REl - 0600373-43.2020.6.21.0048 - Voto Relator(a) - Sessão: 06/07/2021 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O prazo para a interposição de recurso contra sentença proferida em processo de prestação de contas atinente às eleições de 2020 é de 03 (três) dias, contados do ato de intimação da parte interessada, consoante expresso no art. 85 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ainda, por força do disposto no art. 26, § 4º, da Resolução TRE-RS n. 347/20, após o encerramento do período eleitoral com a diplomação dos eleitos, as intimações nos processos de prestação de contas passaram a ser realizadas diretamente no Sistema de Processo Judicial Eletrônico (PJe), dispensando-se a publicação do ato no Diário da Justiça Eletrônico (DJe) e, até 12.2.2021, a observância do prazo de ciência de 10 (dez) dias, previsto no art. 5º, § 3º, da Lei n. 11.419/06, em conformidade com a normativa posta no art. 51, caput, da Resolução TRE-RS n. 338/19.

Na presente hipótese, o RECORRENTE foi intimado da sentença, por meio de ato de comunicação no Sistema de Processo Judicial Eletrônico (PJe), na data de 1º.02.2021, segunda-feira (ID 27616733), de maneira que o prazo recursal se iniciou em 02.02.2021, terça-feira, encerrando-se em 04.02.2021, quinta-feira.

Portanto, em princípio, o recurso deveria ser considerado intempestivo, pois foi aviado no dia 05.02.2021, sexta-feira (ID 27616883), após o transcurso do tríduo legal.

Todavia, o Sistema de Processo Judicial Eletrônico (PJe) registrou automaticamente a publicação da sentença no DJe no dia 1º.02.2021, a ciência para a defesa do RECORRENTE em 02.02.2021, às 00h00min (Intimação n. 5248767 e n. 5248768), e o termo final para a interposição do recurso na data de 05.02.2021, às 23h59min, quando foi efetivamente aviado pela parte.

Nesse contexto, deve ser reconhecida a tempestividade da irresignação, porquanto os prazos recursais, que integram as garantias processuais das partes, embora não sejam alteráveis ad libitum do juízo, não devem ser havidos por preclusos quando há registro eletrônico de causa dilatória capaz de provocar incerteza à parte quanto ao seu cômputo, impedindo-a de utilizar os meios processuais existentes, em prejuízo ao exercício do seu direito de defesa perante o Poder Judiciário.

Logo, em sendo tempestivo e adequado, conheço do recurso.

 

Mérito

As contas de JOÃO FRANCISCO RENOSTO relativas ao pleito de 2020, no qual concorreu ao cargo de vereador no Município de Cambará do Sul, foram desaprovadas pelo juízo da origem, forte no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, por ter extrapolado em R$ 9.269,23 o limite de utilização de recursos próprios para o cargo em disputa, o qual, no referido município, correspondia a R$ 1.230,78 (10% de R$ 12.307,75, teto informado pelo Tribunal Superior Eleitoral no Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, com base nas eleições de 2016).

Por consequência, o RECORRENTE foi condenado a recolher ao Tesouro Nacional o valor do excesso (R$ 9.263,23) e à penalidade de multa (R$ 18.526,46), no total de R$ 27.789,69, com base no art. 27, §§ 1º e 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

A sentença merece ser parcialmente reformada.

A matéria objeto de análise encontra-se disciplinada no art. 27, §§ 1º e 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual reproduz a normativa contida no art. 23, §§ 2º-A e 3º, da Lei n. 9.504/97, verbis:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

§ 2º É vedada a aplicação indireta de recursos próprios mediante a utilização de doação a interposta pessoa, com a finalidade de burlar o limite de utilização de recursos próprios previstos no artigo 23, § 2º-A, da Lei 9.504/2017.

§ 3º O limite previsto no caput não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador ou à prestação de serviços próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 7º).

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º).

 

Depreende-se da leitura do art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19 que o candidato somente poderá empregar recursos próprios no valor máximo equivalente a 10% do limite previsto para gastos atinentes ao cargo em que concorrer, não havendo exceção a tal preceito.

Consequentemente, verifica-se que o teto para custeio da campanha com recursos próprios é objetivo, aferido a partir de simples equação matemática em relação ao marco legal de gastos relacionados ao cargo em disputa.

Sob esse viés, ressalto que o art. 45, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19 é expresso ao estabelecer a responsabilidade solidária entre o candidato, a pessoa por ele eventualmente indicada para elaborar suas contas e o profissional de contabilidade que acompanha a arrecadação de recursos e a realização de gastos eleitorais, em relação às informações financeiras e contábeis de sua campanha, inclusive no tocante à correta interpretação e aplicação das disposições legais pertinentes.

Nesse sentido, correta a sentença ao reconhecer a transgressão ao limite de gastos com recursos próprios durante a campanha na hipótese dos autos.

Por outro lado, a pretensão recursal merece ser parcialmente acolhida para que seja afastada a determinação de recolhimento do excesso ao Tesouro Nacional, no montante de R$ 9.263,23, bem como redimensionado o valor da sanção pecuniária, arbitrado pelo magistrado de primeiro grau em R$ 18.526,46.

Na dicção do § 4º do art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19, a desobediência ao limite imposto à utilização de recursos próprios na campanha sujeita o infrator ao pagamento de penalidade de multa no valor de até 100% da quantia em excesso, sem prejuízo da responsabilização por eventual conduta abusiva, nos termos do art. 22 da LC n. 64/90.

Como se percebe, a legislação eleitoral silenciou acerca da imposição do dever de recolhimento da quantia aplicada em excesso na campanha, motivo por que deve ser afastado o comando sentencial de transferência da importância de R$ 9.263,23 ao erário, por ausência de previsão normativa que respalde ordem judicial nesse sentido.

No que respeita ao sancionamento pecuniário, como advertiu a Procuradoria Regional Eleitoral, o máximo cominado corresponde ao exato valor do excesso, e não ao seu dobro como calculado na sentença, de modo que o quantum da penalidade de multa, fixado pelo juiz eleitoral de piso em R$ 18.526,46, deve ser reduzido para R$ 9.263,23, o qual representa 100% da quantia excedente.

A aplicação do percentual máximo na hipótese dos autos justifica-se pelo fato de que o excesso, além de compor parcela bastante significativa da totalidade das receitas auferidas pelo prestador (R$ 12.162,50), se mostra mais de sete vezes superior ao patamar definido para o autofinanciamento da campanha ao cargo de vereador no Município de Cambará do Sul nas eleições de 2020, fixado, como anteriormente dito, em R$ 1.230,78.

Nada obstante a necessidade de ajuste do comando sentencial nos moldes descritos anteriormente, o juízo de desaprovação não pode ser reformulado em sede recursal, haja vista que o valor nominal da falha (R$ 9.263,23) possui elevada expressividade econômica e representa 76,16% do somatório arrecadado (R$ 12.162,50), restando inviabilizada a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de superar o apontamento da mácula à confiabilidade das contas, como colho da jurisprudência deste Regional:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. ELEIÇÕES 2016. PRELIMINARES. NULIDADE DA SENTENÇA. NEGATIVA DE VIGÊNCIA DA LEGISLAÇÃO ELEITORAL. INVIÁVEL A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO, DE OFÍCIO, AO TESOURO NACIONAL. AUSÊNCIA DE MANEJO RECURSAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRECLUSÃO DA MATÉRIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. MANIFESTAÇÃO SOBRE O PARECER CONCLUSIVO, NOS TERMOS DO ART. 66 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. NÃO ACOLHIMENTO. MÉRITO. DEPÓSITO EM ESPÉCIE DIRETAMENTE NA CONTA DE CAMPANHA EM VALOR ACIMA DO LIMITE REGULAMENTAR. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. DIVERGÊNCIA ENTRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA REGISTRADA NA PRESTAÇÃO DE CONTAS E A VERIFICADA NOS EXTRATOS BANCÁRIOS. FALHAS QUE COMPROMETEM A TRANSPARÊNCIA DA CONTABILIDADE. DESPROVIMENTO. 1. Preliminares afastadas. 1.1. Ofensa aos arts. 18, inc. I, § 3º e 26, ambos da Resolução TSE n. 23.463/15. Inviável, nesta instância, determinar de ofício o recolhimento de valor ao Tesouro Nacional. A ausência de recurso ministerial conduz ao reconhecimento da preclusão da matéria e a impossibilidade de agravamento da situação jurídica do recorrente. Obediência ao princípio da vedação da reformatio in pejus. 1.2. A obrigatoriedade de abertura de prazo para manifestação sobre o parecer conclusivo, nos termos do art. 66 da Resolução TSE n. 23.463/15, é necessária apenas quando o órgão técnico indicar a existência de falhas sobre as quais não tenha sido oportunizado o contraditório ao candidato. In casu, o parecer conclusivo apenas ratificou os apontamentos já realizados, confrontando-os com os argumentos apresentados pela prestadora. Inexistência de prejuízo. Não caracterizado cerceamento de defesa. 2. Mérito. As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 só poderão ser efetivadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação, nos termos do disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15. Realizados depósitos diretamente na conta de campanha e acima do limite regulamentar, em desobediência à norma de regência. Caracterizada a inexistência de identificação da origem dos recursos. Valor substancial, representando 77,80% da totalidade da movimentação financeira. Impossibilidade de aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 3. Divergência entre o registro da movimentação financeira na prestação de contas e a verificada nos extratos bancários. Falha que compromete a transparência que deve revestir a contabilidade. 4. Provimento negado.

(TRE-RS - RE: 18892 PORTO ALEGRE - RS, Relator: EDUARDO AUGUSTO DIAS BAINY, Data de Julgamento: 10.04.2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 78, Data 03.05.2019, Página 8.) (Grifei.)

 

Em desfecho, assinalo ser necessária a correção, de ofício, do erro material na sentença quanto à destinação da penalidade de multa ao Tesouro Nacional, uma vez que a sua aplicação tem respaldo no art. 27, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19 e no art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97, devendo o valor respectivo, portanto, ser recolhido ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), como previsto no art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95.

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e provimento parcial do recurso interposto por JOÃO FRANCISCO RENOSTO para, mantendo o juízo de desaprovação das suas contas relativas ao pleito de 2020, reduzir o valor da penalidade de multa para R$ 9.263,23 (nove mil, duzentos e sessenta e três reais e vinte e três centavos), o qual, retificando erro material da sentença, deve ser recolhido ao Fundo Partidário, assim como afastar a determinação de recolhimento do valor do excesso ao Tesouro Nacional, com fundamento nos arts. 27, §§ 1º e 4º, e 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, c/c o art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95.

É como voto, Senhor Presidente.