REl - 0600800-91.2020.6.21.0128 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/07/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a sentença desaprovou a contabilidade de FLAVIO SAGGIORATO e determinou ao candidato o recolhimento de valores aos cofres públicos, em face de, no dia 29.10.2020, ter havido o ingresso de R$ 750,00 na conta-corrente de campanha, mediante depósito em espécie, em que constou como doador o CNPJ do próprio candidato.

A matéria encontra-se disciplinada pelo art. 21, inc. I e §§ 4º e 5º, e pelo art. 32, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, os quais seguem transcritos:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

(...)

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

§ 5º Além da consequência disposta no parágrafo anterior, o impacto sobre a regularidade das contas decorrente da utilização dos recursos recebidos em desacordo com este artigo será apurado e decidido por ocasião do julgamento.

(…)

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta do doador;

(...)

Da leitura dos dispositivos, ressai nítido que as doações financeiras devem ser concretizadas mediante transação bancária cujo CPF do doador seja obrigatoriamente informado, sendo que sua inobservância caracteriza os respectivos recursos como de origem não identificada, os quais, acaso utilizados na campanha, necessitam ser recolhidos ao Tesouro Nacional, e impõe que seu impacto sobre a regularidade das contas seja apurado e decidido por ocasião do julgamento.

Impende ressaltar que, em caso de a doação envolver importâncias iguais ou superiores a R$ 1.064,10, torna-se imperativa a transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal, ao passo que, sendo inferior àquele patamar, como no caso sub examine, basta tão somente a apropriada identificação do doador, mediante registro de seu CPF na transação bancária.

O escopo da prescrição normativa é possibilitar o cruzamento de informações com o Sistema Financeiro Nacional, de modo a permitir que a fonte declarada seja confirmada por meio dos mecanismos técnicos de controle da Justiça Eleitoral.

Deveras, o TSE já assentou que “a ratio essendi da norma é identificar a origem de recurso arrecadado, com o rastreamento a partir da transferência eletrônica efetivada entre estabelecimentos bancários” (Recurso Especial Eleitoral n. 26535, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Relatora designada Min. Rosa Weber, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Data: 20.11.2018, p. 32).

Não se olvida que este Regional tem arrefecido o rigor dessas disposições quando o prestador, por outros meios, atinge o fim colimado pela regra, qual seja, a demonstração segura da origem dos recursos, mormente por meio do oferecimento de comprovantes de saque em dinheiro da conta-corrente do doador e imediato depósito em espécie na conta de campanha, demonstrando que a operação de transferência bancária restou meramente decomposta em um saque seguido incontinenti de um depósito na mesma data.

Entrementes, na hipótese vertente, inexiste comprovação adicional mínima sobre a origem dos recursos, mesmo tendo sido o candidato, no curso do processo, instado a apresentá-la.

Por pertinente, anoto que o descumprimento da exigência em apreço não se traduz em mera falha formal, mas possui potencial para gerar a rejeição do ajuste contábil, uma vez que a repercussão sobre a regularidade das contas deve ser averiguada e decidida na oportunidade do julgamento, segundo reza o art. 21, § 5º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Indene de dúvida, portanto, a configuração da irregularidade, que afeta a transparência das contas, e a necessidade de recolhimento aos cofres públicos da importância eivada de mácula, porquanto efetivamente empregada pelo candidato em sua campanha.

Assim, impõe-se a confirmação da irregularidade, consubstanciada no recebimento de recursos de origem não identificada, no valor de R$ 750,00, que representa 75% do total de receitas declaradas (R$ 1.000,00).

Apesar do percentual significativo diante do somatório arrecadado, o valor absoluto é reduzido, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Sobre a incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade diante de irregularidades nominalmente diminutas, destaco excertos da decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin, nos autos do RESPE n. 37447, em 13.6.2019:

Entendo que o limite percentual de 10% (dez por cento) adotado por este Tribunal Superior revela-se adequado e suficiente para limitar as hipóteses de incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de se harmonizar, contudo, a possibilidade de sobreposição dos critérios do valor diminuto e da aplicação dos princípios já citados. Em casos tais, deve prevalecer, até o limite aqui indicado, o critério de valor absoluto, aplicando-se o critério principiológico de forma subsidiária.

Assim, se o valor da irregularidade está dentro do máximo valor entendido como diminuto, é desnecessário aferir se é inferior a 10% (dez por cento) do total da arrecadação ou despesa, devendo se aplicar o critério do valor diminuto.

Apenas se superado o valor máximo absoluto considerado irrisório, aplicar-se-á o critério da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser considerado o valor total da irregularidade analisada, ou seja, não deve ser desconsiderada a quantia de 1.000 UFIRs alcançada pelo critério do valor diminuto.

Nessa linha, a jurisprudência deste Tribunal admite a aplicação do critério do valor nominal diminuto, que prepondera sobre eventual aferição do alcance percentual das falhas, de modo a afastar o juízo de desaprovação das contas quando o somatório das irregularidades se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10 (TRE-RS; PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.07.2020, e REl n. 0600399-70.2020.6.21.0103, Relator: Des. Eleitoral Gerson Fischmann julgado em 20.05.2021).

Colaciono, ainda, ementa de decisão do Plenário do TSE, que se constitui em precedente a amparar a diretriz aqui traduzida:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral nº 27324, Acórdão, Relator(a) Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data: 29.9.2017.) (Grifei.)

Destarte, tendo em vista que a irregularidade perfaz quantia inexpressiva, considerada como valor diminuto, porque aquém de R$ 1.064,10, ou 1.000 UFIR, como determina a legislação, entendo pela aprovação das contas com ressalvas.

Tal conclusão, cabe ressaltar, não afasta a determinação de recolhimento de valores ao erário, que decorre do uso de recursos de origem não identificada, na forma do art. 21, inc. I e § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19, independente da sorte do julgamento final das contas.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas da campanha eleitoral de 2020 de FLAVIO SAGGIORATO, mantendo, nos termos da sentença, a determinação de recolhimento do valor de R$ 750,00 ao Tesouro Nacional.