REl - 0600225-37.2020.6.21.0014 - Voto Relator(a) - Sessão: 06/07/2021 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é regular e tempestivo, comportando conhecimento.

 

Conhecimento de Novos Documentos Juntados na Fase Recursal

Inicialmente, consigno que, no âmbito dos processos de prestação de contas, expedientes que têm preponderante natureza declaratória e possuem como parte apenas o prestador, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, ainda que o interessado tenha sido intimado para se manifestar, quando sua simples leitura possa sanar irregularidades e não haja necessidade de nova análise técnica, como na presente hipótese.

Potencializa-se o direito de defesa, especialmente quando a juntada da nova documentação mostra capacidade de influenciar positivamente o exame da contabilidade, de forma a prestigiar o julgamento pela retidão no gerenciamento dos recursos empregados no financiamento da campanha, como denota a ementa abaixo colacionada:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR. JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS COM A PEÇA RECURSAL. ACOLHIDA. MÉRITO. AUSENTE OMISSÃO. DIVERGÊNCIA ENTRE OS DÉBITOS CONSTANTES NOS EXTRATOS E OS INFORMADOS NA CONTABILIDADE. PAGAMENTO DESPESAS SEM TRÂNSITO NA CONTA DE CAMPANHA. IMPOSSIBILIDADE DE REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA MEDIANTE A JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS. INVIÁVEL NOS ACLARATÓRIOS. REJEIÇÃO. 1. Preliminar. Admitida a apresentação de novos documentos com o recurso, quando capazes de esclarecer irregularidades apontadas, sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares. 2. Inviável o manejo dos aclaratórios para o reexame da causa. Remédio colocado à disposição da parte para sanar obscuridade, contradição, omissão ou dúvida diante de uma determinada decisão judicial, assim como para corrigir erro material do julgado. Presentes todos os fundamentos necessários no acórdão quanto às falhas envolvendo divergência entre a movimentação financeira escriturada e a verificada nos extratos bancários bem como do pagamento de despesas sem o trânsito dos recursos na conta de campanha. Não caracterizada omissão. Rejeição.

(TRE-RS - RE: 50460 PASSO FUNDO - RS, Relator: DR. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Data de Julgamento: 25.01.2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 13, Data: 29.01.2018, Página 4.) (Grifei.)

 

Logo, conheço da documentação juntada ao recurso.                                                                                                                      

 

Mérito

CARLOS EDUARDO DOMINGUES MARTINS, candidato ao cargo de vereador no Município de Canguçu, interpôs recurso contra a sentença proferida pelo Juízo da 14ª Zona Eleitoral que julgou desaprovada a sua contabilidade relativa ao pleito de 2020, determinando-lhe o recolhimento da quantia de R$ 2.400,00 ao Tesouro Nacional, em virtude do recebimento de três depósitos em dinheiro, no valor individual de R$ 800,00, nos dias 28, 29 e 30.10.2020, que foram identificados com o número de CNPJ da sua campanha, e não com sua inscrição no CPF, em contrariedade com o regramento posto no art. 21, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, a seguir transcrito:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços;

III - instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo por meio de sítios da internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos similares.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

 

Contudo, o RECORRENTE esclareceu, inclusive durante a fase instrutória (ID 24094733), que a falha foi decorrente de equívoco na indicação dos dados no momento da efetivação das operações bancárias, tendo declarado a totalidade dos valores irregularmente depositados em sua conta-corrente de campanha como recursos próprios, assim como apresentado os correspondentes recibos eleitorais (ID 24094833, 24094933 e 24094983).

Consigno, em acréscimo, que a Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda, referente ao exercício 2020/ano calendário 2019, acostada ao recurso, demonstra que o RECORRENTE possuía capacidade financeira para realizar as doações. 

Outrossim, não foi extrapolado o limite de autofinanciamento para o cargo de vereador no Município de Canguçu, o qual, nas eleições de 2020, foi fixado em R$ 2.406,22, de acordo com informações constantes do sítio do Tribunal Superior Eleitoral na internet (https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/arquivos/tse-tabela-limite-de-gastos-eleicoes-2020/rybena_pdf?file=https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/arquivos/tse-tabela-limite-de-gastos-eleicoes-2020/at_download/file).

Nesse contexto, entendo evidenciada a boa-fé de agir e a verossimilhança das alegações recursais, no sentido do equívoco formal cometido no preenchimento dos dados das transações bancárias.

Desse modo, a situação verificada não acarreta prejuízo ao exame das contas, tampouco sinaliza o aporte de recursos de origem não identificada ao financiamento da campanha, razão pela qual é incapaz de provocar a reprovabilidade da escrituração, assim como de ensejar ordem de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

Em casos análogos, esse foi o entendimento adotado por este Colegiado, como colho das ementas dos seguintes precedentes:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. ELEIÇÕES 2016. UTILIZAÇÃO DE RECURSOS EM VALOR SUPERIOR AO PATRIMÔNIO DECLARADO NO REGISTRO. QUANTIA IRRISÓRIA. DEPÓSITO COM INDICAÇÃO DO CNPJ DO CANDIDATO. EXIGÊNCIA LEGAL DO CPF DO DOADOR. FALHAS QUE NÃO COMPROMETEM A ANÁLISE DAS CONTAS. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. DESPROVIMENTO. 1. Utilização de recursos em valor superior ao patrimônio declarado no registro de candidatura. Quantia, no entanto, irrisória, inferior a R$ 1.064,10, montante que a própria normatização regente estabelece como parâmetro para a dispensa da formalidade de transferência entre contas bancárias. Irregularidade superada. 2. Realização de depósito no valor de R$ 400,00 com a indicação do CNPJ do candidato. Falha em desacordo com o art. 18 da Resolução TSE n. 23.463/15, que determina a indicação do CPF do doador. Apresentados o recibo eleitoral do recurso arrecadado e o comprovante de depósito da importância. Evidenciada a boa-fé do prestador. Não caracterizado o ingresso de recursos de origem não identificada, tampouco verificado prejuízo ao exame das contas. Manutenção do juízo de aprovação com ressalvas. 3. Provimento negado.

(TRE-RS - RE: 22470 ALEGRETE - RS, Relator: LUCIANO ANDRÉ LOSEKANN, Data de Julgamento: 04.10.2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 183, Data: 08.10.2018, Página 2.) (Grifei.)

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. ELEIÇÕES 2016. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. DOAÇÃO EM ESPÉCIE. INFORMAÇÃO QUANTO AO CNPJ. FALHA MATERIAL. DESPROVIMENTO. O lançamento equivocado do número do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica do candidato, em vez de seu Cadastro de Pessoas Físicas, em três dos depósitos realizados por ele em sua conta "Doações para Campanha", caracterizam meras falhas materiais, as quais não possuem aptidão para comprometer a transparência das contas. Eleitor e candidato, juridicamente, não são o mesmo sujeito. O primeiro é identificado pela inscrição no CPF e o segundo movimenta recursos vinculados ao CNPJ. Mantida a sentença pela aprovação com ressalvas. Provimento negado.

(TRE-RS - RE: 21228 SÃO FRANCISCO DE ASSIS - RS, Relator: DES. FEDERAL JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Data de Julgamento: 02/10/2017, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 178, Data: 04/10/2017, Página 8.) (Grifei.)

 

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento do recurso e da documentação que o instrui e, no mérito, pelo seu parcial provimento, ao efeito de aprovar com ressalvas as contas de EDUARDO DOMINGUES MARTINS, relativas ao pleito de 2020, afastando a ordem de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.

É como voto, Senhor Presidente.