REl - 0600310-27.2020.6.21.0142 - Voto Relator(a) - Sessão: 06/07/2021 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo e regular, comportando conhecimento.

 

Mérito

TANIRA RAMOS DOS SANTOS MARTINS, candidata ao cargo de vereador no Município de Hulha Negra, insurgiu-se contra a sentença proferida pelo Juízo da 142ª Zona Eleitoral de Bagé que desaprovou a sua prestação de contas relativa ao pleito de 2020, em virtude do recebimento de recursos de origem não identificada, impondo-lhe o dever de transferência da quantia de R$ 650,00 ao Tesouro Nacional, com fulcro no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19 (ID 18669383 e 18669483).

O recurso merece ser parcialmente acolhido.

De acordo com o parecer conclusivo, a partir da confrontação das despesas declaradas pela RECORRENTE nos demonstrativos contábeis e as notas fiscais eletrônicas de gastos eleitorais constantes na base de dados da Justiça Eleitoral, verificou-se a omissão de despesa contratada junto à empresa Ana Rita da Silva Ibanez (CNPJ n. 33.383.072/0001-14), no valor de R$ 650,00, caracterizando infringência ao disposto no art. 53, inc. I, al. "g", da Resolução TSE n. 23.607/19.

Com o intuito de sanear a falha, a RECORRENTE argumentou ter escriturado o gasto eleitoral em comento como estimável em dinheiro, uma vez que a sua quitação foi realizada com recursos do PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (PTB), mediante transação bancária efetivada na conta-corrente n. 06.187352.0-6, mantida em nome da agremiação partidária junto ao Banrisul, como evidenciam a nota fiscal e o comprovante de pagamento juntados em grau recursal.

O aludido comprovante de pagamento, entretanto, não foi trazido aos autos por ocasião da interposição do recurso.

Por usa vez, a Nota Fiscal de Serviços Eletrônica (NFS-e) n. 202000000000022, datada de 12.11.2020, não foi emitida em nome do PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (PTB), mas da própria RECORRENTE, com indicação expressa do número do CNPJ atribuído à sua campanha, demonstrando que a despesa eleitoral foi contratada e paga diretamente pela candidata (ID 18669033).

Além disso, nos extratos bancários da conta específica da campanha da RECORRENTE, juntados no ID 18667533, não foi detectado o registro da operação bancária correspondente à quitação do dispêndio eleitoral em referência, o que caracteriza, de forma inequívoca, a captação de receita sem identificação de origem para o financiamento da campanha, em manifesto prejuízo à atividade fiscalizatória da Justiça Eleitoral.

Por consequência, o montante de R$ 650,00 deve ser caracterizado como proveniente de origem desconhecida e, obrigatoriamente, transferido ao Tesouro Nacional, consoante dispõe o art. 14, caput, c/c o art. 32, caput e § 1º, inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 14. O uso de recursos financeiros para o pagamento de gastos eleitorais que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º implicará a desaprovação da prestação de contas do partido político ou do candidato (Lei nº 9.504/1997, art. 22, § 3º).

(...)

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

(…)

VI - os recursos financeiros que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º desta Resolução;

(…).

 

Por outro lado, entendo que, na presente hipótese, as contas podem ser aprovadas com ressalvas.

Nada obstante o valor da falha (R$ 650,00) represente 27,06% das receitas arrecadadas para a campanha (R$ 2.402,40), a sua expressividade absoluta é reduzida e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e a dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Nesse contexto, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral e deste Tribunal admite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para afastar o severo juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da elevada equivalência relativa da irregularidade diante do conjunto das receitas, o seu valor nominal se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10, como colho das seguintes ementas:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator(a) Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data: 29.9.2017.) (Grifei.)

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS, PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.7.2020.) (Grifei.)

 

Anoto, em desfecho, que o julgamento pela aprovação das contas com ressalvas não afasta a imposição legal de transferência dos valores de origem não identificada ao Tesouro Nacional (art. 79, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19), que é independente da sorte do julgamento final das contas.

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e provimento parcial do recurso interposto por TANIRA RAMOS DOS SANTOS MARTINS, ao efeito de aprovar com ressalvas as suas contas relativas ao pleito de 2020, mantendo a determinação de recolhimento da quantia de R$ 650,00 (seiscentos e cinquenta reais) ao Tesouro Nacional, com fundamento nos arts. 32, caput, e 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19.

É como voto, Senhor Presidente.