrecadação ou da despesa, permitindo-se, então, a aprovação das contas com ressalvas. 4. Na espécie, extrai-se do quadro fático delineado no acórdão regional, que as falhas apuradas somam R$ 12.785,65 (doze mil, setecentos e oitenta e cinco reais e sessenta e cinco centavos), correspondentes a 9,40% das despesas contratadas na campanha, valor que se afigura diminuto em termos percentuais, autorizando a aprovação das contas com ressalvas, à luz da compreensão jurisprudencial desta Corte Superior. Inexistentes, ainda, circunstâncias qualitativas capazes de inviabilizar a incidência dos aludidos princípios no caso concreto. 5. Agravo interno a que se nega provimento.

 

(TSE – AI n. 06083410720186260000 SÃO PAULO - SP, Relator: Min. Edson Fachin, Data de Julgamento: 01.7.2020, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 156, Data: 06.8.2020.) (Grifei.)

 

De igual modo, a jurisprudência do TRE-RS admite a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovação com ressalvas quando o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10, estabelecida como parâmetro pelo art. 43 da Resolução TSE n. 23.607/19 como patamar sobre o qual qualquer eleitor pode realizar pessoalmente gastos não sujeitos à contabilização, desde que não reembolsados (Lei n. 9.504/97, art. 27):

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS; PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.07.2020.) (Grifei.)

 

Destarte, tendo em vista que as irregularidades perfazem quantia inexpressiva, entendo que o recurso comporta provimento integral, atendendo-se ao pedido de que as contas sejam aprovadas com ressalvas.

 

Diante do exposto, VOTO pelo provimento do recurso, para aprovar as contas com ressalvas, nos termos da fundamentação.