REl - 0600223-98.2020.6.21.0036 - Voto Relator(a) - Sessão: 07/07/2021 às 14:00

VOTO

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razões pelas quais dele conheço.

Mérito

Trata-se da prestação de contas de candidata a vereadora, relativa às eleições do ano de 2020.

As contas da recorrente foram desaprovadas com base no parecer do exame técnico, o qual concluiu pela utilização irregular dos recursos do FEFC.

Em síntese, foi constatado o pagamento de despesas pessoais com combustível, no valor R$ 741,15.

A recorrente admitiu a utilização de veículos de familiares e a aplicação de verbas do FEFC para o pagamento de combustível, alegando desconhecer o impedimento legal. Ainda, demonstrou o recolhimento do valor ao Tesouro Nacional após a decisão do juízo a quo, e requereu a aprovação das contas com ressalvas.

O tema é tratado pelos §§ 6º e 11 do art. 35 e pelo § 9º do art. 17, todos da Resolução 23.607/19, in verbis:

Art. 35.

(...)

§ 6º Não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha as seguintes despesas de natureza pessoal do candidato:

a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha;

(...)

§ 11. Os gastos com combustível são considerados gastos eleitorais apenas na hipótese de apresentação de documento fiscal da despesa do qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de:

I – veículos em eventos de carreata, até o limite de 10 (dez) litros por veículo, desde que feita, na prestação de contas, a indicação da quantidade de carros e de combustíveis utilizados por evento;

II – veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que:

a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas; e

b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim; e

Art. 17.

(...)

§ 9º Na hipótese de repasse de recursos do FEFC em desacordo com as regras dispostas neste artigo, configura-se a aplicação irregular dos recursos, devendo o valor repassado irregularmente ser recolhido ao Tesouro Nacional pelo órgão ou candidato que realizou o repasse tido por irregular, respondendo solidariamente pela devolução o recebedor, na medida dos recursos que houver utilizado.

 

Da análise dos dispositivos extrai-se a impossibilidade do emprego de recursos de campanha com despesas de cunho pessoal, incluindo-se o gasto com combustível, como realizado no caso concreto, tendo em vista que não se enquadra na exceção prevista no supracitado § 11 do art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nesse sentido, aferida a utilização irregular de verbas do FEFC, o valor deve ser recolhido aos cofres do Tesouro Nacional (§ 9º do art. 17 da Resolução TSE n. 23.607/19).

Ademais, a alegação de desconhecimento do impedimento legal não afasta o dever de recolhimento, consoante art. 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

Contudo, tendo em vista que a recorrente já comprovou a devolução do valor, resta superada esta obrigação legal (ID 31017333).

Por outro lado, embora a irregularidade apontada (R$ 741,15) represente 14,48 % das receitas declaradas pela candidata (R$ 5.118,16), em termos absolutos, o montante envolvido afigura-se de valor irrisório.

O Tribunal Superior Eleitoral tem aprovado com ressalvas as contas de campanha sempre que o somatório das irregularidades represente valor absoluto diminuto, ainda que o percentual com relação ao total da arrecadação seja elevado. Para tanto, a Corte superior adota como referência a importância de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos), como uma espécie de "tarifação do princípio da insignificância", considerando a quantia o máximo absoluto entendido como diminuto, conforme demonstram os julgados abaixo colacionados:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CANDIDATO. VEREADOR. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. DOAÇÃO A TÍTULO DE RECURSOS PRÓPRIOS MEDIANTE DEPÓSITO BANCÁRIO. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. VALOR DIMINUTO DA IRREGULARIDADE CONSIDERADO SEU VALOR ABSOLUTO. AGRAVO DESPROVIDO. 1. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral tem admitido a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para superação de irregularidades que representem valor absoluto diminuto, ainda que o percentual no total da arrecadação seja elevado. Precedentes. 2. No caso dos autos, embora o percentual da irregularidade seja elevado, aproximadamente 76%, seu valor absoluto (R$ 950,00) deve ser considerado módico, uma vez que inferior a R$ 1.064,10 (mil, sessenta e quatro reais e dez centavos – 1.000 UFIRs). 3. Manutenção da decisão. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 63967, Acórdão, Relator Min. Edson Fachin, Publicação: DJE – Diário da justiça eletrônica, Data: 06.8.2019.)

 

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. CANDIDATOS. DESAPROVADAS. DESPESAS COM INSTALAÇÃO DE COMITÊ DE CAMPANHA. COMPROVAÇÃO. REENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FATOS. POSSIBILIDADE. IRREGULARIDADES REMANESCENTES. PERCENTUAL INEXPRESSIVO NO CONTEXTO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. PRECEDENTES. PROVIMENTO MONOCRÁTICO DO RECURSO ESPECIAL PARA APROVAR, COM RESSALVAS, AS CONTAS DOS RECORRENTES. MANUTENÇÃO DA DECISÃO. AGRAVO DESPROVIDO. 1. O reenquadramento jurídico dos fatos, quando cabível, é restrito às premissas assentadas pela instância regional e não se confunde com o reexame e a revaloração do caderno probatório, providência incabível em sede de recurso especial, a teor do disposto na Súmula nº 24/TSE. 2. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral tem admitido a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para superação de irregularidades que representem valor absoluto diminuto, ainda que o percentual no total da arrecadação seja elevado. Precedentes. 3. Adota-se como balizas, para as prestações de contas de candidatos, o valor máximo de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) como espécie de "tarifação do princípio da insignificância" como valor máximo absoluto entendido como diminuto e, ainda que superado o valor de 1.000 UFIRs, é possível a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade para aquilatar se o valor total das irregularidades não superam 10% do total da arrecadação ou da despesa, permitindo-se, então, a aprovação das contas com ressalvas. 4. Tal balizamento quanto aos aspectos quantitativos das prestações de contas não impede sua análise qualitativa. Dessa forma, além de sopesar o aspecto quantitativo descrito acima, há que se aferir se houve o comprometimento da confiabilidade das contas (aspecto qualitativo). Consequentemente, mesmo quando o valor apontado como irregular representar pequeno montante em termos absolutos ou ínfimo percentual dos recursos, eventual afetação à transparência da contabilidade pode ensejar a desaprovação das contas. 5. No caso dos autos, o diminuto percentual das falhas detectadas (0,38%) – em relação ao valor absoluto arrecadado em campanha – não representa gravidade capaz de macular a regularidade das contas. 6. Agravo interno a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 0601473-67.2018.6.24.0000, Acórdão, Relator Min. Edson Fachin, Publicação: DJE – Diário da justiça eletrônica, Data: 07.5.2020.)

 

No mesmo sentido, colho o seguinte aresto deste Tribunal:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. 1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatados gastos declarados pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal. 2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17. 3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS – Prestação de Contas n 060069802, ACÓRDÃO de 14.7.2020, Relator DES. FEDERAL CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, Publicação: PJE – Processo Judicial Eletrônico-PJE.)

 

Assim, na hipótese dos autos, embora o percentual da irregularidade na prestação de contas da candidata seja superior ao utilizado como critério pela Justiça Eleitoral para aprovação com ressalvas (10%), o seu valor absoluto (R$ 741,15) deve ser considerado módico, pois inferior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos – 1.000 UFIR), sendo insuficiente para a desaprovação das contas.

Além disso, verifica-se a boa-fé da candidata, na medida em que declarou o gasto para a Justiça Eleitoral e, tão logo aferida a irregularidade, recolheu o valor ao Tesouro Nacional.

Dessa forma, considerando-se o reduzido valor absoluto da irregularidade e a evidência de boa-fé da prestadora, as contas devem ser aprovadas com ressalvas, pois não ostentam gravidade suficiente para macular a sua confiabilidade, nos termos do inc. II do art. 74 da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo provimento do recurso para reformar a sentença e aprovar com ressalvas as contas de Izar Terezinha Mirailh Pereira, relativas ao pleito de 2020.