REl - 0600281-32.2020.6.21.0156 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/07/2021 às 14:00

VOTO

Passo ao exame da preliminar de nulidade da sentença, suscitada pelo recorrente em razão da falta de intimação para se manifestar do parecer de exame da unidade técnica, e adianto que não prospera.

No parecer conclusivo, consta que, “após emissão do Parecer de Exame da Prestação de Contas (ID 71059038), em conformidade com o art. 69, caput, da Resolução TSE n. 23.607/2019, o candidato foi diligenciado e, intimado, optou por não se manifestar, deixando de apresentar comprovantes e/ou esclarecimentos que pudessem sanar o apontamento”. Assim, do exame da tramitação dos autos eletrônicos nos sistemas PJe de primeiro e segundo graus, observa-se que a advogada da parte recorrente foi devidamente intimada da decisão que concedeu 3 (três) dias para manifestação sobre o parecer técnico de exame das contas.

A comunicação ocorreu dentro do sistema PJE, pelo ato de intimação de ID n. 71090411, com expedição eletrônica em 12.01.2021 às 16:16:38 e prazo até 15.01.2021 às 23:59:00.

Ressalto que a forma de intimação obedeceu à regra expressa prevista no § 4º do art. 26 da Resolução TRE-RS n. 347/20, segundo a qual as intimações nos processos de prestação de contas relativas às eleições de 2020 serão realizadas por meio de ato de comunicação via sistema no Processo Judicial Eletrônico (PJe), dispensando-se a publicação no Diário da Justiça Eletrônico (DJe) e desobrigando, até 12.02.2021, a observância do prazo de ciência de 10 (dez) dias previsto no art. 5º, § 3º, da Lei n. 11.419/06 (Resolução TSE n. 23.632/20, art. 6º; Resolução TRE-RS n. 338/19, art. 51).

Ademais, o art. 69, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19 versa que, sendo intimado do parecer preliminar, não há nova comunicação do parecer conclusivo, no tocante às mesmas falhas:

Art. 69. Havendo indício de irregularidade na prestação de contas, a Justiça Eleitoral pode requisitar diretamente ou por delegação informações adicionais, bem como determinar diligências específicas para a complementação dos dados ou para o saneamento das falhas, com a perfeita identificação dos documentos ou elementos que devem ser apresentados (Lei nº 9.504/1997, art. 30, § 4º). 
§ 4º Verificada a existência de falha, impropriedade ou irregularidade em relação à qual não se tenha dado ao prestador de contas prévia oportunidade de manifestação ou complementação, a unidade ou o responsável pela análise técnica deve notificá-los, no prazo e na forma do art. 98 desta Resolução.

Dessa forma, uma vez que o relatório técnico conclusivo não inovou em relação ao relatório preliminar, não há que se falar em necessidade de nova intimação, face à preclusão para o saneamento dos vícios apontados.

Portanto, afasto a preliminar arguida.

Passando ao mérito, as contas foram desaprovadas em virtude de o candidato extrapolar em R$ 1.708,70 o limite de gastos de 10% com recursos próprios, no valor de R$ 1.230,78, para o cargo de vereador no Município de Capivari do Sul, nas eleições de 2020, pois contribuiu com a quantia de R$ 2.939,47 para a própria campanha, conforme aponta a sentença recorrida:

[…]

Pois bem, compulsando os autos verifico que o valor dos recursos próprios aplicados pelo candidato na campanha supera em R$ 1.708,70 [soma dos recursos próprios menos 10% do limite de gastos fixado para a candidatura] o limite previsto no art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/2019, como apontado no Parecer Conclusivo (ID 72884844).

Trata-se de irregularidade grave e insanável que compromete a lisura das contas, haja vista que o total de recursos financeiros arrecadados e declarados pelo candidato na campanha corresponde à R$ 2.939,47 (100%), sendo que a extrapolação de recursos próprios, no montante de R$ 1.708,70, corresponde à 58,13% dos recursos financeiros. Cabe ainda ressaltar que o total de recursos financeiros utilizados na campanha são provenientes do candidato, havendo, além disso, somente R$ 200,00 de receitas/despesas estimáveis em dinheiro cuja origem é o FEFC.

Assim, a desaprovação das contas e o recolhimento de 100% da quantia considerada irregular ao Tesouro Nacional, no montante de R$ 1.708,70 (um mil, setecentos e oito reais e setenta centavos), na forma do art. 6º c/c art. 27, § 4º, e do art. 74, inciso III, todos da Resolução TSE n. 23.607/2019, é medida que se impõe, sem prejuízo de o excesso ser verificado nas representações de que tratam o art. 22 da Lei Complementar n. 64/1990 e o art. 30-A da Lei n. 9.504/1997.

[...]

As razões recursais não afastam a irregularidade, pois o entendimento do recorrente quanto aos dispositivos violados não encontra amparo legal.

O candidato aplicou recursos financeiros próprios na campanha, em espécie, no valor de R$ 2.939,47. Dessa quantia, alega que a importância de R$ 700,00 correspondeu ao dispêndio com pagamento de honorários de prestação de serviços de contabilidade. Reconhece que o teto de gastos para o cargo era de R$ 12.307,75, limitando o emprego de receitas pessoais a 10% desse montante, ou seja, R$ 1.230,78. No entanto, defende que não podem ser computadas nas despesas, com fulcro no § 4º do art. 26 da Lei n. 9.504/97, incluído pela Lei n. 13.877/19, as despesas com pagamento de honorários decorrentes da prestação de serviços advocatícios e de contabilidade.

Não assiste razão ao recorrente.

Como o limite de gastos para o cargo em tela, no Município de Capivari do Sul, era de R$ 12.307,75, estando o candidato limitado ao uso de 10% deste valor em recursos próprios, ou seja, R$ 1.203,78, houve o excesso de autofinanciamento de R$ 1.708,70.

A tese recursal de que não se deve somar às receitas financeiras honorários contábeis e advocatícios ao contabilizar o limite do autofinanciamento não encontra amparo legal e, por isso, não afasta a irregularidade. Assim, não merece reforma a sentença, pois o prestador de contas utilizou-se de recursos próprios para sua candidatura que extrapolaram o teto da norma eleitoral, descumprindo o art. 23, § 2º-A, da Lei n. 9.504/97.

Cumpre anotar que o art. 26, § 4º, da Lei n. 9.504/97, invocado nas razões recursais, trata tão somente do total de despesas que o candidato pode arcar durante a campanha, para cuja soma fica dispensada a inclusão de honorários advocatícios e contábeis. Este regramento é geral e faculta o emprego de recursos da campanha, do Fundo Partidário e do FEFC, além dos do próprio candidato (§ 5º). No entanto, a regra aplicada no parecer conclusivo e na sentença é a do art. 23, § 2º-A, do mesmo diploma, que se refere aos gastos que o candidato pode adimplir com valores próprios, e estes devem obedecer ao limite legal. Veja-se o texto das normas elencadas, litteris:

Art. 26.  São considerados gastos eleitorais, sujeitos a registro e aos limites fixados nesta Lei: (Redação dada pela Lei nº 11.300, de 2006)

§ 4º  As despesas com consultoria, assessoria e pagamento de honorários realizadas em decorrência da prestação de serviços advocatícios e de contabilidade no curso das campanhas eleitorais serão consideradas gastos eleitorais, mas serão excluídas do limite de gastos de campanha. (Incluído pela Lei nº 13.877, de 2019)

§ 5º  Para fins de pagamento das despesas de que trata este artigo, inclusive as do § 4º deste artigo, poderão ser utilizados recursos da campanha, do candidato, do fundo partidário ou do FEFC. (Incluído pela Lei nº 13.877, de 2019)

Art. 23.  Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto nesta Lei.          (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2º-A.  O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer. (Incluído pela Lei nº 13.878, de 2019)

A diferença de regulamentação é significativa para utilização de recursos oriundos de outras fontes que não do próprio candidato, pois, para o autofinanciamento, há limite isonômico de 10% do limite de gastos para todos os concorrentes, de acordo com o cargo pleiteado.

Ao não excepcionar os gastos, inclusive de honorários, a norma visa garantir a igualdade, ainda que relativa, entre os concorrentes, ou seja, é uma forma de mitigar eventuais desequilíbrios patrimoniais prévios dos candidatos, que poderiam interferir de modo substancial nos resultados da campanha.

Nessa linha, oportuno trazer as considerações da douta Procuradoria Regional Eleitoral:

No tocante à irregularidade, não merece reforma a sentença, pois o(a) prestador(a) realizou doações para a própria candidatura em valor superior ao limite de 10% previsto para gastos na campanha que concorreu, descumprindo o art. 23, § 2-A, da Lei 9.504/97.

O fato não é negado pelo(a) recorrente, que tão somente alega que efetuou gastos de R$ 700,00 a título de serviços de contabilidade, razão pela qual defende que esse valor deve ser excluído do limite de gastos de campanha, nos termos do § 4º do art. 26 da Lei nº 9.504/97 (incluído pela Lei nº 13.877/2019.

Ocorre que os argumentos trazidos pelo(a) recorrente não merecem acolhida, vez que existem regras distintas a fim de disciplinar situações distintas. Uma delas trata do limite global de gastos, ao qual, de fato, não se encontram sujeitos “os gastos advocatícios e de contabilidade referentes a consultoria, assessoria e honorários, relacionados à prestação de serviços em campanhas eleitorais e em favor destas, bem como em processo judicial decorrente de defesa de interesses de candidato ou partido político”, nos termos do § 5º do art. 4º da Resolução TSE nº 23.607/2019. Tal norma se refere ao plano da despesa. Já a outra regra é aquela aplicada no caso, pertinente ao âmbito das receitas de campanha, e que estabelece, de maneira objetiva, que “o candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer”.

Como referido, a regra prevista no art. 23, § 2-A, da Lei 9.504/97 é objetiva, somente é possível o autofinanciamento que importe em 10% do limite previsto para gastos nas campanhas dos diversos cargos. Esse limite, por sua vez, é estabelecido de acordo com a previsão contida no art. 18-C da Lei das Eleições. Definido o limite para o cargo em relação a determinado município, automaticamente está estabelecido o valor que o candidato pode aportar para sua campanha.

A regra que exclui dos limites de gastos as despesas com advogado e contador é uma exceção e, como tal, deve ser interpretada restritivamente. Assim, aplicável apenas para permitir que o candidato, no tocante ao total de suas despesas extrapole o limite legal no que diz com os referidos gastos.

Aqui, impõe-se a aplicação do princípio da igualdade na disputa eleitoral. Outros candidatos certamente cumpriram o dispositivo legal e limitaram seus gastos de campanha com recursos próprios, o(a) recorrente não o fez, desequilibrando a disputa de forma ilícita, daí a necessidade de aplicação da sanção prevista no art. 27, § 4º, da Resolução 23.607/2019 (art. 23, § 3º, da Lei das Eleições).

O candidato argumenta que, devido à sua boa-fé e ao não recebimento de recursos de origem não identificada, não se justificaria a desaprovação das contas, sendo possível a sua aprovação por aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Entretanto, o caso em análise não trata de verificação de má-fé ou de conduta dolosa, nem de apuração de prática de abuso do poder econômico ou, ainda, da origem dos recursos, mas de violação à expressa disposição do art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

§ 2º É vedada a aplicação indireta de recursos próprios mediante a utilização de doação a interposta pessoa, com a finalidade de burlar o limite de utilização de recursos próprios previstos no artigo 23, § 2º-A, da Lei 9.504/2017.

§ 3º O limite previsto no caput não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador ou à prestação de serviços próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 7º).

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990  (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º).

(...)

Desse modo, a irregularidade perfaz o montante de R$ 1.708,70 em excesso de gastos operados com recursos próprios do candidato, o que representa 54,42% das receitas declaradas (R$ 3.139,47).

Ademais, diferentemente do alegado pelo recorrente, a falha ultrapassa o valor de parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Assim, torna-se inviável a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovar a prestação de contas, ainda que com ressalvas. Acerca da incidência dos aludidos princípios sobre irregularidades, cumpre trazer à colação a ementa de julgado proferido por este Regional:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATOS. PREFEITO E VICE. ELEIÇÕES 2016. DOAÇÃO IRREGULAR. DEPÓSITOS EM ESPÉCIE NA CONTA DE CAMPANHA ACIMA DO LIMITE REGULAMENTAR. NÃO IDENTIFICADA A ORIGEM MEDIATA DAS DOAÇÕES. ART. 18, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. RECOLHIMENTO DOS VALORES AO TESOURO NACIONAL. EXISTÊNCIA DE DÍVIDA DE CAMPANHA SEM COMPROVAÇÃO DA ASSUNÇÃO DO DÉBITO PELO PARTIDO POLÍTICO. ART. 27, §§ 2º e 3º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. FALHAS DE VALOR ABSOLUTO SIGNIFICATIVO. INVIÁVEL A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE DESAPROVAÇÃO. AFASTADO O APONTAMENTO RELATIVO À REALIZAÇÃO DE DESPESA ANTERIOR AO REGISTRO DE CANDIDATURA. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Doações realizadas por pessoas físicas em valor igual ou superior a R$ 1.064,10 somente são permitidas na modalidade de transferência eletrônica direta, conforme o disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15. O objetivo legal é impedir operações transversas que ocultem ou dissimulem eventuais ilicitudes, como a utilização de fontes vedadas de recursos e a desobediência aos limites de doação. Incontestável o recebimento de depósitos em dinheiro cuja soma extrapola o limite normativo e sem a comprovação da origem mediata dos recursos. Montante efetivamente empregado na campanha. Irregularidade que compromete a confiabilidade das contas. Mantido o recolhimento do valor correspondente ao Tesouro Nacional. 2. A teor do art. 27, §§ 2º e 3º, da Resolução TSE n. 23.463/15, as despesas de campanha de candidato não adimplidas até o prazo de apresentação das contas podem ser assumidas pelo partido político, por meio de decisão do órgão nacional da grei partidária. Ausente prova da assunção da dívida, a falha deve ser aferida na oportunidade do julgamento, no conjunto da prestação de contas. 3. O valor total das irregularidades atinge 25,22% da arrecadação, sendo inviável a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Manutenção da sentença de desaprovação. Afastada, contudo, a apontada falha com referência à realização de despesa anterior ao registro de candidatura. 4. Provimento parcial.
(TRE-RS – Rel n. 58564 SANTO ÂNGELO - RS, Relator: JORGE LUÍS DALL’AGNOL, Data de Julgamento: 09.4.2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 59, Data: 11.4.2018, p. 3.) (Grifei.)

 

O pagamento da penalidade de multa de até 100% da quantia em excesso encontra previsão no art. 27, §§ 1º e 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19, e o patamar estabelecido na sentença de primeiro grau em seu percentual máximo, correspondente ao valor de R$ 1.708,70, afigura-se adequado à falha verificada.

Por derradeiro, embora seja procedente a alegação de que houve equívoco no parecer conclusivo e na sentença ao referirem o recebimento de valores do Fundo Especial de Campanha (FEFC), pois houve a obtenção apenas de receitas procedentes de pessoa física, verifica-se que essa circunstância não fundamentou a desaprovação das contas e que, portanto, não afasta a mácula constatada.

Destarte, tendo em vista que a irregularidade representa quantia expressiva, o recurso não comporta provimento, devendo ser mantida a desaprovação das contas e o recolhimento do valor exorbitante.

Ressalto que deve ser corrigido, de ofício, o erro material da sentença ao destinar o valor da multa para o Tesouro Nacional, pois a sanção por excesso do limite de autofinanciamento deve ser recolhida ao Fundo Partidário, na forma do art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95.

Diante do exposto, afasto a matéria preliminar e VOTO pelo desprovimento do recurso para desaprovar as contas, mantendo a multa no valor de R$ 1.708,70, e retifico a destinação da multa ao Tesouro Nacional, a fim de que seja recolhida ao Fundo Partidário, nos termos da fundamentação.