REl - 0600464-77.2020.6.21.0099 - Voto Vista - Sessão: 06/07/2021 às 14:00

VOTO-VISTA

Em que pese o brilhantismo do voto lançado pelo eminente relator, ouso discordar da conclusão que determina o afastamento do recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional, como estabelecido na sentença.

Aponto, desde logo, que a matéria recursal está circunscrita ao recolhimento, ou não, ao Tesouro Nacional dos recursos oriundos do FEFC e destinados a pagamentos de gastos eleitorais, ao arrepio do disposto no art. 38 da Resolução TSE 23.607/19, que dispõe:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

§ 1º O pagamento de boletos registrados pode ser realizado diretamente por meio da conta bancária, vedado o pagamento em espécie.

§ 2º É vedado o pagamento de gastos eleitorais com moedas virtuais.

A prova dos autos não deixa dúvidas quanto ao descumprimento da norma supracitada, cabendo determinar, por um lado, se essa conduta, por si só, conduz à determinação de recolhimento dos valores apurados ao Tesouro Nacional ou, por outro lado, se existem documentos idôneos capazes de comprovar os gastos efetuados por meio dos cheques objeto da glosa.

Nesse passo, destaco que o voto prolatado pelo eminente relator traz, com brilhantismo, a atual posição jurisprudencial fixada pelo TSE em casos análogos e que colide com o entendimento consolidado nesta Corte, no sentido de que o descumprimento das regras do art. 38 já citado, notadamente o pagamento mediante cheques ao portador e sem cruzamento, leva à determinação de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional.

Como se observa do brilhante voto prolatado, a atual jurisprudência do TSE supera o entendimento até hoje vigente neste colegiado, estabelecendo, em síntese, que a devolução de valores oriundos de recursos públicos ao Tesouro Nacional somente é cabível nas hipóteses de ausência de comprovação da utilização dos recursos ou utilização indevida, comandos estabelecidos no § 1º do art. 79 da já citada Resolução TSE 23.607/19:

Art. 79. A aprovação com ressalvas da prestação de contas não obsta que seja determinada a devolução dos recursos recebidos de fonte vedada ou a sua transferência para a conta única do Tesouro Nacional, assim como dos recursos de origem não identificada, na forma prevista nos arts. 31 e 32 desta Resolução.

§ 1º Verificada a ausência de comprovação da utilização dos recursos do Fundo Partidário e/ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) ou a sua utilização indevida, a decisão que julgar as contas determinará a devolução do valor correspondente ao Tesouro Nacional no prazo de 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado, sob pena de remessa dos autos à representação estadual ou municipal da Advocacia-Geral da União, para fins de cobrança.

Assim, diante da recente jurisprudência do TSE, não subsistiria o comando sentencial alinhado com o anterior entendimento desta Corte, ou seja, que o descumprimento das regras do art. 38 da Resolução em comento conduz à determinação de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional, sem necessidade de outras provas.

Efetivamente, estando a sentença em descompasso com a mais recente jurisprudência do TSE, haveria de ser afastada a sanção nela prevista, recolhimento dos valores correspondentes aos cheques ao Tesouro Nacional.

Todavia, entendo que a prova dos autos leva, por fundamento diverso, à manutenção da sentença no que se refere ao objeto deste recurso, recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional.

O quadro traçado pelo eminente relator, reproduzindo tabela da unidade técnica, demonstra que os cheques foram emitidos para pagamento de Diego Augusto Santin, cheque n. 000006, no valor de R$1.657,00; Lourdes Teresinha Bigolin, cheque n. 000001, no valor de R$1.060,00; e Preuser & Filho Ltda., cheque n. 000005, no valor de R$1.000,00.

Ocorre que a análise da microfilmagem dos cheques estabelece que os beneficiários das cártulas foram Robson Coteskvisk, Anderson Sarmento e Rafaela Barreto, pessoas estranhas aos fornecedores identificados e que apresentaram as notas fiscais e as declarações tendentes a estabelecer vinculação com os já citados cheques.

A propósito do tema, acrescento que as regras contidas na Resolução TSE n. 23.607/19 objetivam que se estabeleça de modo fidedigno a utilização de recursos públicos para gastos de campanha, vale dizer, os gastos de campanha devem ser identificados com clareza e estabelecendo elos seguros entre os beneficiários dos pagamentos e os serviços prestados. É a chamada rastreabilidade, os pagamentos devem ser atestados por documentos hábeis a demonstrar o serviço prestado pelo beneficiário e sua vinculação com a despesa.

Assim, mesmo superado o entendimento desta Corte quanto à obrigação de recolhimento dos recursos ao Tesouro Nacional nas hipóteses de descumprimento do art. 38 já citado, persiste a obrigatoriedade de comprovação fidedigna da utilização dos recursos públicos para pagamento das despesas de campanha.

No processo em exame, a prova dos autos não comprova, data vênia do entendimento em contrário, vinculação dos cheques emitidos com os serviços alegadamente prestados e objeto das notas fiscais juntadas.

Com efeito, a microfilmagem dos cheques revela como beneficiários terceiros sem nenhuma relação comprovada com os emitentes dos documentos fiscais apresentados, configurando, a meu sentir, utilização indevida dos recursos públicos, pois não há mínima comprovação de que os beneficiários dos cheques tenham prestado serviços que justifiquem os pagamentos.

A hipótese, portanto, parece alinhada com julgado recente do Tribunal Superior Eleitoral, o AgRgREspe n. 0602945-87, julgado em 8.10.2020, Relator o Ministro Luís Felipe Salomão, cuja ementa foi elaborada nos seguintes termos:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2018. DEPUTADO ESTADUAL. CONTAS DE CAMPANHA APROVADAS COM RESSALVAS. ART. 40 DA RES.-TSE 23.553/2017. DESPESAS. PAGAMENTO. CHEQUE NOMINAL A TERCEIRO. IRREGULARIDADE. DEVOLUÇÃO AO ERÁRIO. SÚMULA 24/TSE. NEGATIVA DE PROVIMENTO.

1. No decisum monocrático, negou-se seguimento ao recurso especial de candidato ao cargo de deputado estadual em 2018, mantendo-se a devolução de valores ao Tesouro devido ao uso irregular de recursos públicos. 

2. De acordo com o art. 40 da Res. TSE 23.553/2017, os gastos eleitorais de natureza financeira, salvo os de pequeno vulto, só podem ser efetuados por meio de cheque nominal, transferência bancária que identifique o CPF do beneficiário ou débito em conta. 

3. Esta Corte Superior assentou que as “despesas com recursos públicos em desconformidade com a legislação de regência são consideradas irregulares, impondo-se a determinação de ressarcimento ao Erário dos valores despendidos, nos termos do art. 82, § 1º, da Res. TSE nº 23.553/2017” (AgR-AI 0602741-87/BA, Rel. Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 4/5/2020).

4. Na espécie, o TRE/RS, em aresto unânime, determinou ao agravante o recolhimento ao erário de R$ 13.335,00 por uso indevido de recursos do FEFC, haja vista a emissão de cheques nominais a terceiros estranhos à campanha (não fornecedores). 

5. Consignou-se que “a microfilmagem dos cheques juntados aos autos demonstra, de forma inquestionável, que estes foram emitidos nominalmente a terceiros que não os fornecedores”, sem apresentação de documento idôneo e suficiente a indicar o correto uso de dinheiro público na campanha eleitoral, a ensejar o retorno dos valores ao Tesouro. 

6. A alegada comprovação do recebimento dos recursos pelos fornecedores e o adequado uso da verba do FEFC não prosperam, pois o TRE/RS, soberano na análise fático-probatória, desconsiderou o documento por ser unilateral, conforme parecer do setor técnico. Conclusão diversa encontra óbice na Súmula 24/TSE.

7. Ademais, embora o candidato tenha suscitado essa matéria em declaratórios, não alegou, no apelo nobre, afronta ao art. 275 do Código Eleitoral e 1.022 do CPC/2015, o que inviabiliza seu conhecimento nesta seara.

8. Agravo interno a que se nega provimento. Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, em negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do relator.

 

Reforço que a prova dos autos não revela nenhum documento fiscal idôneo emitido pelos beneficiários dos cheques e tampouco contrato ou prova de prestação de serviços a justificar os pagamentos feitos.

Nesse norte, e ausente vinculação entre os beneficiários dos cheques e os emitentes das notas fiscais, e ainda diante da ausência de provas, por documentos idôneos, de prestação de serviços por parte dos beneficiários dos cheques, resta descumprida a regra posta no art. 60, e parágrafos, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

§ 1º Além do documento fiscal idôneo, a que se refere o caput, a Justiça Eleitoral poderá admitir, para fins de comprovação de gastos, qualquer meio idôneo de prova, inclusive outros documentos, tais como:

I - contrato;

II - comprovante de entrega de material ou da prestação efetiva do serviço;

III - comprovante bancário de pagamento; ou

IV - Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações da Previdência Social (GFIP).

§ 2º Quando dispensada a emissão de documento fiscal, na forma da legislação aplicável, a comprovação da despesa pode ser realizada por meio de recibo que contenha a data de emissão, a descrição e o valor da operação ou prestação, a identificação do destinatário e do emitente pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ, endereço e assinatura do prestador de serviços.

§ 3º A Justiça Eleitoral poderá exigir a apresentação de elementos probatórios adicionais que comprovem a entrega dos produtos contratados ou a efetiva prestação dos serviços declarados.

(...)

 

Descumprida a regra posta no art. 60 acima citado, pois, repito, não há vinculação, por documentação idônea, entre os beneficiários do cheque e a prestação de serviços que justifique os pagamentos, os gastos representados pelas cártulas restam sem comprovação, atraindo a incidência do disposto no § 1º do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19, com a devolução dos valores ao Tesouro Nacional, como determinado na sentença.

Concluo, portanto, em face da prova dos autos, que a falta de vinculação entre os beneficiários dos cheques e prestação de serviços à campanha, ou vinculação aos emitentes das notas fiscais trazidas, traduz utilização dos recursos do FEFC sem comprovação, levando, em consequência, à obrigação de devolução dos valores correspondentes ao Tesouro Nacional, na forma do § 1º do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Diante do exposto, VOTO POR NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto por FLÁVIO GOLIN e VANDERLEI ADÍLIO ANTUNES PINTO, para manter a sentença prolatada, ainda que por fundamento diverso.