REl - 0600535-11.2020.6.21.0057 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/07/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Em preliminar, os recorrentes pleiteiam a nulidade da sentença, alegando cerceamento de defesa em virtude do indeferimento da oitiva de testemunhas.

Tenho que a matéria foi exaustivamente tratada nas decisões dos ID 40848283 e 40848533. As testemunhas Sabrina e Estela sequer foram arroladas na inicial ou mencionadas na Ata de Audiência (ID 40847583). Ademais, o requerimento foi formulado pela Promotoria Eleitoral e indeferido sem que tenha havido irresignação.

Nesse sentido, a manifestação da douta Procuradoria Eleitoral:

O requerimento de oitiva de testemunhas referidas foi feito pela Promotoria Eleitoral, tendo os autores restado silentes na oportunidade.

Posteriormente, em decisão devidamente fundamentada, foi indeferida a oitiva das testemunhas referidas, não tendo se insurgido o Parquet em nenhum momento, demonstrando anuência com a decisão.

No tocante à oitiva de terceiros referidos pelas partes ou testemunhas, o inciso VII do art. 22 da Lei Complementar n.º 64/90 dispõe, in verbis:

Art. 22

[…]

VII - no prazo da alínea anterior, o Corregedor poderá ouvir terceiros, referidos pelas partes, ou testemunhas, como conhecedores dos fatos e circunstâncias que possam influir na decisão do feito;

Por sua vez, o TSE assentou que a oitiva de testemunhas referidas é uma prerrogativa do Juízo, conforme acórdão que restou assim ementado, in verbis:

AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. OITIVA DE TESTEMUNHAS REFERIDAS.

1. O recurso cabível contra decisão denegatória de mandado de segurança é o recurso ordinário, nos termos dos arts. 121, § 4º, inciso V, da Constituição Federal e 276, inciso II, b, do Código Eleitoral.

2. Conforme expressamente dispõe o art. 22, VII, da Lei Complementar nº 64/90, é facultada ao juízo eleitoral a oitiva de testemunhas referidas.

3. A oitiva de testemunhas referidas não ofende os princípios do contraditório e da ampla defesa, nem causa efeito surpresa, considerada a necessidade de produção de tal prova, de acordo com a convicção do juízo eleitoral.

4. Agravo regimental não provido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 5184807, Acórdão, Relator(a) Min. Arnaldo Versiani, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 194, Data:10.10.2011, Página 94.) (Grifou-se.)

Evidente que essa faculdade não pode descambar para o arbítrio, o que não é o caso dos autos, vez que, como referido, o indeferimento restou justificado pelo juízo a quo, nos seguintes termos, in verbis:

Consoante consta no termo de audiência do evento 76818607, o Juízo concedeu prazo de 02 (dois) dias para que o Ministério Público indicasse e qualificasse as testemunhas referidas que pretendia ouvir. O Ministério Público foi intimado para tanto no dia 04/02/2021. Durante o prazo concedido, não houve qualquer manifestação do Parquet, mas sim do investigante (evento 77108045), o qual deveria já ter arrolado as testemunhas que pretendia ouvir na inicial. O Parquet, só se manifestou dois dias após o esgotamento do prazo, simplesmente ratificando a manifestação anterior dos investigantes. Diante de tal contexto, o que se constata é a ocorrência da preclusão, não podendo o procedimento ser desconsiderado e, mais do que isso, ser alterado em prejuízo do investigado. Ressalte-se que, a rigor, não foi justificada a efetiva relação dos novos fatos que deveriam ser relatados a partir da oitiva das pessoas mencionadas, de passagens, pelas testemunhas já ouvidas com o fato que deu ensejo ao presente processo, bem descrito e delimitado na exordial, qual seja, a suposta compra de voto da eleitora Vanessa. De tal modo, a rigor, sem que tenha havido a devida justificativa, o que se conclui é que a oitiva das mencionadas testemunhas teria o condão de ampliar o objeto do processo, tumultuando o feito. Em assim sendo, não há como se reabrir a instrução, ampliando o objeto do processo, violando-se as regras procedimentais pertinentes, bem como a própria garantia da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII da CF).

Isso posto, indefiro o pedido para a oitiva de novas testemunhas, declarando encerrada a instrução e abrindo prazo comum de 02 dias (art. 22, X da Lei Complementar nº 64/1990) para o oferecimento de memoriais pelo investigante e investigado. Após, ao MinistérioPúblico, para o oferecimento de parecer final também no prazo de 02 (dois) dias.

Intimem-se.

Em 15.02.2021, os investigantes apresentaram requerimento (ID 40848433) postulando a reconsideração da decisão, o qual foi indeferido pelo Juízo (ID 40848533), igualmente, de modo fundamentado, ao argumento de que a oitiva de testemunhas referidas, com a consequente extensão da fase instrutória, em prejuízo da garantia da razoável duração do processo só se mostra cabível quando devidamente comprovado ao julgador que tal prova a ser produzida é essencial para o deslinde da questão deduzida em Juízo. No caso, diante do objeto do presente processo e do que foi referido pelas testemunhas já ouvidas, não há nem mesmo a indicação de que a oitiva das testemunhas referidas teria ligação com o objeto do processo, bem delineado pelos investigantes na inicial. Destarte, o indeferimento se impõe, não havendo de se cogitar em cerceamento de defesa. Destarte, a decisão de indeferimento das testemunhas referidas decorreu da ausência de demonstração de que as mesmas fariam prova dos fatos descritos na inicial, entendendo o juiz a quo que a finalidade da oitiva das mesmas eram ampliar o objeto litigioso, o que seria vedado nesse momento.

Tendo em vista que o Tribunal Superior Eleitoral assentou o entendimento de que é facultada ao Juízo eleitoral a oitiva de testemunhas referidas, conforme expressamente previsto no art. 22, inc. VII, da Lei Complementar nº 64/90, e restando devidamente fundamentada a decisão de indeferimento, verifica-se que não restou configurado o alegado cerceamento de defesa a ensejar a nulidade da sentença.

Destarte, a rejeição da presente preliminar é medida que se impõe.

 

Assim, operada a preclusão, rejeito a prefacial de cerceamento de defesa.

No mérito, a Ação de Investigação Judicial Eleitoral proposta versa sobre suposta captação ilícita de sufrágio, ilícito cível previsto no art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Segundo constou na exordial (ID 40845783), o candidato Maher Jaber Mahmud teria entregue valores em troca de votos nas eleições passadas, o que restou consignado em declarações juntadas aos autos com a petição inicial.

No ponto, o Juízo da 057ª Zona Eleitoral de Uruguaiana julgou improcedente (ID 40848983) a ação manejada nos seguintes termos:

Os investigantes alegaram a prática de abuso de poder econômico e captação ilícita de sufrágio pelos investigados (art. 22, caput, da Lei Complementar nº 64/1990). Mais especificamente, invocaram a regra do art.41-A da Lei das Eleições, in verbis:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de 1990. (Incluído pela Lei n. 9.840, de 1999.) (Grifei.)

O abuso de poder é um conceito aberto que deve ser densificado pelo Julgador, tendo como mote principal o equilíbrio da disputa eleitoral. Nessa linha, bem ensinou o Ministro Oscar Corrêa no Recurso Eleitoral nº 6.350-CI4ªCE:

Há de ser sempre a caracterização do abuso do poder econômico quaestio que depende de circunstâncias de toda a ordem, às quais não são estranhas as realidades de cada campanha, a postura dos candidatos, o clima político local, e todos os mais componentes do quadro que a distingue.

Nesse mesmo sentido, a dicção do art. 19, parágrafo único, da Lei Complementar nº 64/1990 e do art. 22, XVI do mesmo diploma:

Art. 19.(...)

Parágrafo único. A apuração e a punição das transgressões mencionadas no caput deste artigo terão o objetivo de proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou do abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta, indireta e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. (grifei).

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. (Grifei.)

O abuso, por conseguinte, configura-se diante de uma conduta que transborda do ordinário, levando a um desequilíbrio não natural da disputa entre os candidatos.

A compra de votos, tal como alegada, evidentemente, caracteriza uma ato de abuso de poder econômico gravíssimo. A questão a ser dirimida é se a prova coligida aos autos é suficiente para a comprovação dos aludidos atos, a controvérsia, portanto, resta estabelecida exclusivamente quanto aos fatos.

O fato narrado na inicial dizia respeito, exclusivamente, a testemunha Vanessa Borges Barrios. A referida testemunha prestou uma declaração com firma reconhecida alegando os fatos (evento nº 57989723). Declaração similar foi prestada por Emerson Laudelino Alvarenga Brazeiro (evento nº  57989724), o qual aludiu ter "vendido" o seu voto para os investigados por R$ 400,00 (quatrocentos reais) e Flávia Lidiane Patta Figueiredo, que relatou ter "vendido" o seu voto por R$ 320,00 (trezentos e vinte reais) (evento nº 57989725).

As testemunhas quando ouvidas em juízo, confirmaram o teor das declarações, não obstante também confessaram que apoiaram os investigantes, então também candidatos a Prefeito. Vanessa alegou que procurou o investigado Mário, o questionando sobre a campanha eleitoral, sendo que este disse que se ela estivesse precisando de alguma ajuda, deveria ir até o comitê eleitoral, tendo, então, a testemunha ido até o comitê e conversado com o investigado Maher e pedido ajuda. Este, então, teria oferecido ajuda, acaso ela votasse nele, tendo ela, desta forma, cumprido a promessa, já que ele lhe ajudou, lhe repassando dinheiro, 500,00 (quinhentos reais). A testemunha, porém admitiu que apoiava na internet, via Facebook, o, então, candidato ora investigante, Carlos Alberto, vulgo "Canjiquinha". Relatou que, como o Município era pequeno, todo mundo se conhecia e que, desde o início da campanha, apoiou o candidato ora investigante, fazendo isso até o pleito. Aludiu, no entanto, ter votado no investigado Maher, por ter recebido dinheiro dele. Admitiu ter feito propaganda até a véspera do pleito, explicitamente, para o investigante. Referiu que negociou o seu voto na sexta feira antes da eleição, ou seja, dois dias antes do pleito (evento nº 76783484). Afirmou que ninguém viu quando Maher lhe repassou o dinheiro. Asseverou que não foi procurada, após o término das eleições, para confirmar que havia votado no investigado. Confirmou ter feito as postagens em apoio ao candidato Carlos Alberto, inclusive no dia em que teria recebido o dinheiro do investigado. Aludiu que Maher sabia que ela era apoiadora de "Canjiquinha", ainda assim, quis comprar o voto dela. Afirmou que não pediu ajuda para "Canjiquinha" porque foi só no dia que o investigante Mário apareceu na sua casa é que estava precisando desesperadamente do dinheiro. Aludiu que, depois das eleições, é que passou a entender como errado o aludido fato de Maher ter comprado o voto dela (evento nº 76775198).

Flávia Lidiane reconheceu a declaração firmada por ela, cuja cópia foi acostada aos autos. Narrou que estava construindo uma casa, tendo, então, pedido ajuda ao candidato a Vereador Richard, o qual teria dito que prestaria a assistência em troca de votos. Disse que, três dias após o feriado de finados, recebeu R$ 320,00 (trezentos e vinte reais) de Richard, em troca do apoio dela e da família a Maher nas eleições. Maher teria comparecido durante a campanha na casa da testemunha para pedir apoio a ela. Aludiu acreditar que Maher soubesse que ela recebera dinheiro em troca de voto. Referiu que recebeu o dinheiro de Richard cerca de três dias depois do feriado de finados. Admitiu ter trabalhado, juntamente com a família, durante a campanha, para o candidato, ora investigante, Carlos Alberto. Confessou que também apoiou, por meio de postagens em redes sociais, o investigante Carlos Alberto, bem como ter prestado esse apoio, mesmo depois de ter "vendido" o seu voto em favor de Maher. Afirmou que não foi Maher quem lhe entregou o dinheiro. Informou que a declaração juntada aos autos foi redigida pelo seu irmão e teria sido feita só para ela por ele (evento nº 76789769).

A testemunha Neida Amaral afirmou conhecer a testemunha Vanessa Barrios. Asseverou que a referida testemunha apoiou, durante a campanha, o ora investigante "Cajiquinha", tendo inclusive estado a frente da última carreata deste, "carreata luminosa". Afirmou que Vanessa era claramente adversária política do investigado Maher (evento nº 76832868).

Por sua vez, o informante Leonardo Scola confirmou conhecer a testemunha/denunciante Vanessa, tendo afirmado que ela era apoiadora do candidato ora investigante "Canjiquinha". Asseverou que era nítido que ela era adversária de Maher, o mesmo ocorrendo em relação a testemunha Flávia, tendo elas participado de carreatas em favor de Carlos Alberto (evento nº 76825245).

Como se percebe, a prova dos aludidos atos de abuso do poder econômico/captação ilícita de sufrágio resume-se às declarações ratificadas pelos depoimentos testemunhais das mesmas pessoas que firmaram as declarações. Ou seja, à palavra dos próprios acusadores.

Ainda que a boa fé deva sempre ser presumida, não há como se desconsiderar a circunstância de que todos esses denunciantes laboraram na campanha e/ou apoiaram explicitamente os investigantes, então candidatos concorrentes dos investigados no último pleito eleitoral. Nesse sentido, bem comprovaram as postagens cujo print screen foi apresentado nos eventos nº 64970001, 64970004, 64970006, 64970007, 64970009, 64970010, 64970012, 64970014, 64970015, 64970016. Ademais, tanto a testemunha Neide, quanto o informante Leonardo afirmaram que a denunciante Vanessa era explícita apoiadora do então candidato ora investigante Carlos Alberto, por conseguinte, adversária política dos investigados. Por fim, confrontadas com tais fatos, as próprias denunciantes/testemunhas Vanessa e Flávia acabaram por admitir que apoiaram/trabalharam durante a campanha para os investigantes, contra os investigados.

É inegável, por conseguinte, que tal circunstância retira a credibilidade das testemunhas arroladas pelos investigantes, mormente levando-se em consideração o comportamento absolutamente contraditório apresentado por elas que, embora tenham afirmado ter votado nos investigados, por conta da aludida negociação escusa entabulada com eles, ou em benefício deles, apoiaram, durante toda a campanha, os investigantes, adversários políticos dos investigados.

Ressalte-se que a contradição é ainda mais manifesta quando se observa que, mesmo depois das aludidas negociações escusas, as denunciantes continuaram a exercer atos explícitos de apoio não aos investigados, que teriam lhe pago, mas sim aos investigantes, não tendo nem sequer sido cobradas por tal comportamento pelos investigados.

Ainda, é de se estranhar que as denunciantes, apoiadoras dos investigantes tenham justamente procurado os investigados para pedir ajuda e não os candidatos a quem apoiavam durante o pleito.

Ora, se é fato que os investigados teriam interesse em angariar votos junto àqueles que não seriam seus eleitores fiéis, como, inteligentemente, apontaram os investigantes em sede de memoriais, não é menos crível que também não perderiam tempo e recursos fornecendo valores a quem, manifestamente, já tinha explicitado apoio ao adversário político, como no caso, cabendo salientar, nesse sentido, que o Município de Barra do Quaraí-RS consubstancia-se em uma cidade pequena, na qual todos se conhecem, conforme aludido por todas as testemunhas ouvidas.

Causa espécie também que, somente depois do pleito, as denunciantes tenham tido uma crise de consciência, denunciando, exatamente da mesma forma - declarações escritas -, o suposto ato ilícito, ainda que não tivessem relação entre si.

O standart probatório exigido em uma ação com o potencial de alterar o resultado das eleições não há de deixar margem considerável para dúvidas. Na dicção consagrada pela jurisprudência, a prova para o reconhecimento da captação ilícita de sufrágio há de ser robusta. Nesse sentido, já se manifestou o Egrégio TSE:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. VEREADOR ELEITO. AIJE. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. GRAVAÇÃO AMBIENTAL ILÍCITA. DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS ILÍCITOS POR DERIVAÇÃO. PROVA ROBUSTA. INEXISTÊNCIA. RECURSO PROVIDO. ACÓRDÃO REGIONAL REFORMADO. PENALIDADE AFASTADA. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. DESPROVIMENTO.

1. Esta Corte Superior, em 1º.7.2014, ao negar provimento ao agravo regimental interposto pelo Ministério Público Eleitoral, manteve a decisão proferida pela e. Ministra Luciana Lóssio, minha antecessora, mediante a qual foi provido o primeiro recurso especial interposto pelo recorrente, ora agravado, para declarar a ilicitude das gravações em áudio juntadas aos autos e determinar o retorno do feito ao juízo de origem para novo julgamento da ação, com a exclusão dessas provas e de outras eventualmente delas derivadas.

2. Em 20.1.2017, adveio nova decisão proferida pelo juízo da 89ª Zona Eleitoral de Conselheiro Pena/MG - entendeu que as demais provas dos autos não são provenientes da gravação ambiental ilícita - por meio da qual foi mantida a condenação de Guilhermino Batista de Magalhães, então vereador e candidato à reeleição no pleito de 2012, pela prática de captação ilícita de sufrágio e, por conseguinte, a multa aplicada no valor de 10.000 (dez mil) UFIRs, afastada, contudo, a cassação do mandato, haja vista o término da legislatura.

3. O TRE/MG, por maioria de votos, ao negar provimento ao recurso eleitoral interposto pelo investigado, ora agravado, manteve íntegra a sentença.

4. Contudo, extrai-se do acórdão regional que o limiar da AIJE é o exato momento em que a Sra. Sônia Maria Viana da Silva entregou a gravação ambiental ilícita ao Sr. Batista - "(...) que dois ou três dias antes das eleições a depoente [Sônia Maria Viana da Silva] passou a gravação para o Sr. Batista, candidato a prefeito pela investigante; que foi a própria depoente quem disse a Batista que tinha a gravação; que Batista disse que passaria a gravação para o computador, não mencionando o que iria fazer" (fl. 862) -, candidato a prefeito pela coligação investigante.

5. Logo, em sentido contrário à inferência do TRE/MG - "não foi, portanto, a gravação realizada que possibilitou a produção da prova testemunhal, mas a decisão de relatar o fato (visita do candidato e seu teor) por um dos eleitores que dele participou" (fl. 862) -, os testemunhos utilizados para alicerçar a decisão condenatória ocorreram tão somente em virtude da existência da gravação ambiental, motivo pelo qual, de acordo com a teoria dos frutos da árvore envenenada, são ilícitos por derivação. Precedente.

6. A Corte Regional não assentou a existência de prova inequívoca de outra situação fática capaz de dar origem aos depoimentos testemunhais (teoria da fonte independente) ou que seriam produzidos de qualquer modo, independentemente da prova originária ilícita (teoria da descoberta inevitável), na medida em que o ato de relatar se confunde com o ato de entrega da gravação ambiental ilícita.

7. Ainda que assim não fosse, a prova considerada válida pelo Tribunal a quo, exclusivamente testemunhal - três depoimentos, dentre eles o da eleitora que efetuou a gravação e o da testemunha arrolada pela defesa -, não é suficiente para a comprovação da alegada captação ilícita de sufrágio.

8. Do voto-vista divergente proferido pelo Juiz Ricardo Matos de Oliveira, verifica-se que, embora as testemunhas tenham indicado que o agravado tentou "comprar votos", há evidente dissonância nos depoimentos do casal de eleitores sobre quais seriam as benesses ofertadas, o que acarreta em dúvida apta a atrair o princípio do in dubio pro sufragio.

9. Além disso, Armando dos Reis Viana, testemunha da defesa que "não presenciou a conversa" (fl. 863), apenas confirmou que o agravado esteve, em data próxima às eleições, na casa de Sônia Maria Viana da Silva e de Nilton Miranda de Moura.

10. Inexistente, portanto, prova robusta da prática de captação ilícita de sufrágio, a AIJE deve ser julgada improcedente para afastar a condenação confirmada pela Corte Regional. Precedente.

11. As razões postas no agravo regimental não afastam minha convicção, motivo pelo qual mantenho a decisão agravada.

12. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 86646, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 208, Data: 18.10.2018, Página 52/53.) (Grifei.)

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2014. DEPUTADO ESTADUAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE VOTOS. ART. 41-A DA LEI 9.504/97. AUSÊNCIA DE PROVAS ROBUSTAS E DE QUE O CANDIDATO PARTICIPOU OU
ANUIU COM A SUPOSTA CONDUTA. DESPROVIMENTO.
1. Autos recebidos no gabinete em 11.10.2016.

2. Captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei 9.504/97) exige prova robusta de finalidade de se obter votos e de anuência do candidato, e, ademais, pode ser demonstrada com base apenas em testemunhos, desde que coesos e
inequívocos. Precedentes.

3. Não há elementos consistentes de que Midielson da Silva Pereira (delegado de coligação) ofereceu dinheiro a duas pessoas em troca de votos para Pio X Sampaio Leite (candidato a deputado estadual pelo Pará em 2014).

4. Na espécie: a) em abordagem policial não se encontrou dinheiro em posse de Midielson ou dos eleitores em princípio cooptados; b) a circunstância de Midielson portar material de propaganda em automóvel, por si só, não configura
ilícito, eis que trabalhou para coligação do candidato; c) os depoimentos dos eleitores - em tese abordados ao mesmo tempo - não convergem sequer no tocante à quantia; d) inexiste notícia de proposta a terceiros; e) nenhuma outra testemunha presenciou o
fato.

5. Ausentes, ainda, indícios mínimos de que o candidato anuiu com a suposta conduta. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Ordinário n. 318392, Acórdão, Relator Min. Herman Benjamin, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Data: 04.11.2016, Página 174.) (Grifei.)

No caso, assim como nos casos paradigmas, não há prova robusta de que os atos de captação ilícita de sufrágio com abuso de poder econômico tenham ocorrido, não podendo a comprovação destes restar resumida apenas a declarações feitas após ao pleito por apoiadores dos candidatos derrotados, sob pena de afronta ao princípio democrático e da segurança jurídica;

 

O tema tem previsão legal no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, cuja redação é a seguinte:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990. (Incluído pela Lei nº 9.840, de 1999)

§ 1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2º As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

 

É necessária a demonstração de que o candidato realizou uma das condutas da supracitada norma, mesmo que não seja possível determinar exatamente qual foi o eleitor eventualmente corrompido.

Sobre o conjunto probatório, o ilustre Procurador Regional Eleitoral manifestou-se da seguinte forma:

Em que pese as testemunhas arroladas pela parte autora, Vanessa Bairros e Flávia Figueiredo, terem prestado compromisso, a credibilidade de seus depoimentos é colocada em dúvida diante de circunstâncias pessoais que indicam sua possível parcialidade. Isso porque a prova oral e documental produzida nos autos comprovam que Vanessa e Flávia apoiaram o candidato a Prefeito pelo Partido dos Trabalhadores – PT, CARLOS ALBERTO DA ROSA FILHO, também conhecido pelo apelido de “Carlinhos Canjiquinha”, e adversário político dos investigados recorridos MAHER e MÁRIO SCAPIN. A testemunha Vanessa Borges Bairros, após rejeitada a contradita, prestou compromisso. Mostrada para a testemunha (ID 40847683, a partir de 02:56), a página de seu Facebook e perguntada se as postagens foram feitas no dia em que teria recebido R$ 500,00 diretamente do candidato MAHER, dois dias antes da eleição, disse que sim. Questionada se “Carlinhos Canjiquinha” é o candidato a Prefeito CARLOS ALBERTO DA ROSA FILHO e que concorria diretamente com o candidato MAHER, respondeu que sim. Indagada se a Flávia a que se referiu é a Flávia Lidiane Patta Figueiredo, disse que não sabia o sobrenome dela, mas que ela estava ali fora da sala de audiência, salientando que ela também recebeu dinheiro, mas não sabe dizer o valor, bem como cesta básica. Asseverou que se comprometeu em votar no MAHER quando recebeu o dinheiro e disse para a sua família votar nele. Perguntada por que depois de ter recebido o dinheiro continuou fazendo campanha para outro candidato, disse que foi porque assumiu o compromisso com MAHER e porque este a ajudou, embora quisesse votar no candidato “Carlinhos” desde o início. Questionada se não teve receio de MAHER saber que continuou fazendo campanha para o candidato adversário, respondeu que “MAHER sabia que eu era do Carlinhos, só que como ele me disse eu te ajudo mas o seu voto tem de ser pra mim”. Indagada por que não pediu ajuda ao candidato que apoiava, disse que não estava precisando de ajuda, mas no dia 13.11.2020, a situação mudou, pois precisou comprar gás e como MÁRIO SCAPIN (candidato a Vice-Prefeito na chapa de MAHER) trabalha em uma empresa de gás, ele foi à sua residência para fazer a entrega do gás e, durante a conversa, ele disse que se precisava de alguma coisa era para ir no comitê. Por isso, nesse mesmo dia, referiu que foi ao Comitê junto com seu marido Jonatan, que ficou do lado de fora. No interior do comitê, conversou num canto da sala com MAHER dizendo que precisava de dinheiro, e ele lhe deu R$ 500,00 em cinco notas de R$ 100,00, mas com o compromisso de que votaria nele. Questionada se sabia que era errado receber dinheiro em troca de voto, e depois de fazer isso pesou a consciência, pois, após as as eleições, foi ao cartório para registrar a declaração, disse que foi ao cartório em Uruguaiana porque “achei errado de ele ter comprado o meu voto” e que sim, pesou a consciência. A declaração da testemunha Vanessa Bairros de que apoiava o candidato adversário CARLOS ALBERTO, “Carlinhos Canjiquinha”, foi corroborada pela prova documental trazida aos autos consistente nas postagens realizadas pela própria testemunha na sua página de Facebook, nos dias 12.11.2020, às 15:08h (ID 40847083), 14.11.2020, às 15:50 (ID 40847133), e, em especial, pela postagem postada no dia 14:11.2020, às 15:23 (ID 40847183): “Somos FAMILIA13!!!! Porque eu voto no CARLINHOS CANCHIQUINHA porque queremos mudança renovação na nossa BARRA DO QUARAÍ!!!Não queremos figurinha repetida queremos uma pessoa nova no comando da nossa cidade. Amanhã é o grande dia e vai dar 13 sim” A testemunha Flávia Lidiane Patta Figueiredo, após rejeitada a contradita, prestou compromisso. Mostradas para a testemunha (ID 40847783, a partir de 02:50) as mensagens postadas em sua página de seu Facebook e indagada se a página era realmente dela, respondeu que sim. Perguntada se teria recebido R$ 320,00 do Richardson em espécie (candidato a vereador pelo mesmo partido do candidato MAHER) e quando ocorreu o repasse do dinheiro, disse que, três dias depois do feriado de finados, Richardson estava no bairro onde mora fazendo campanha e por isso esteve em sua casa, oportunidade em que falou para o candidato que precisava terminar a sua casa, então Richardson voltou no dia seguinte e lhe entregou o dinheiro, isso no dia 05 ou 06 de novembro. Questionada se trabalhava na campanha do candidato CARLOS ALBERTO quando recebeu o dinheiro e qual o período em que trabalhou na campanha, disse que quando recebeu o dinheiro já estava inscrita para trabalhar na campanha, salientando que ficava no comitê sem sair para a rua porque não havia chegado ainda o material, mas que efetivamente trabalhou por cerca de duas semanas na campanha depois do dia 06 de novembro. Perguntada por que motivo não comentou com CARLOS ALBERTO sobre a necessidade de comprar material para sua casa e se conhecia Vanessa Bairros e Emerson Brazeiro, respondeu que tinha pouco contato com o candidato para quem fazia campanha e que ele estava sempre acompanhado, conhece Vanessa e Emerson de vista pois moram na mesma rua e que Emerson trabalhou na campanha de CARLOS ALBERTO, só que em outro comitê, mas não sabe dizer se ele recebeu dinheiro do outro candidato. A declaração da testemunha Flávia Figueiredo de que apoiava o candidato adversário CARLOS ALBERTO, “Carlinhos Canjiquinha”, foi corroborada pela prova documental trazida aos autos consistente nas postagens realizadas pela própria testemunha na sua página de Facebook, nos dias 14.10.2020, às 08:26h (ID 40846883), 11.11.2020, às 21:34 (ID 408469783), 14.11.2020, às 21:42 (ID 40847033), em especial, pela postagem postada no dia 13:11.2020, às 21:53 (ID 40846933): “Flavia Figueiredo Vamos todos amanhã na última caminha rumo a vitória rumo a mudança e esperança e renovação venha participar traga sua família seu vizinho seus amigos. Vamos todos com Carlos Alberto Da Rosa Filho as 19:00 na frente do comitê central;; venha participar” Mateus Henrique Lopes Vasques (ID 40847983) e Eneida Katlin Amaral Freitas (ID 40847833), testemunhas arroladas pelos investigados, afirmaram em seus depoimentos que Vanessa e Flávia eram apoiadoras do candidato “Carlinhos Canjiquinha” e que ambas participaram da “Carreata Luminosa” na véspera da eleição, o que foi corroborado pelo informante por Leonardo Scolla (ID 40847933). É dizer, os recorrentes postulam a cassação do diploma dos investigados e a anulação da votação com base no depoimento de duas testemunhas (Vanessa Bairros e Flávia Figueiredo), as quais, em nenhum momento, negaram que apoiaram a candidatura do candidato CARLOS ALBERTO DA ROSA FILHO, “Carlinhos Canjiquinha”, desde o início da campanha até a véspera da eleição, sendo que uma delas (Flávia) afirmou que trabalhou na campanha do candidato por cerca de duas semanas. Somente após o resultado da eleição , com a vitória do investigado MAHER JABER com 1.015 votos (41,77%), sobre os investigantes ELY MANOEL DA ROSA, “Duce”, que obteve a 2º colocação com 721 votos (29,67%) e CARLOS ALBERTO DA ROSA FILHO, “Carlinhos Canjiquinha”, 3º colocado com 694 votos (28,56%), as testemunhas, tomadas por uma crise de consciência, resolveram ir a um cartório em Uruguaiana para registrar declaração de compra de voto.

 

A prova produzida pelos autores, ora recorrentes, restou adstrita aos testemunhos de Flávia Lidiane Patta Figueiredo e Vanessa Borges Bairro. Ambas as eleitoras afirmaram que o réu havia oferecido dinheiro em troca de votos, antes do pleito.

O fato é que ambas as testemunhas, embora compromissadas, são, confessadamente, apoiadoras do recorrente CARLOS ALBERTO DA ROSA FILHO, “Carlinhos Canjiquinha”, desde o início da campanha até a véspera da eleição, sendo que uma delas (Flávia) relatou ter trabalhado na campanha do candidato por cerca de duas semanas.

Observo, ainda, que as testemunhas firmaram declarações em 20.11.2020 e 27.11.2020, respectivamente (ID 40846033 e 40846133). Ou seja, as testemunhas teriam vendido seus votos, embora apoiassem outro candidato, 02 (dois) dias antes do pleito, mas, curiosamente, optaram por externar as declarações apenas após a vitória dos recorridos nas eleições de 15.11.2020.

Assim, a prova produzida não merece credibilidade, não confortando o juízo condenatório.

Com efeito, a prova da compra ilícita de votos há de ser robusta e inequívoca, máxime diante da grave consequência de cassação do diploma, com alteração do resultado das urnas.

Nesse sentido, o seguinte precedente do TSE:

Eleições 2016. Representação. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41-A da Lei 9.504/97. Candidato a vereador eleito. Condenação. Gravação ambiental. Prova robusta. Ausência.

1. A tese de ilicitude da prova, por impossibilidade de identificar se a gravação foi realizada em ambiente público, não foi expressamente examinada pelo Tribunal a quo, ainda que tenham sido opostos embargos de declaração pelo candidato a vereador. Nada obstante a ausência de enfrentamento do tema pela Corte de origem, não foi alegada ofensa ao art. 275 do Código, razão pela qual incide o óbice do verbete sumular 72 desta Corte Superior.

2. Para afastar a afirmação do Tribunal a quo no sentido de que o diálogo entabulado na gravação ambiental se deu entre o recorrente e envolvia efetivamente um eleitor, seria necessário o reexame do acervo fático-probatório, providência vedada nesta instância especial, a teor do verbete sumular 24 do TSE.

3. O TRE/MG concluiu pela configuração da prática de captação ilícita de sufrágio, embasando-se, além do depoimento pessoal do candidato ao reconhecer sua voz (mas negando a prática ilícita), em uma única prova consistente em gravação ambiental, sem efetivamente declinar as circunstâncias da produção desse elemento probatório e destacando pequeno trecho de diálogo, de teor vago sobre eventual cooptação de voto, do qual não é possível inferir, com segurança, a existência da conduta ilícita.

4. ‘A configuração da captação ilícita de votos possui como consequência inexorável a grave pena da cassação do diploma, pelo que se exige para o seu reconhecimento conjunto probatório robusto, apto a demonstrar, indene de dúvidas, a ocorrência do ilícito e a participação ou anuência dos candidatos beneficiários com a prática.’ (AgR-RO 2240-81, rel. Min. Rosa Weber, DJe de 6.8.2018).

Recurso especial provido.

(Recurso Especial Eleitoral nº 69233, Acórdão, Relator(a) Min. Admar Gonzaga, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Data: 28.5.2019.) (Grifo nosso)

 

Diante dessas considerações, a fragilidade do conjunto probatório indica o acerto da sentença proferida, que deve ser mantida.

Ante o exposto, VOTO pela rejeição da matéria preliminar e, no mérito, pelo desprovimento do recurso.