REl - 0600216-34.2020.6.21.0060 - Voto Relator(a) - Sessão: 06/07/2021 às 14:00

VOTO

Eminentes colegas.

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

A sentença hostilizada aprovou com ressalvas as contas de campanha relativas às eleições 2020, para o cargo de vereador, de HUGO ROBERTO DA SILVA MIORI, apontando irregularidade quanto aos recebimentos no total R$ 6.500,00, depositados em espécie na conta de campanha do candidato, nas datas de 07.10.2020 (cinco diferentes operações, cada qual de R$ 1.000,00) e de 04.11.2020 (em operações de R$ 1.000,00 e de R$ 500,00). O próprio candidato foi identificado como depositante dos cinco primeiros valores; Natali Madruga, dos dois últimos.

Irresignado, o recorrente sustenta não haver ilegalidade, mas unicamente um equívoco quanto à forma pela qual fora realizada a transferência dos valores.

Conforme a legislação de regência, a quantia de R$ 1.064,10 é o patamar a partir do qual há a obrigatoriedade de transação eletrônica e, em face desse limite, com certa frequência ocorre de o doador realizar diversos depósitos em espécie, via a denominada "boca do caixa", em valor inferior aos referidos R$ 1.064.10. Acrescento que, contudo, a hipótese é tratada de forma expressa pelos §§ 1º e 2º do art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

(...)

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

(…)

 

Neste norte, como as doações foram concentradas por um mesmo doador em um mesmo dia (07.10.2020, o próprio Hugo Miori, e 04.11.2020, Natali Madruga), imperativamente deveriam ter ocorrido mediante transferência eletrônica.

Destaco que não se trata de erro formal, mas de afronta à previsão legal cujo objetivo é assegurar a transparência da origem das receitas arrecadadas nas campanhas eleitorais, e a inobservância da diretriz permite o ingresso de recursos na conta do candidato sem a certeza de quem é, afinal de contas, o doador, pois o CPF declarado na "boca do caixa" não reflete necessariamente o autor da contribuição – imagine-se um atravessador de valores frequentando várias vezes a agência bancária para depositar, sempre em espécie, quantias inferiores a R$ 1.064,10.

Resta, portanto, configurada a origem não identificada.

Na sequência, o recorrente aduz que, especificados os doadores, a devolução não deveria se destinar ao Tesouro Nacional, mas retornar aos contribuintes.

A pretensão não merece acolhimento, pois o § 4º do citado art. 21 dita que, no caso de emprego das doações financeiras recebidas em desacordo com a legislação, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do caput do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19, de modo que, utilizados os recursos, não há falar em restituição aos doadores.

Finalmente, o recorrente questiona o valor a ser recolhido:

Além disso, o valor a ser devolvido excede o previsto na Legislação, vejamos: O candidato recebeu doações que somam R$ 6.500,00. Ocorre, que o candidato pode receber doações em espécie até o limite legal de R$ 1.064,10, sendo possível passar desse valor apenas quando a doação ocorrer via transferência bancária. Além disso, foi lançado por equivoco no sistema SPCE, o valor de R$ 1.040,00 como doação pessoal, quando na verdade o valor foi doação da Srª Aline Loipes Bergmann, CPF n° 005.111.820-31, conforme extrato bancário em anexo. Como consequência disso, não deve ser aplicada a multa de R$ 360,57, eis que o candidato não ultrapassa o limite legal de gastos pessoais de campanha, balizados em 10% sobre R$ 66.794,29. Com isso tal valor deve ser excluído da base de cálculo para aplicação de multa, eis que a doação está dentro dos limites legais. Em relação as doações, o valor de R$ 5.000,00 devem ser diminuído do valor de R$ 1.040,00 ficando a quantia de R$ 3.960,00. Da quantia de R$ 3.960,00, deve ser descontado o valor permitido pela lei, ou seja, R$ 3.960,00 – R$ 1.064,10, resultando como valor base da multa a quantia de R$ 2.895,90. Já em relação aos valores recebidos pela Natali Magruda, o mesmo deve ocorrer, o excesso da doação é de R$ 435,90. Sendo assim, para fins de multa, o valor a ser considerado é a soma de R$ 2.895,90 + R$ 435,90 que resulta na quantia de R$ 3.331,80. O art. 27, §4º da Resolução 23.607/19 do TSE, preconiza que a multa a ser aplicada é de até 100% sobre o valor excedido. Ocorre, que além da multa ter sido aplicada no patamar máximo, que desde já se requer sua diminuição, considerando valores inexpressivos para o resultado e deslinde do certame e pela boa-fé do candidato, o valor não sofreu o desconto do limite legal de R$ 1.064,10. O percentual de até 100% somente pode ser aplicado nos valores em excesso, descontando o valor permitido. (Grifos no original)

 

Aqui, a sentença igualmente há de ser mantida, pois a falha caracteriza o recurso como de origem não identificada na sua totalidade, conforme se depreende do art. 32, § 1º, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

(...)

IV - as doações recebidas em desacordo com o disposto no art. 21, § 1º, desta Resolução quando impossibilitada a devolução ao doador;

(…)

Contudo, quanto à multa de R$ 360,57, aplicada em razão de o candidato ter extrapolado o limite de gastos com recursos próprios, entendo por afastá-la, nos termos da derradeira manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral.

Explico.

Para entender que o recorrente HUGO extrapolou o limite de gastos previstos para o cargo de vereador na cidade de Pelotas, a sentença considerou os R$ 5.000,00 depositados em espécie na data de 07.10.2021, pois houve a declaração do próprio candidato como depositante na "boca do caixa". Contudo, uma vez caracterizado tal valor como de origem não identificada para fins de recolhimento, não há como o enquadrar, ao mesmo tempo, como oriundo de recursos próprios para fins de multa, sob pena de configurar indevida duplicidade sancionatória.

Nessa linha de raciocínio, afasto a multa de R$ 360,57.

A título de desfecho, registro que as verbas de origem não identificada – RONI – representam 44,35% dos recursos utilizados na campanha, o que ensejaria, conforme a jurisprudência deste Tribunal, o juízo de desaprovação das contas; no entanto, a sentença não foi objeto de impugnação no ponto, motivo pelo qual há de se manter a aprovação com ressalvas, evitando-se a piora na situação da parte recorrente.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para manter a aprovação com ressalvas das contas e a determinação de recolhimento da quantia de R$ R$ 6.500,00 ao Tesouro Nacional e afastar a aplicação de multa no valor de R$ 360,57.