REl - 0600464-77.2020.6.21.0099 - Voto Escrito - Sessão: 06/07/2021 às 14:00

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Peço redobradas vênias ao ilustre Relator, que após aquilatada análise da prova concluiu, com judiciosos argumentos, pelo afastamento da determinação de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional, para acompanhar a divergência inaugurada pelo Desembargador Oyama Assis Brasil de Moraes.

Entendo que a primeira consideração a ser feita é a de que os precedentes do TSE que afastaram o dever de recolhimento ao Tesouro Nacional em caso de irregularidades no pagamento de despesas de campanha por cheque – e aqui estamos tratando de recursos do FEFC no total de R$ 3.717,00 – não trataram da questão da ausência de emissão de cheque cruzado, não se amoldando especificamente ao caso dos autos.

Até a eleição de 2018, a regulamentação sobre as contas de campanha estabelecia que o cheque emitido para pagamento de despesas eleitorais deveria ser nominal, e somente a partir da edição da Resolução TSE n. 23.607/2019, que regulamenta as contas da campanha de 2020 e seguintes, foi incluída a exigência de emissão de cheque nominal cruzado (art. 38, inc. I), a fim de que a única forma de recebimento da quantia seja por depósito em conta bancária.

Desse modo, ainda não se sabe como a Corte Superior Eleitoral vai tratar o descumprimento da norma - por ela estabelecida na Resolução TSE n. 23.607/2019 - para a hipótese dos autos: gastos eleitorais pagos com recursos do FEFC por meio de cheques não nominais e sem cruzamento.

De qualquer sorte, observa-se nos julgados do TSE que trataram do pagamento de gastos de campanha com cheques não nominais e descontados por terceiros, que foi afastado o dever de recolhimento nas contas em que houve comprovação da regularidade da despesa por meio de documentos idôneos.

Contudo, no caso dos autos a prova de que os fornecedores, registrados nas contas e que apresentaram notas fiscais, efetivamente receberam os recursos do FEFC, consiste unicamente em documentos produzidos de forma unilateral e destituídos de fé pública.

Conforme observou o Desembargador Oyama, não há “vinculação dos cheques emitidos com os serviços alegadamente prestados e objeto das notas fiscais juntadas” porque “a microfilmagem dos cheques revela como beneficiários terceiros sem nenhuma relação comprovada com os emitentes dos documentos fiscais apresentados, configurando, a meu sentir, utilização indevida dos recursos públicos, pois não há mínima comprovação de que os beneficiários dos cheques tenham prestado serviços que justifiquem os pagamentos”.

De fato, as meras declarações firmadas pelos terceiros, beneficiários dos cheques, afirmando que o valor do FEFC foi repassado aos fornecedores de campanha, não possui força suficiente para se entender que o lastro do pagamento está comprovado.

A propósito, verifiquei que em caso semelhante ao dos autos, de minha relatoria, relativo às eleições de 2018, em que houve desconto de cheques não nominais por terceiros estranhos à campanha, emitidos com recursos do FEFC, esta Corte não aceitou, como prova, a declaração unilateral de que o valor foi posteriormente recebido pelos fornecedores, e que o TSE confirmou o acórdão, mantendo a determinação de recolhimento dos recursos ao Tesouro Nacional. Transcrevo as ementas:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES GERAIS DE 2018. PRELIMINAR. JUNTADA DE DOCUMENTOS APÓS AUTOS CONCLUSOS. CONHECIDOS. DESNECESSÁRIA NOVA ANÁLISE TÉCNICA. MÉRITO. FALHA ATINENTE À UTILIZAÇÃO DE RECURSO PÚBLICO. FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). FORMA DE PAGAMENTO. APRESENTAÇÃO DOS CHEQUES NÃO NOMINATIVOS AO FORNECEDOR. SACADOS POR TERCEIROS. DEMONSTRADO O PAGAMENTO AOS REAIS DESTINATÁRIOS. RECOLHIMENTO AO ERÁRIO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

(...)

2. Ausência de comprovação de pagamento de despesas, por meio de três cheques não nominativos, com recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, pois o beneficiário do recurso foi terceiro que não o fornecedor do serviço. Apresentadas as microfilmagens dos cheques e juntada, aos autos, declaração prestada pelos três fornecedores em questão, com firma reconhecida, na qual afirmam ter recebido a quantia glosada pelo órgão técnico.

3. Consoante entendimento desta Corte, a não apresentação da microfilmagem de cheque nominal ao fornecedor acarreta, por si só, o recolhimento do recurso ao erário. Imprescindível que tais documentos se prestem a demonstrar o correto emprego da verba, em conformidade com a disciplina do art. 40 da norma de regência. No caso dos autos, evidenciada a irregularidade de pagamentos feitos a pessoas diversas dos fornecedores, fato que empresta ao caso contornos mais graves e enseja o recolhimento ao Tesouro Nacional.

4. Questões referentes aos destinatários dos pagamentos devem ser apuradas em procedimento próprio, pois inviável esta análise em sede de prestação de contas, frente aos parcos elementos constantes dos autos e ao mitigado contraditório.

5. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS, PC 0602945-87.2018.6.21.0000, de minha relatoria, julgado em 28.1.2020) - Grifei

 

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2018. DEPUTADO ESTADUAL. CONTAS DE CAMPANHA APROVADAS COM RESSALVAS. ART. 40 DA RES.-TSE 23.553/2017. DESPESAS. PAGAMENTO. CHEQUE NOMINAL A TERCEIRO. IRREGULARIDADE. DEVOLUÇÃO AO ERÁRIO. SÚMULA 24/TSE. NEGATIVA DE PROVIMENTO.

(...)

2. De acordo com o art. 40 da Res.-TSE 23.553/2017, os gastos eleitorais de natureza financeira, salvo os de pequeno vulto, só podem ser efetuados por meio de cheque nominal, transferência bancária que identifique o CPF do beneficiário ou débito em conta.

3. Esta Corte Superior assentou que as “despesas com recursos públicos em desconformidade com a legislação de regência são consideradas irregulares, impondo-se a determinação de ressarcimento ao Erário dos valores despendidos, nos termos do art. 82, § 1º, da Res.-TSE nº 23.553/2017” (AgR-AI 0602741-87/BA, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 4/5/2020).

4. Na espécie, o TRE/RS, em aresto unânime, determinou ao agravante o recolhimento ao erário de R$ 13.335,00 por uso indevido de recursos do FEFC, haja vista a emissão de cheques nominais a terceiros estranhos à campanha (não fornecedores).

5. Consignou-se que “a microfilmagem dos cheques juntados aos autos demonstra, de forma inquestionável, que estes foram emitidos nominalmente a terceiros que não os fornecedores”, sem apresentação de documento idôneo e suficiente a indicar o correto uso de dinheiro público na campanha eleitoral, a ensejar o retorno dos valores ao Tesouro.

6. A alegada comprovação do recebimento dos recursos pelos fornecedores e o adequado uso da verba do FEFC não prosperam, pois o TRE/RS, soberano na análise fático-probatória, desconsiderou o documento por ser unilateral, conforme parecer do setor técnico. Conclusão diversa encontra óbice na Súmula 24/TSE.

(...)

8. Agravo interno a que se nega provimento.

(TSE - REspEl: 06029458720186210000 PORTO ALEGRE - RS, Relator: Min. Luis Felipe Salomão, Data de Julgamento: 08/10/2020, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 217, Data 28/10/2020) - Grifei

 

Nesse contexto, observa-se que a diretriz traçada do TSE se orienta no sentido de que o recolhimento ao erário somente é afastado com prova segura sobre a regularidade do pagamento, o que, conforme assentado no voto divergente, não ocorre no caso dos autos em face da “falta de vinculação entre os beneficiários dos cheques e a prestação de serviços à campanha, ou vinculação aos emitentes das notas fiscais trazidas”.

Por esses fundamentos, com muito respeito ao pensamento em contrário e pedindo vênias ao nobre Relator, acompanho a divergência e VOTO pelo desprovimento do recurso, para manter a aprovação das contas com ressalvas e a determinação de recolhimento de R$ 3.717,00 ao Tesouro Nacional, na forma fixada na sentença recorrida.