MSCiv - 0600074-79.2021.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 07/07/2021 às 14:00

VOTO

A decisão que deferiu a liminar foi exarada nos seguintes termos:

Inicialmente, consigno que o mandado de segurança tem a função de garantir direito líquido e certo contra ato abusivo ou ilegal de autoridade pública, e por isso não pode ser usado como substitutivo de recurso, sob pena de se desnaturar a sua essência constitucional.

Além disso, o manejo de mandamus contra decisão judicial restringe-se às hipóteses excepcionais em que o ato impugnado se revelar teratológico, padecendo de flagrante ilegalidade ou abuso de poder.

Mesmo nesses casos excepcionais, a impetração somente será cabível quando não houver nenhum outro instrumento processual para atacar a decisão, na inteligência do enunciado da Súmula n. 267 do STF: “Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição”.

Em relação às execuções fiscais de multas eleitorais que seguem o rito da Lei n. 6.830/80 e aos processos que se encontram em fase de cumprimento de sentença e adotam o procedimento da legislação processual civil comum, a jurisprudência pacificou-se no sentido do cabimento do agravo de instrumento.

Na espécie, contudo, a decisão impugnada foi proferida na fluência de prazo para pagamento espontâneo da multa a que foram condenados, antes do ajuizamento de execução fiscal ou cumprimento de sentença.

Assim, diante dessa excepcionalidade, tenho por conhecer da presente impetração.

E, ao analisar o ato impugnado, considero demonstrados os requisitos para suspensão da cobrança da multa.

Com efeito, não há regulamentação, na Justiça Eleitoral, em relação ao índice ou critério de para o cálculo de correção monetária após a extinção da UFIR, na fase processual na qual a parte é intimada para efetuar o pagamento, no prazo de 30 dias, da multa aplicada.

A Lei das Eleições (Lei 9.504/97, art. 11, § 11) apenas dispôe que, no caso de parcelamento, deve ser observada a legislação tributária federal, e em relação ao pagamento a Resolução n. 298/2017 do TRE/RS, art. 2º prevê que:

Art. 2º Após o trânsito em julgado de decisão proferida em processo de natureza cível-eleitoral que imponha multa por infringência a dispositivos do Código Eleitoral, da Lei n. 9.504/1997 ou de leis conexas e antes da aplicação dos procedimentos previstos na Resolução TSE n. 21.975/2004, deverá o cartório eleitoral ou a Secretaria Judiciária, conforme o caso, intimar o infrator quanto à disponibilização da Guia de Recolhimento da União - GRU, para que, no prazo de 30 (trinta) dias, contado da respectiva intimação, efetue o recolhimento do valor integral do débito ou requeira seu parcelamento.

No caso, como os impetrantes foram condenados ao pagamento de 5.000 UFIRs cada um (COLIGAÇÃO e SILVESTRE REBELATO), deveria ser procedida à conversão do valor da multa em reais, conforme o último valor antes de sua extinção, ou seja, R$ 1,0641, cujo montante perfaz R$ 5.320,50 (art. 83, § 4º, da Resolução TSE n. 23.610/2019).

Nesse sentido a jurisprudência:

“[...]. Propaganda antecipada (art. 36, § 3º, da Lei nº 9.504/97). [...]. Conversão em reais dos valores fixados em Ufir. Possibilidade. [...]. 3. A extinção da Ufir, como índice de correção monetária, acarretou a não-atualização dos valores em reais das multas previstas na legislação eleitoral. Possibilidade da conversão em moeda corrente. [...].”

(Ac. de 18.8.2005 no AgR-AI nº 4491, rel. Min. Luiz Carlos Madeira.)

Na ausência de disposição regulamentar ou legal quanto à incidência de outros critérios para corrigir a multa fixada, a determinação do julgador no sentido de aplicação do IGP-M desde janeiro de 2001, padece de ilegalidade.

Dessa forma, tenho como demonstrado o fundamento relevante para deferimento do pedido liminar de suspensão da cobrança.

De outra parte, a fluência do prazo de 30 dias para efetuar o pagamento é suficiente a caracterizar o requisito da ineficácia da medida caso seja finalmente deferida.

Dessa forma, em juízo perfunctório, verifico a presença dos requisitos previstos no inciso III do art. 7º da Lei 12.016/2009 para determinar a suspensão do prazo para pagamento da multa a que foram condenados os impetrantes COLIGAÇÃO ALIANÇA POPULAR e SILVESTRE ANTÔNIO REBELATO nos autos da AIJE 0600308-23.2020.6.21.0121.

DIANTE DO EXPOSTO, defiro o pedido liminar para suspender o ato impugnado, bem como o prazo concedido para pagamento da multa a que foram condenados na AIJE 0600308-23.2020.6.21.0121 até o julgamento final do presente Mandado de Segurança.

 

Como forma de evitar desnecessária tautologia, adoto nesta fundamentação os argumentos dispostos na decisão (ID 40611833), que concedeu a liminar e suspendeu os efeitos do ato impugnado.

A decisão lavrada na AIJE n. 0600308-23.2020.6.21.0121 determinou que deveria ser aplicada a sanção pecuniária mínima prevista no art. 73, § 4º, da Lei das Eleições, cujo valor fixado é de R$ 5.320,50, assim estabelecido no art. 83, § 4º, da Resolução TSE n. 23.610/19:

Art. 83. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais (Lei nº 9.504/1997, art. 73, I a VIII):

[…]

§ 4º O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os agentes responsáveis à multa no valor de R$ 5.320,50 (cinco mil, trezentos e vinte reais e cinquenta centavos) a R$ 106.410,00 (cento e seis mil, quatrocentos e dez reais), sem prejuízo de outras sanções de caráter constitucional, administrativo ou disciplinar fixadas pelas demais leis vigentes (Lei nº 9.504/1997, art. 73, § 4º, c.c. o art. 78).

 

Nesse sentido, a manifestação da douta Procuradoria Regional Eleitoral (ID 40966333):

[…]

Como bem observado na decisão impetrada, a UFIR foi extinta por ocasião do art. 29, § 3º, da Lei nº 10.522/2002, ocasião em que não foi promovida a sua substituição por outro índice diverso. Assim, como se pode extrair do trecho supra do acórdão, os investigados foram condenados na pena mínima prevista para as condutas vedadas (§ 4º do art. 73 da Lei nº 9.504/97), que, conforme estabelecido pelo próprio Tribunal Superior Eleitoral, no tocante às eleições de 2020, ficaria em R$ 5.320,50, conforme o art. 83, § 4º, da Resolução TSE nº 23.610/2019, verbis: Art. 83. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais (Lei nº 9.504/1997, art. 73, I a VIII): (…) § 4º O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os agentes responsáveis à multa no valor de R$ 5.320,50 (cinco mil, trezentos e vinte reais e cinquenta centavos) a R$ 106.410,00 (cento e seis mil, quatrocentos e dez reais), sem prejuízo de outras sanções de caráter constitucional, administrativo ou disciplinar fixadas pelas demais leis vigentes (Lei nº 9.504/1997, art. 73, § 4º, c.c. o art. 78). Releva apontar que o valor de R$ 5.320,50 equivale, exatamente, ao valor de 5.000 UFIR na data da extinção do índice, momento em que o critério de conversão era o de R$ 1,0641 para cada UFIR. Portanto, está claro que o TSE, ao estabelecer o valor da UFIR para as eleições de 2020, utilizou como referência a relação de 1 UFIR = R$ 1,0641, de modo que a sentença, ao ter utilizado tal unidade fiscal na imposição da multa, deve observar o critério fixado pelo TSE, cuja competência para tanto, aliás, se extrai do art. 105, § 2º, da Lei nº 9.504/97 (§ 2º Havendo substituição da UFIR por outro índice oficial, o Tribunal Superior Eleitoral procederá à alteração dos valores estabelecidos nesta Lei pelo novo índice).

 

Quanto à promoção da douta Procuradoria Regional Eleitoral no sentido de incidência de atualização monetária desde a data da condenação, a postulação carece de amparo legal.

Para efeitos de cobrança judicial, constitui dívida ativa de natureza não tributária, que deve ser recolhida no prazo de 30 dias contados do trânsito em julgado da decisão, conforme dispõem os incisos II e IV do art. 367 do Código Eleitoral:

 

Art. 367. A imposição e a cobrança de qualquer multa, salvo no caso das condenações criminais, obedecerão às seguintes normas::

[…]

III - Se o eleitor não satisfizer o pagamento no prazo de 30 (trinta) dias, será considerada dívida líquida e certa, para efeito de cobrança mediante executivo fiscal, a que for inscrita em livro próprio no Cartório Eleitoral;

IV - A cobrança judicial da dívida será feita por ação executiva na forma prevista para a cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, correndo a ação perante os juízos eleitorais.

 

Conforme estabelece o art. 3º da Res. TSE no 21.975/2004, ultrapassado o prazo de 30 dias do trânsito em julgado da decisão sem o recolhimento da multa, esta passa a ser líquida e certa para efeito de cobrança mediante executivo fiscal:

 

Art. 3º As multas não satisfeitas no prazo de trinta dias do trânsito em julgado da decisão serão consideradas dívida líquida e certa, para efeito de cobrança, mediante executivo fiscal.

 

 

Ao interpretar esse dispositivo regulamentar, o TSE firmou entendimento de que à incidência da correção monetária é imprescindível o trânsito em julgado da condenação.

Cito os seguintes precedentes:

 

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. CAMPANHA ELEITORAL. PESSOA JURÍDICA. ART. 81, § 1, DA LEI N° 9.504/97. NORMA VIGENTE NO MOMENTO DA DOAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA LEI N° 13.165/2015. MULTA ELEITORAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. SÚMULA N° 30/TSE. INCIDÊNCIA. DESPROVIMENTO.

[…]

3. No que diz respeito à correção monetária, correto o acórdão regional no sentido de que é necessário o trânsito em julgado da decisão para sua incidência. Precedente.

4. Agravo regimental desprovido.

(AgR-Al n° 152-60/MS, Rel. Min. Luciana Lóssio, julgado em 18.4.2017, DJe de 27.4.2017) (grifo nosso)

 

ELEIÇÕES 2010. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. DOAÇÃO PARA CAMPANHA ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA JURÍDICA. É constitucional o art. 81, § 11, da Lei n19.504/1997. Os limites de doação de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais seguem critérios objetivos proporcionais ao faturamento dos doadores. A multa aplicada no mínimo legal não fere princípios constitucionais. Afastada a condenação ao pagamento de correção monetária a partir da realização da doação. Necessidade do trânsito em julgado. Art. 3º da Res.-TSE n° 21.975/2004. Agravo regimental parcialmente provido.

(AgR-REspe n° 115-91/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 20.8.2015, DJe de 21.10.2015) (grifo nosso)

 

ELEIÇÕES 2014. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. CAMPANHA ELEITORAL. PESSOA JURÍDICA. MULTA ELEITORAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. AFASTADA. NECESSIDADE DE TRÂNSITO EM JULGADO. DEMAIS PENALIDADES MANTIDAS. GRAVIDADE SUFICIENTE PARA ACUMULAÇÃO DAS PENAS. MULTA E PROIBIÇÃO DE LICITAR E CONTRATAR COM O PODER PÚBLICO. ACLARATÓRIOS PARCIALMENTE ACOLHIDOS. EFEITOS INFRINGENTES.

1. Embargos de declaração opostos a acórdão proferido por este Tribunal no qual, não provido o agravo regimental da representada, manteve-se o provimento do recurso especial interposto pelo MPE, condenando a representada por doação acima do limite legal às penas de multa e proibição de licitar e contratar com o Poder Público por 5 anos.

2. Afastada a incidência de correção monetária à pena de multa a partir da doação efetuada. Necessidade do trânsito em julgado. Art. 3º da Res.-TSE nº 21.975/2004.

3. Mantida a condenação da embargante ao pagamento de multa e à proibição de licitar e contratar com o Poder Público pelo prazo de 5 anos. 4. Embargos de declaração parcialmente acolhidos.

(Recurso Especial Eleitoral nº 3304, Acórdão, Relator Min. Og Fernandes, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Data 08/08/2019) (grifo nosso)

 

Assim, à incidência de correção monetária não dispensa o trânsito em julgado da condenação, circunstância que enseja o afastamento da pretensão ministerial.

Na espécie, na fase processual na qual a parte é intimada para efetuar o pagamento espontâneo, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado, apenas há de ser feita a conversão do valor de 5.000 UFIR, considerado o valor de R$ 1,0641 para cada UFIR, de modo que o valor a ser considerado deve ser R$ 5.320,50 para COLIGAÇÃO ALIANÇA POPULAR e R$ 5.320,50 para SILVESTRE ANTÔNIO REBELATO.

Ressalto que a Lei das Eleições (Lei 9.504/97, art. 11, § 11) apenas estabeleceu critérios de correção monetária para a hipótese de parcelamento, quando deve ser observada a legislação tributária federal, hipótese diversa da examinada nestes autos.

 

Na ausência de disposição regulamentar ou legal quanto à incidência de outros critérios para corrigir a multa fixada, a determinação do julgador no sentido de aplicação do IGP-M desde janeiro de 2001, padece de ilegalidade e colide com a orientação jurisprudencial e normativa do TSE.

Com essas considerações, VOTO pela concessão da ordem, no sentido de que a multa devida pela COLIGAÇÃO ALIANÇA POPULAR e SILVESTRE ANTÔNIO REBELATO, deve ser fixada em R$ 5.320,50, para cada um (AIJE 0600308-23.2020.6.21.0121).