REl - 0600212-36.2020.6.21.0047 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/07/2021 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade

O recurso é tempestivo e adequado, comportando conhecimento.

 

Mérito

Inicialmente, cumpre consignar que o cabimento dos embargos de declaração é vinculado à existência de obscuridade, contradição, omissão ou erro material na decisão judicial, conforme estabelece o art. 1.022 do Código de Processo Civil, aplicado aos feitos eleitorais por força do disposto no art. 275, caput, do Código Eleitoral.

A partir desses parâmetros normativos, o Tribunal Superior Eleitoral, a exemplo dos demais Tribunas Superiores, consolidou orientação de que o inconformismo da parte com o resultado do julgamento não caracteriza os vícios que legitimam a oposição de embargos declaratórios com pedido de efeitos infringentes, tampouco autoriza a rediscussão dos fundamentos já expostos pelo órgão julgador, com o propósito de obter decisão que lhe seja mais favorável no processo (TSE, RO-EL n. 060000125, Relator Min. EDSON FACHIN, DJE de 13.5.2021; REspEl n. 060029385, Relator Min. TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO, DJE de 20.4.2021).

Na hipótese dos autos, a embargante defende que o reconhecimento da nulidade da sentença — em decorrência da falta de citação dos agentes públicos responsáveis pelos ilícitos eleitorais reportados na exordial da representação originária, o que ocasionou a deficiência da formação do litisconsórcio passivo necessário com mácula ao desenvolvimento válido da relação processual (arts. 114 e 115 do CPC) — constituiu questão prévia à declaração da decadência do direito de ação, a qual levou à extinção do processo com resolução de mérito, nos termos do art. 73, § 12, da Lei n. 9.504/97, c/c o art. 8º, inc. VIII, da Resolução TSE n. 23.624/20 e o art. 487, inc. II, do CPC.

A coligação embargante prossegue sustentando que, como existe interdependência entre o comando decisório principal e o acessório, a decretação da nulidade da sentença inevitavelmente fulmina a sua condenação pela litigância de má-fé, a qual não pode subsistir no contexto de uma relação processual eivada de vício desde a sua propositura, contrariamente ao que decidiu este Colegiado, que somente reduziu o valor da penalidade de multa para 01 (um) salário-mínimo, com respaldo nos arts. 80, incs. V e VI, e 81, § 2º, do CPC.

Contudo, não verifico a alegada contradição no julgado.

Por certo, a argumentação deduzida nos aclaratórios mereceria acolhida se este Regional tivesse desconstituído a sentença, devido ao reconhecimento da nulidade processual, e determinado a remessa dos autos ao primeiro grau de jurisdição para que, após o saneamento do processo – com a citação dos agentes públicos na condição de litisconsortes passivos necessários, assegurando-lhes o exercício do direito de defesa e do contraditório –, o magistrado a quo sentenciasse novamente o feito, a fim de que não houvesse supressão de instância julgadora ou violação ao princípio do juiz natural para o julgamento da causa.

Nesse cenário, com a cassação da sentença, todas as questões atinentes ao mérito da demanda, assim como aquelas de natureza acessória ou incidental eventualmente atingidas pelo efeito expansivo da declaração da nulidade do ato decisório (arts. 281 e 282 do CPC), não subsistiriam validamente no processo e teriam que ser reexaminadas pelo juiz de primeira instância em momento oportuno, após o refazimento dos atos processuais voltados à integração do contraditório.

Todavia, no caso concreto, este Regional, embora tenha reconhecido a nulidade processual, considerando não ter sido promovida a citação dos litisconsortes passivos necessários até a data da diplomação dos eleitos (termo final do prazo para o ajuizamento de representação por condutas vedadas), extinguiu desde logo o processo com resolução do mérito devido ao implemento da decadência do direito de ação, haja vista a impossibilidade de a recorrente emendar tempestivamente a inicial, decidindo, inclusive, sobre a sua responsabilização pela litigância de má-fé.

Sob este ângulo, cumpre asseverar que a litigância de má-fé, em sua gênese normativa, constitui ilícito processual de natureza extracontratual, que pode ser caracterizada de ofício pelo magistrado (art. 81, caput, do CPC), em qualquer fase do processo e grau de jurisdição, de forma autônoma e independente do próprio resultado do julgamento da lide, obrigando o infrator a arcar com o pagamento da penalidade de multa em virtude do prejuízo sofrido pela parte contrária (STJ, 3ª Turma, REsp n. 1127721/RS, Relatora Min. NANCY ANDRIGHI, julgado em 03.12.2009).

Enquanto infração de caráter processual, o instituto da litigância de má-fé destina-se a inibir o exercício abusivo de direitos e prerrogativas processuais e a frustração da confiança entre as partes, as quais, a despeito de ostentarem uma posição dialética, devem cooperar com o órgão judiciário na concretização da solução justa e adequada na situação concreta levada à sua apreciação, sem deturpar a finalidade pública do processo (art. 6º do CPC).

A conformação jurídica da litigância de má-fé, como se extrai da leitura do art. 80 do CPC, está ligada ao comportamento processual das partes, as quais, conquanto sejam livres para exercer o direito de ação independentemente da existência efetiva do direito subjetivo invocado em juízo, o que espelha a teoria abstrata da ação, bem como para eleger os meios que entendem mais idôneos à obtenção da tutela jurisdicional pretendida, não dispõem de espectro de liberdade que suplante a função social do devido processo legal enquanto método de resolução de litígios e pacificação social.

Dessa premissa deriva a exigência legal de que a conduta dos sujeitos processuais seja pautada pelas cláusulas gerais da lealdade, da probidade e da boa-fé (art. 5º do CPC), sob pena de incidirem em violação aos seus deveres éticos, independentemente da sua condição (autores, réus ou intervenientes) e da sucumbência na relação processual e, repito, da sorte do julgamento final da lide. (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018; MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2015, p. 167).

A adoção de entendimento diverso conduziria à nefasta conclusão, na hipótese sob análise, de que o reconhecimento do vício processual importaria a validação automática do comportamento deliberado e desleal da embargante, que, segundo fundamentos constantes no acórdão,

(...) provocou, de forma ardilosa e temerária, incidente manifestamente infundado com o nítido intuito de obstruir o trâmite regular do processo, mediante a desqualificação da atuação da agente ministerial, para obter vantagem processual com a reconsideração de decisão judicial que lhe havia sido desfavorável, incidindo em comportamento doloso que configura a litigância de má-fé, consoante normativa posta no art. 80, incs. V e VI, do CPC.

A despeito de não ter sido objeto dos aclaratórios, consigno que este Tribunal, tendo em conta os argumentos deduzidos pela embargante no recurso eleitoral, reduziu o valor da penalidade de multa para 01 (um) salário-mínimo, em atenção aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, por considerar ausente gravidade acentuada na sua conduta que justificasse o afastamento da sanção do grau mínimo cominado na legislação processual civil.

Logo, a insurgência da recorrente traduz, em verdade, um desdobramento argumentativo voltado à rediscussão da matéria enfrentada no acórdão, com o objetivo único de obtenção de excepcional efeito infringente, para afastar a multa pela litigância de má-fé que lhe foi imposta a partir do exame de todos os elementos essenciais ao deslinde dessa questão, devendo, portanto, ser objeto de recurso próprio dirigido à instância superior.

Desse modo, inexistindo contradição a ser sanada no acórdão, deixo de acolher a pretensão recursal ora deduzida.

Por fim, na linha do disposto no art. 1.025 do Código de Processo Civil, nada obstante o juízo de inadmissão dos aclaratórios, consideram-se incluídos no acórdão os elementos que a embargante suscitou para fins de prequestionamento.

Ante o exposto, VOTO pela rejeição dos embargos de declaração, nos termos da fundamentação.

É como voto, Senhor Presidente.