REl - 0600624-82.2020.6.21.0138 - Voto Relator(a) - Sessão: 07/07/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a sentença desaprovou a contabilidade de ADEMIR DAL POZZO e VILMAR PAULO TOAZZA e lhes determinou o recolhimento de R$ 7.500,00 ao Tesouro Nacional, em face do recebimento, na conta bancária de campanha, em um mesmo dia, de depósitos sucessivos em espécie, consoante a seguinte tabela produzida pela unidade técnica na origem:

Na peça recursal, sustenta-se, em síntese, que os depósitos, devidamente identificados, foram realizados pelos próprios candidatos, em valores inferiores a R$ 1.064,10, que foram seguidas as orientações prestadas pelo funcionário do banco e que erros formais ou materiais tidos como irrelevantes no conjunto da prestação de contas não ensejam a sua desaprovação.

Entretanto, adianto que não assiste razão aos recorrentes.

A matéria objeto de exame encontra-se disciplinada na Resolução TSE n. 23.607/19, art. 21, verbis:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

(...)

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

§ 5º Além da consequência disposta no parágrafo anterior, o impacto sobre a regularidade das contas decorrente da utilização dos recursos recebidos em desacordo com este artigo será apurado e decidido por ocasião do julgamento.

(...)

Dessa maneira, segundo dispõem os §§ 1º e 4º em testilha, as doações em montante igual ou superior a R$ 1.064,10 devem ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou por meio de cheque cruzado e nominal, devendo os valores ser recolhidos ao Tesouro Nacional, caso haja utilização dos recursos recebidos em desacordo com o estabelecido no dispositivo, ainda que identificado o doador.

Outrossim, os valores dos depósitos sucessivos efetuados por um mesmo doador, em um mesmo dia, devem ser somados para fins de aferição do limite legal de R$ 1.064,10, em que facultado o crédito em espécie, tal qual prescrito no art. 21, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Por conseguinte, deve-se compreender os seis depósitos efetuados no dia 20.10.2020 como duas operações, em espécie, de R$ 4.500,00 e de R$ 3.000,00, em afronta às normas de regência.

O escopo da norma é possibilitar o cruzamento de informações com o Sistema Financeiro Nacional, de modo a permitir que a fonte declarada seja confirmada por meio dos mecanismos técnicos de controle da Justiça Eleitoral.

Embora os depósitos tenham sido realizados com a anotação do CPF dos próprios candidatos, é firme o posicionamento do egrégio Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que o mero depósito identificado é incapaz de comprovar a efetiva origem dos recursos, haja vista a ausência de seu trânsito prévio pelo sistema bancário e a natureza essencialmente declaratória deste ato bancário:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA ELEITORAL. VEREADOR. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. INCONFORMISMO. RESSARCIMENTO. VALORES DE DOAÇÃO. TESOURO NACIONAL.

1. A atual jurisprudência deste Tribunal é no sentido de que as doações acima de R$ 1.064,10 devem ser feitas mediante transferência eletrônica, nos exatos termos do art. 18, § 1º, da Res.-TSE 23.463, e o descumprimento da norma regulamentar não é reputado como falha meramente formal. Nesse sentido, já se assentou que "a aceitação de doações eleitorais em forma diversa da prevista compromete a transparência das contas de campanha, dificultando o rastreamento da origem dos recursos" (AgR-REspe 313-76, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 3.12.2018).

2.  O Tribunal a quo assentou que "foram realizados dois depósitos em espécie realizados diretamente na conta de campanha, acima do limite legal, em desobediência ao art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15" (fl. 143), acrescentando que tal irregularidade representou 74,95% do somatório dos recursos financeiros arrecadados e que seria inviável atender ao pleito de devolução da quantia aos pretensos doadores, em detrimento do seu recolhimento ao Tesouro Nacional, diante da falibilidade da identificação da origem desses recursos.

3. Em face da jurisprudência consolidada no tema, se não se admite a realização de depósito na "boca do caixa" para fins de prova da origem de doação, também a mera emissão do recibo eleitoral pelo candidato não possibilita, por si só, comprovar tal fato, o que ocorre justamente pela providência alusiva à transferência eletrônica entre contas bancárias, modalidade preconizada na resolução destinada a possibilitar a confirmação das informações prestadas.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 25476, Acórdão, Relator Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Data 02.8.2019.) (Grifei.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. CONTAS DE CAMPANHA DESAPROVADAS. DOAÇÃO. PESSOA FÍSICA. DEPÓSITO. ART. 18, §§ 1º E 3º, DA RES.-TSE 23.463/2015. PERCENTUAL EXPRESSIVO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. NÃO INCIDÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. A teor do art. 18, §§ 1º e 3º, da Res.-TSE 23.463/2015, doações de pessoas físicas para campanhas, em valor igual ou superior a R$ 1.064,10, devem ser obrigatoriamente realizadas por meio de transferência eletrônica, sob pena de restituição ao doador ou de recolhimento ao Tesouro Nacional na hipótese de impossibilidade de identificá-lo.

2. Na espécie, é incontroverso que os candidatos, a despeito da expressa vedação legal, utilizaram indevidamente recursos financeiros R$ 5.000,00, o que corresponde a 16% do total de campanha oriundos de depósito bancário, e não de transferência eletrônica, o que impediu que se identificasse de modo claro a origem desse montante.

3. A realização de depósito identificado por determinada pessoa é incapaz, por si só, de comprovar sua efetiva origem, haja vista a ausência de trânsito prévio dos recursos pelo sistema bancário. Precedentes, com destaque para o AgR-REspe 529-02/ES, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 19.12.2018.

4. Concluir em sentido diverso especificamente quanto à alegação de que as irregularidades não comprometeram a lisura do ajuste ou de que houve um erro formal do doador demandaria reexame do conjunto probatório, providência inviável em sede extraordinária, a teor da Súmula 24/TSE.

5. Inaplicáveis os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, pois se trata de falha que comprometeu a transparência do ajuste contábil. Precedentes.

6. Descabe conhecer de matéria alusiva ao desrespeito aos princípios da isonomia e legalidade (art. 5º, caput e II, da CF/88), porquanto cuida-se de indevida inovação de tese em sede de agravo regimental.

7. Agravo regimental desprovido.

(TSE – AgR-REspe n. 251-04, Relator Min. Jorge Mussi, julgado em 19.3.2019, publicado no DJE, tomo 66, de 05.4.2019, pp. 68-69.) (Grifei.)

 

Consigno, a tal respeito, que a Corte Superior entende que a obrigação de as doações acima de R$ 1.064,09 serem realizadas mediante transferência bancária não se constitui em mera exigência formal, sendo que o seu descumprimento enseja, em tese, a desaprovação das contas, consoante precedente a seguir colacionado:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DOAÇÃO. DEPÓSITO BANCÁRIO. EM ESPÉCIE. VALOR SUPERIOR A R$ 1.064,10. TRANSFERÊNCIA ELETRÔNICA. EXIGÊNCIA. ART. 18, § 1º DA RES. TSE Nº 23.463/2015. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PROVIMENTO.

1. In casu, trata-se de prestação de contas relativa às eleições de 2016 em que o candidato ao cargo de vereador recebeu doação de recursos para sua campanha, por meio de depósito bancário, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

2. Nas razões do regimental, o Parquet argumenta que não foi observado o art. 18, § 1º, da Res.-TSE nº 23.463/2015, segundo o qual "as doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação". 3. A Corte Regional, soberana na análise dos fatos e provas, atestou a identificação da doadora do valor apontado como irregular por meio do número do CPF impresso no extrato eletrônico da conta de campanha.

4. Consoante decidido nesta sessão, no julgamento do AgR-REspe nº 265-35/RO, a maioria deste Tribunal assentou que a exigência de que as doações acima de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) sejam feitas mediante transferência eletrônica não é meramente formal e o seu descumprimento enseja, em tese, a desaprovação das contas.

5. Considerando a maioria formada no presente julgamento nos mesmos termos do paradigma supracitado, reajusto o meu voto no caso vertente a fim de dar provimento ao recurso do Ministério Público Eleitoral para condenar o recorrido a recolher aos cofres públicos o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

6. A desaprovação das contas em virtude de eventual gravidade da irregularidade mostra-se inaplicável na espécie, em respeito ao princípio da congruência, uma vez que referida pretensão não foi objeto do recurso especial.

7. Agravo regimental acolhido para dar provimento ao recurso especial, com determinação de recolhimento ao erário do valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

(Recurso Especial Eleitoral n. 52902, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação:  DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 250, Data: 19.12.2018, pp. 92/93.) (Grifei.)

 

No judicioso voto do ilustre Ministro Luís Roberto Barroso, proferido no julgado em questão, restou bem explicitada a razão da exigência de o aporte financeiro em campanha provir diretamente de outra conta bancária:

7. Entendo que a imposição de que as doações acima de R$ 1.064,10 sejam realizadas mediante transferência bancária não é mera exigência formal, mas busca assegurar a identificação da origem dos recursos que ingressaram na campanha eleitoral. A aceitação de depósitos em espécie, em valor acima do permitido, compromete a transparência das contas de campanha, dificultando o rastreamento da origem dos recursos. Não se pode esquecer que grande parte das transações irregulares realizadas no país envolve dinheiro em espécie, justamente pela dificuldade de rastreamento dos valores. O descumprimento da exigência, portanto, é causa de reprovação das contas de campanha, em especial se o montante envolvido é elevado, como no presente caso, em que supera a metade dos recursos arrecadados.

8. A realização de depósitos identificados por uma determinada pessoa nada prova a respeito de sua origem, que, inclusive, pode advir de fontes vedadas, na medida em que os recursos depositados em espécie não tiveram trânsito pelo sistema bancário. E exatamente esta a razão pela qual se exige que a doação seja realizada por meio de transferência bancária, mecanismo que permite o rastreamento de sua origem, minimizando as possibilidades de operações irregulares. Trata-se de exigência que amplia a segurança do modelo de captação de recursos de campanha autorizado pela legislação. (Grifei).

 

Deveras, o TSE já assentou que “a ratio essendi da norma é identificar a origem de recurso arrecadado, com o rastreamento a partir da transferência eletrônica efetivada entre estabelecimentos bancários” (Recurso Especial Eleitoral n. 26535, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Relatora designada Min. Rosa Weber, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Data 20.11.2018, p. 32).

Não se olvida que este Regional tem arrefecido o rigor dessas disposições normativas quando o prestador, por outros meios, atinge o fim colimado pela norma, qual seja, a demonstração segura da origem dos recursos, mormente, por meio do oferecimento de comprovantes de saque em dinheiro da conta-corrente do doador e imediato depósito em espécie na conta de campanha, demonstrando que a operação de transferência bancária restou meramente decomposta em um saque seguido incontinenti de um depósito na mesma data.

Entrementes, na hipótese vertente, inexiste comprovação adicional mínima sobre a origem dos recursos, impossibilitando que a falha seja relevada.

De igual modo, não há que se afastar essa grave falha pelo alegado fato de o agente bancário ter prestado informações equivocadas aos candidatos sobre o procedimento afeto ao crédito de recursos financeiros em sua conta de campanha. O art. 45, §§ 1º a 3º, enuncia a responsabilidade do candidato pela administração e elaboração de suas contas eleitorais, não se podendo eximir do cumprimento das normas com base em argumento de desídia ou imperícia de terceiro.

Indene de dúvida, portanto, a configuração da irregularidade, que afeta a transparência das contas, e a necessidade de recolhimento aos cofres públicos da importância eivada de mácula, porquanto efetivamente empregada pelos candidatos em sua campanha.

Tendo em vista que a falha está consolidada em R$ 7.500,00, representando 57,74% da receita arrecadada (R$ 12.989,42), mostra-se inviável a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de atenuar sua gravidade perante o conjunto das contas, na esteira da jurisprudência do TSE e desta Corte:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. CONTAS DE CAMPANHA DESAPROVADAS. EXTRAPOLAÇÃO DO LIMITE DE GASTOS. BENS ESTIMÁVEIS. FALHA GRAVE. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. REJEIÇÃO.

1. O suposto vício apontado denota propósito do embargante de rediscutir matéria já decidida, providência inviável na via aclaratória. Precedentes.

2. Na espécie, no aresto embargado, assentou-se de modo expresso que extrapolar em quase 18% o limite de gasto de campanha, sem justificativas plausíveis para o excesso, constitui irregularidade de natureza grave apta a ensejar rejeição de contas.

(...)

5. Embargos de declaração rejeitados.

(Recurso Especial Eleitoral n. 16966, Acórdão, Relator(a) Min. Jorge Mussi, Publicação:  DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 185, Data 14.09.2018, Página 73/74.)

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018.

(...)

3. Falha que representa 18,52% dos valores auferidos em campanha pelo prestador. Inviabilidade da aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como forma de atenuar a gravidade da mácula sobre o conjunto das contas.

4. Desaprovação.

(Prestação de Contas n 060235173, ACÓRDÃO de 03.12.2019, Relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão.)

 

Dessa forma, na linha do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, impõe-se a integral manutenção da sentença recorrida.

 

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo integralmente a sentença que desaprovou as contas da campanha eleitoral de ADEMIR DAL POZZO e VILMAR PAULO TOAZZA, relativas ao pleito de 2020, condenando-os ao recolhimento de R$ 7.500,00 ao Tesouro Nacional.