PC - 0600134-86.2020.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 07/07/2021 às 14:00

VOTO

A Secretaria de Auditoria Interna deste Tribunal, após analisar os esclarecimentos e a documentação apresentados pelo órgão partidário e seus responsáveis, concluiu subsistirem irregularidades não sanadas no curso do processo, quais sejam, (1) o recebimento de recursos de fonte vedada, no montante de R$ 21.944,68, e (2) divergência entre os doadores constantes nos extratos bancários e os informados no Demonstrativo de Contribuições Recebidas.

Passo ao exame das irregularidades relatadas no parecer conclusivo.

 

1. Do recebimento de recursos de fontes vedadas.

Sobre o primeiro apontamento, a unidade técnica constatou o recebimento do montante de R$ 21.944,68 proveniente de doações de pessoas físicas que exerceram função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, os quais se enquadram na vedação contida no art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, verbis:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[…].

V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político. (Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017)

 

Transcrevo a minudente manifestação do órgão técnico sobre o tópico em questão:

Quanto aos créditos verificados nos extratos bancários (Banco do Brasil, Agência 3240-9, Conta Corrente 365580), constatou-se a existência de contribuintes não filiados ao PL (consulta ao sistema público de filiação partidária do TSE) e, por meio de consulta aos arquivos com as informações de pessoas físicas que exerceram função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário durante o exercício de 2019, consoante ofícios enviados por essa unidade técnica, disponíveis no processo SEI n. 0011992-25.2020.6.21-8000, identificou-se a existência de Fontes Vedadas que se enquadram na vedação prevista no art. 31, inc. V, da Lei 9.096/95, conforme Tabela 1 anexada ao final deste relatório.

Assim, o montante de R$ 21.944,68 (Tabela 1 ao final do relatório) configura-se como recursos de fontes vedadas, sujeito a recolhimento ao Tesouro Nacional conforme disposto no art. 14, §1º da Resolução TSE 23.546/2017. Em anexo, juntam-se aos autos os ofícios dos respectivos órgãos que amparam a informação sobre o exercício da função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário (art. 31, V, da Lei nº 9.096/95).

 

As doações glosadas estão arroladas na tabela 1, folha 7, do ID 8878583, contemplando detentores de cargos comissionados de livre nomeação e exoneração, assim reconhecidos por comunicações oficiais expedidas ao Tribunal pelos respectivos órgãos e entidades públicas (ID 8878783, 8878733, 8878683 e 8878633), nas que se incluem as funções de Assessor Superior II (Assembleia Legislativa do RS), Assessor I (Assembleia Legislativa do RS), Assessor III (Assembleia Legislativa do RS), Assessor V (Assembleia Legislativa do RS), Assessor VI (Assembleia Legislativa do RS), Chefe de Gabinete (Faders - SDSTJDH), Assessor Nível Superior (Faders - SDSTJDH), Assessora Nível Superior (Faders – SJCDH), Chefe em Excelência de Serviços (Central Atendimento - SMSUrb), Chefe de Gabinete de Líder (Assembleia Legislativa do RS) e Diretor de Administração e Finanças (Trensurb).

Além disso, em consulta ao sistema público de filiação partidária do TSE (Filia), a operosa unidade técnica verificou que os contribuintes relacionados não estavam filiados ao PL ao tempo das doações (ID 8878583, fl. 3).

Embora intimados, o Diretório Estadual do Partido Liberal e seus responsáveis nada produziram para infirmar as conclusões advindas dos procedimentos técnicos de exame em relação às doações vertidas de fontes vedadas.

Assim, forçoso reconhecer a inobservância do previsto no art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, que veda aos partidos o recebimento de recursos provenientes de pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

Nessa senda, o recolhimento do valor equivalente ao Tesouro Nacional é medida impositiva, de acordo com o § 1º do art. 14 da Resolução TSE n. 23.546/17:

Art. 14. O recebimento direto ou indireto dos recursos previstos no art. 13 sujeita o órgão partidário a recolher o montante ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito em qualquer das contas bancárias de que trata o art. 6º, sendo vedada a devolução ao doador originário.

§ 1º O disposto no caput também se aplica aos recursos provenientes de fontes vedadas que não tenham sido estornados no prazo previsto no § 5º do art. 11, os quais devem, nesta hipótese, ser recolhidos ao Tesouro Nacional.

 

2. Da divergência entre o Demonstrativo de Contribuições Recebidas e os Extratos Eletrônicos.

No que tange à segunda falha apontada, o órgão técnico, ao realizar o cruzamento entre a listagem de contribuintes apresentada pelo partido e o CPF registrado no extrato bancário para cada crédito, constatou que, em quatro ocorrências, o nome e o CPF declarados no Demonstrativo de Contribuições Recebidas, referentes a Eloisa Marros Teixeira, CPF 517.445.110-04 (ID 5724533, págs. 5 a 10), não coincidem com o nome e CPF consignados nas operações bancárias, nas quais se registra o doador Geraldo Luis Felippe, CPF 371.129.610-68.

Sobre o ponto, colho a análise do parecer de exame técnico:

(...) analisando os extratos bancários e extratos eletrônicos disponibilizados pelo TSE, da conta n. 365580, agência 3240 do Banco do Brasil, de titularidade do prestador, verificou-se que, nos casos da tabela abaixo, não há coincidência entre a identificação constante no Demonstrativo de Contribuições Recebidas (ID 5724533Pág. 5 a 10) e a registrada nos citados extratos eletrônicos.

 


 

A falha representa inconsistência que afeta a confiabilidade das contas, denota falta de adequação das informações prestadas pela agremiação e prejudica a aplicação dos procedimentos técnicos de exame. Cabe destacar que o doador “omitido” no Demonstrativo de doações recebidas e apurado no extrato eletrônico disponibilizado pelo TSE é Fonte Vedada, pois exerce o cargo de Diretor de Administração e Finanças na empresa TRENSURB (falha apontada no item 1, Tabela 1).

 

Com efeito, os partidos políticos somente podem receber doações ou contribuições de pessoas físicas com a devida identificação do nome e CPF do doador na própria operação bancária, consoante prescrevem os arts. 7º e 8º, § 2º, da Resolução TSE n. 23.546/17:

Art. 7º As contas bancárias somente podem receber doações ou contribuições com identificação do respectivo número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) do doador ou contribuinte ou no CNPJ, no caso de recursos provenientes de outro partido político ou de candidatos.

[…].

Art. 8º As doações realizadas ao partido político podem ser feitas diretamente aos órgãos de direção nacional, estadual ou distrital, municipal e zonal, que devem remeter à Justiça Eleitoral e aos órgãos hierarquicamente superiores do partido o demonstrativo de seu recebimento e respectiva destinação, acompanhado do balanço contábil (Lei nº 9.096/1995, art. 39, § 1º).

(…).

§ 2º O depósito bancário previsto no § 1º deve ser realizado na conta “Doações para Campanha” ou na conta “Outros Recursos”, conforme sua destinação, sendo admitida a efetivação por qualquer meio de transação bancária no qual o CPF do doador ou contribuinte ou o CNPJ, no caso de partidos políticos ou candidatos, seja obrigatoriamente identificado.

 

A incongruência entre a identificação do doador informada pelo partido e aquela registrada em sua movimentação bancária compromete sobremaneira a integridade e confiabilidade das contas, pois cria embaraços à efetiva fiscalização de sua contabilidade, desdenhando do sistema de controle a que se encontra submetida em face de cânones de envergadura constitucional e legal (arts. 17, inc. III, da Constituição Federal e 32 da Lei n. 9.096/95).

Outrossim, conforme bem destacou o examinador técnico, o doador efetivo, reconhecido nos extratos bancários disponibilizados pelo TSE, ou seja, Geraldo Luis Felippe, exerce o cargo em comissão de Diretor de Administração e Finanças na empresa pública Trensurb.

Dessa forma, o montante correspondente à falha está contemplado na obrigação de recolhimento de valores decorrente da infração ao art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, anteriormente examinada.

 

Das Cominações Legais

As irregularidades apuradas neste feito consolidam-se no montante de R$ R$ 21.944,68, os quais devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.546/17.

A quantia em questão representa, aproximadamente, 28,46 % da receita arrecadada no exercício (R$ 77.086,43), índice percentual que inviabiliza a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para mitigar a relevância das máculas sobre o conjunto das contas, impondo, por isso, a sua desaprovação.

Ademais, o arcabouço normativo dispõe que os valores a serem recolhidos ao Tesouro Nacional devem ser acrescidos de multa de até 20%, nos termos do art. 37 da Lei n. 9.096/95 e do art. 49 da Resolução TSE n. 23.546/17:

Art. 37. A desaprovação das contas do partido implicará exclusivamente a sanção de devolução da importância apontada como irregular, acrescida de multa de até 20% (vinte por cento). (art. 37 da Lei n. 9.9096/1995 com a redação dada pela Lei n. 13.165, de 2015)

Art. 49. A desaprovação das contas do partido implicará a sanção de devolução da importância apontada (Lei nº 9.096/95, art. 37) como irregular, acrescida de multa de até 20% (vinte por cento).

 

Na esteira da jurisprudência deste Tribunal, a penalidade deve ser aplicada em percentual razoável e proporcional às irregularidades verificadas. Assim, fixo a multa no patamar de 6%, nos termos dos dispositivos acima transcritos, alcançando o acréscimo de R$ 1.316,68.

Ademais, deve incidir, cumulativamente, a penalidade de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário, porquanto representa consequência específica do recebimento de recursos de fonte vedada, nos termos do art. 36, inc. II, da Lei n. 9.096/95, regulamentado pelo art. 47, inc. I, da Resolução TSE n. 23.546/17, litteris:

Lei n. 9.096/95:

Art. 36. Constatada a violação de normas legais ou estatutárias, ficará o partido sujeito às seguintes sanções:

[…].

II - no caso de recebimento de recursos mencionados no art. 31, fica suspensa a participação no fundo partidário por um ano;

 

Resolução TSE n. 23.546/17:

Art. 47. Constatada a violação de normas legais ou estatutárias, o órgão partidário fica sujeito às seguintes sanções:

I – no caso de recebimento de recursos das fontes vedadas de que trata o art. 12 desta resolução, sem que tenham sido adotadas as providências de devolução à origem ou recolhimento ao Tesouro Nacional na forma do art. 14 desta resolução, o órgão partidário fica sujeito à suspensão da distribuição ou do repasse dos recursos provenientes do Fundo Partidário pelo período de um ano (Lei nº 9.096/1995, art. 36, II); [...]

 

A despeito de a dicção legal estabelecer o prazo fixo de um ano para a penalidade, o entendimento esposado por este Tribunal é idêntico ao adotado pela jurisprudência do TSE, que utiliza os parâmetros da razoabilidade, em cada caso concreto, para verificar a adequação e proporcionalidade da sanção pelo período de um a doze meses, merecendo transcrição o seguinte julgado:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DIRETÓRIO MUNICIPAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2015. CONTRIBUIÇÕES DE AUTORIDADE PÚBLICAS. CARGOS DEMISSÍVEIS AD NUTUM. FONTE VEDADA. PRECEDENTES. SÚMULA Nº 30/TSE. DESAPROVAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 24/TSE. DECISÃO AGRAVADA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO. REITERAÇÃO DE ARGUMENTOS. SÚMULA Nº 26/TSE. SANÇÃO DE SUSPENSÃO DAS COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABLIDADE. INCIDÊNCIA. DESPROVIMENTO. [...] 5. A sanção de suspensão das cotas do Fundo Partidário deve ser aplicada segundo os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, de forma a permitir a subsistência das agremiações diante da nova sistemática de financiamento dos partidos políticos. 6. No caso concreto, mesmo diante da irregularidade nas contribuições por fontes vedadas e do elevado percentual (57,63% das receitas totais do partido), a sanção foi reduzida de 6 (seis) para 3 (três) meses, com o intuito de não configurar medida deveras grave ao diretório municipal. Assim, inegável reconhecer que a aplicação da sanção se deu de forma razoável e proporcional. 7. Agravo regimental ao qual se nega provimento.

(TSE – RESPE n. 00000165220166130153 JUIZ DE FORA - MG, Relator: Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Data de Julgamento: 13.6.2019, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 150, Data: 06.8.2019, p. 79.) (Grifei.)

 

Na hipótese, mostra-se razoável que a agremiação sofra a penalização de suspensão de repasse de quotas por 4 meses, considerando a representatividade dos recursos provenientes de fonte vedada em relação ao total arrecadado.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela desaprovação das contas do exercício financeiro de 2019 do DIRETÓRIO ESTADUAL DO PARTIDO LIBERAL (PL) e, nos termos da fundamentação, pela condenação da agremiação:

a) ao recolhimento do valor de R$ 21.944,68, ao Tesouro Nacional, com fulcro no art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, e arts. 12, inc. IV, e 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.546/17;

b) ao pagamento de multa de 6% sobre o montante irregular, perfazendo a quantia de R$ 1.316,68, com fundamento no art. 37 da Lei n. 9.096/95 e art. 49 da Resolução TSE n. 23.546/17; e

c) à suspensão do repasse das quotas do Fundo Partidário pelo período de 4 meses, com esteio no art. 36, inc. II, da Lei n. 9.096/95 e art. 47, inc. I, da Resolução TSE n. 23.546/17.