REl - 0600637-48.2020.6.21.0052 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/07/2021 às 14:00

VOTO

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razões pelas quais dele conheço.

Mérito

Trata-se da prestação de contas de candidato a vereador, relativa às eleições do ano de 2020.

As contas do recorrente foram desaprovadas com base em parecer conclusivo de exame técnico das contas (ID 24470283), no qual foram indicadas irregularidades que consistem em: a) extrapolação no uso de recursos próprios previstos na campanha, considerando-se o limite de 10% sobre o valor de gastos previstos para o cargo em que concorreu; e b) pagamento de gastos eleitorais em espécie, mediante saques eletrônicos da conta de campanha.

No curso da instrução (ID 24470133), e agora na via recursal (ID 24470583), o prestador manifestou-se e reconheceu as falhas cometidas, afirmando, entretanto, tratar-se de erros meramente formais que não comprometem a regularidade das contas.

As circunstâncias dos autos não permitem, contudo, que as alegações possam surtir o efeito desejado pelo prestador, qual seja, a aprovação das contas.

Passo a explicar.

1. Da utilização de recursos próprios acima do limite de 10% sobre o valor de gastos previstos para o cargo em que concorreu

A decisão combatida narrou que o recorrente praticou irregularidade ao extrapolar o uso de recursos próprios em sua campanha, considerando-se o limite de 10% sobre o valor de gastos previstos para o cargo em que concorreu.

Em suas razões, o prestador argumenta ter superado o limite por necessidade de quitar as despesas que foram contratadas sob a expectativa de recebimento de verba proveniente do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, o que acabou não ocorrendo. Aduz, ainda, que o ato não tem o condão de gerar a desaprovação de contas em razão de ausência de dolo ou má-fé.

É certo que a lei permite a utilização de recursos próprios pelos candidatos em suas campanhas eleitorais, desde que atendidos os requisitos da forma e dos limites previstos em lei.

Assim dispõe o art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

[...]

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º).

(Grifei.)

Observe-se que o dispositivo supracitado, além de limitar as doações de pessoas físicas em 10% sobre seus rendimentos do ano anterior, também condiciona o uso de recursos próprios até o mesmo percentual, calculado sobre o valor do teto de gastos do cargo ao qual o candidato concorreu. Tal regramento foi recentemente incluído pela redação da Lei n. 13.878/19, que acrescentou o § 2º-A no art. 23 da Lei das Eleições.

Julgo que as alegações trazidas pelo recorrente não o socorrem, uma vez que está caracterizado o ilícito quando o limite legal, objetivamente previsto, foi ultrapassado.

Como bem ponderou o magistrado de primeira instância (ID 24470433), “a análise de eventuais não repasses de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e do Fundo Partidário pelos diretórios partidários aos candidatos se enquadram na autonomia que cada partido tem de gerenciamento e organização, não cabendo a esta Justiça Eleitoral eventual intromissão, exceto quanto ao controle de legalidade de sua aplicação. Os partidos políticos são autônomos e qualquer falta de planejamento destes não pode ser utilizada como motivo plausível para que qualquer candidato possa violar a legislação eleitoral”.

Tendo em vista que o valor do limite de gastos nas eleições de 2020 para o cargo de vereador no Município de Caibaté foi de R$ 12.307,75, o prestador, ao utilizar recursos próprios na campanha no montante de R$ 4.860,00, extrapolou em R$ 3.629,22 o limite previsto na norma (ID 24470283).

Assim, em decorrência do descumprimento da norma inserida no § 1º do art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19, que incide de forma objetiva e independentemente de boa-fé, o excesso cometido é irregularidade grave, capaz de gerar desaprovação das contas e aplicação de multa, nos termos do § 4º do mesmo dispositivo legal.

2. Do pagamento de despesas em espécie, por saque da conta bancária, acima do limite da verba de fundo de caixa

Da mesma forma, a sentença de primeiro grau, amparada em parecer técnico conclusivo, apontou irregularidades no pagamento, em moeda corrente, de cinco despesas eleitorais, mediante saques eletrônicos da conta de campanha Outros Recursos.

No ponto, o relatório conclusivo de exame (ID 24470283) noticia que o prestador realizou saques de sua conta bancária e pagou, em moeda, os seguintes gastos de campanha que totalizaram R$ 1.417,67: R$ 490,00 (12.11.20), R$ 300,00 (12.11.20), R$ 70,00 (12.11.20), R$ 7,67 (19.11.20) e 550,00 (19.11.20).

Sobre o tema, a Resolução TSE n. 23.607/19, em seu art. 38, estabelece, sobre as formas de realização de gastos eleitorais de natureza financeira, in verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I – cheque nominal cruzado;

II – transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III – débito em conta; ou

IV – cartão de débito da conta bancária.

§ 1º O pagamento de boletos registrados pode ser realizado diretamente por meio da conta bancária, vedado o pagamento em espécie.

§ 2º É vedado o pagamento de gastos eleitorais com moedas virtuais.

(Grifei.)

Ainda, em seu art. 39, a mesma legislação prevê a possibilidade de constituição de Fundo de Caixa para pagamento de pequenos gastos, nos seguintes termos:

Art. 39. Para efetuar pagamento de gastos de pequeno vulto, o órgão partidário e o candidato podem constituir reserva em dinheiro (Fundo de Caixa), desde que:

I – observem o saldo máximo de 2% (dois por cento) dos gastos contratados, vedada a recomposição;

II – os recursos destinados à respectiva reserva transitem previamente pela conta bancária específica de campanha;

III – o saque para constituição do Fundo de Caixa seja realizado mediante cartão de débito ou emissão de cheque nominativo em favor do próprio sacado.

Parágrafo único. O candidato a vice ou a suplente não pode constituir Fundo de Caixa.

(Grifei.)

Dito isso, observa-se, no caso, o descumprimento da norma pelo candidato, ao se considerar que os gastos eleitorais de campanha perfazem um total de R$ 5.660,00 e os saques, para pagamento, em espécie, de parte das despesas, somam R$ 1.417,67. Claramente não podem os gastos ser incluídos na excepcionalidade estabelecida na disposição normativa, pois extrapolado o limite máximo de 2% previsto no inc. I do art. 39.

Ademais, o argumento trazido pelo recorrente, de que não lhe foi fornecido talonário de cheques em tempo hábil, também não o exime de cumprir, no ponto, a legislação eleitoral. É que a falta de talonário poderia ser suprida pelos demais expedientes igualmente previstos no texto do art. 38 da resolução, tais como transferência bancária, por exemplo.

Por oportuno, trago à colação precedente sobre o tema:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATOS. PREFEITO E VICE. ELEIÇÕES 2016. DOAÇÃO INDIRETA. DIVERGÊNCIA DE VALORES. INCONSISTÊNCIA DE DATAS. DEPÓSITO DIRETO NA CONTA DE CAMPANHA. EXTRAPOLADO LIMITE LEGAL. FUNDO DE CAIXA. DESAPROVAÇÃO. RECOLHIMENTO DE VALOR AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Realização de doações pelo partido aos seus candidatos à majoritária, sem emissão da integralidade dos recibos eleitorais, em afronta ao art. 23 da Resolução TSE n. 23.463/15. Falha superada, uma vez que identificados os doadores originários em consulta ao sítio eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral.

2. Divergência de valores entre extrato bancário e registro no Sistema de Prestação de Contas Eleitorais. Diferenças entre importâncias declaradas pelo doador e pelo beneficiário. Inconsistências referentes às datas de doação e recebimento. Evidenciados equívocos nas informações prestadas. Impropriedades esclarecidas.

3. Depósito em espécie realizado diretamente na conta de campanha, acima do limite legal, em desobediência ao disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15. Inexistência de elementos comprobatórios que evidenciem a autoria da doação. O valor da irregularidade abrange 50,54% do somatório de recursos arrecadados. Falha de valor absoluto expressivo, o que impede a adoção do entendimento do Tribunal Superior Eleitoral e deste Regional, pela aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Gravidade da infrigência legal. Manutenção do comando de recolhimento do valor ao Tesouro Nacional.

4. A constituição do Fundo de Caixa, disciplinado pelo art. 34 da Resolução TSE n. 23.463/15, tem por objetivo formar uma reserva em dinheiro para o pagamento de gastos de pequeno vulto, dentro dos limites estabelecidos pela referida resolução. Parâmetro legal extrapolado pelo candidato. Mácula grave, que impossibilita a fiscalização da movimentação financeira de campanha.

5. Provimento negado.

(TRE/RS – RE 352-38 – Relator: Des. Eleitoral Jamil Andraus Hanna Bannura – j. sessão de 07.11.2017) (Grifei.)

Assim, a despeito da justificativa apresentada pelo prestador, entendo que persiste a falha apurada que, por sua natureza, pode inviabilizar a correta fiscalização da Justiça Eleitoral e, se considerada percentualmente expressiva, compromete as contas de campanha.

De toda sorte, tendo em vista que os valores referentes aos saques efetuados estão diretamente ligados à primeira irregularidade, pois advêm da doação de recursos próprios, mesmo que esta falha não subsistisse, permaneceria a outra.

Percentual das irregularidades constatadas

Na hipótese dos autos, em termos percentuais, somente a irregularidade de uso de recursos próprios acima do limite legal (R$ 3.629,22) representa, aproximadamente, 64,1% das receitas arrecadadas pelo candidato (R$ 5.660,00), razão pela qual não há que se falar em proporcionalidade ou razoabilidade, devendo ser mantida a sentença de desaprovação das contas.

No mesmo sentido a jurisprudência:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2016. CANDIDATO. VEREADOR. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. DÍVIDA DE CAMPANHA. EMISSÃO DE CHEQUES SEM FUNDOS. AUSÊNCIA DE ASSUNÇÃO DE DÍVIDA DE CAMPANHA PELO ÓRGÃO NACIONAL DE DIREÇÃO PARTIDÁRIA. INVIABILIDADE DA APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Manutenção da sentença de desaprovação das contas de campanha em razão da emissão de cheques sem provisão de fundos. Inobservância do preceito da transparência que deve nortear tanto a gestão de recursos na campanha quanto a elaboração final das contas, em prejuízo à atuação fiscalizatória da Justiça Eleitoral.

2. É inviável a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade quando a irregularidade identificada compromete a transparência das contas apresentadas e corresponde a valor elevado, relevante e significativo no contexto da campanha.

3. Hipótese em que as irregularidades detectadas atingiram valor correspondente a mais de 50% dos recursos empregados na campanha eleitoral.

4. Desprovimento.

(TRE/RS, RE n. 348-20 – Relator Des. Luciano André Losekann, J. Sessão 23.5.2018) (Grifei.)

Da aplicação de multa

Finalmente, confirmada a utilização de recursos além do termo legal, necessária a aplicação de sanção pecuniária de até 100% sobre o valor excedido, nos termos do § 4º do art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Por conseguinte, seguindo o entendimento firmado por esta Corte, julgo adequado o percentual de 100% utilizado pelo juízo de piso para aplicação da multa, no valor de R$ 3.629,22 (três mil, seiscentos e vinte e nove reais e vinte e dois centavos).

Destaco, apenas, ser necessária a correção, de ofício, de erro material na sentença quanto à destinação da penalidade de multa ao Tesouro Nacional, uma vez que o valor deve ser recolhido ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), nos termos do art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95.

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso, para manter a sentença que desaprovou as contas de Sebastião Antunes da Rosa, relativas ao pleito de 2020, mantendo a aplicação da penalidade de multa no valor de R$ 3.629,22 (três mil, seiscentos e vinte e nove reais e vinte e dois centavos), a qual, retificando-se erro material da sentença, deve ser destinada ao Fundo Partidário.