REl - 0600228-49.2020.6.21.0092 - Voto Relator(a) - Sessão: 06/07/2021 às 14:00

VOTO

A prestação de contas foi desaprovada devido à omissão de registro de despesas no valor de R$ 163,00, quantia que representa 11,31% do total da movimentação financeira declarada, de R$ 1.440,00, sem que fosse possível verificar a identidade do doador originário dos recursos, conforme consta do seguinte trecho da sentença recorrida:

A Unidade Técnica identificou omissões relativas às receitas e despesas obtidas mediante a circularização e confronto com notas fiscais eletrônicas de gastos eleitorais. Constatou-se a emissão de nota fiscal eletrônica no valor de R$ 163,00 (cento e sessenta e três reias), na data de 22/10/2020, em favor da candidatura em análise, cujos valores e serviços prestados não foram declarados na presente prestação de contas, infringindo o que dispõe o art. 53, I, g, da Resolução TSE nº 23.607/2019.

Os recursos, que não transitaram em conta bancária específica, configuram recursos de origem não identificada e não poderiam ter sido utilizados pelo candidato, nos termos do art. 32, §1º, VI, da mesma resolução.

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

VI - os recursos financeiros que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º desta Resolução;

Em resposta às diligências solicitadas (ID 75819792), o prestador afirmou que no ato da entrega dos materiais encontrava-se com doença grave que necessitou de intervenção cirúrgica. Juntou atestado médico (ID 75838484) e comprovante de recolhimento dos valores irregulares (ID 75838482).

Contudo, pela leitura do atestado médico, observa-se que o prestador foi internado apenas em 18/11/2020 - data posterior a emissão da nota fiscal (22/10/2020) e, inclusive, posterior a realização das Eleição Municipais de 2020 (15/11/2020) - razão pela qual não prosperam os argumentos trazidos pela defesa.

No mesmo sentido, é inegável que o candidato beneficiou-se dos valores ilícitos, ainda que temporariamente, uma vez que o recolhimento ocorreu apenas após a elaboração do exame de contas, o que descaracteriza a espontaneidade, mesmo que tenha ocorrido antes da determinação judicial.

A omissão de receitas/despesas e a utilização de recursos de origem não identificada são falhas graves que comprometem a regularidade das contas prestadas, cuja devolução voluntária não impede a desaprovação das contas, conforme determina os arts. 14, caput, e 32, §7º, da Resolução TSE nº 23.607/2019.

Art. 14. O uso de recursos financeiros para o pagamento de gastos eleitorais que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º implicará a desaprovação da prestação de contas do partido político ou do candidato (Lei nº 9.504/1997, art. 22, § 3º).

Art. 32, § 7º A devolução ou a determinação de devolução de recursos recebidos de origem não identificada não impede, se for o caso, a desaprovação das contas, quando constatado que o candidato se beneficiou, ainda que temporariamente, dos recursos ilícitos recebidos, assim como a apuração do fato na forma do art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 e do art. 14, § 10, da Constituição da República.

Uma vez constatada a omissão de receitas e despesas, somada à utilização de recursos de origem não identificada que não transitaram por conta bancária específica, desacolhendo o parecer conclusivo da unidade técnica (ID 76131563) e o parecer ministerial (76795738), a DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS é medida que sem impõe, nos termos do art. 74, III, da Resolução TSE nº 23.607/2019.

No tocante à aplicação de penalidades, estas não se mostram cabíveis, vez que os recursos ilícitos já foram recolhidos ao Tesouro Nacional, conforme comprova a GRU de ID 75838482.

Nas razões, a parte recorrente sustenta que deixou de registrar a despesa efetuada por estar em tratamento de saúde na cidade de Pelotas, ficando a sua esposa como responsável pelo gerenciamento da campanha eleitoral. Foi ela quem realizou o pagamento utilizando-se de recurso próprio e, “por ingenuidade e desconhecer a legislação eleitoral”, omitindo o gasto.

O juízo a quo, sobre este ponto, assim se manifesta:

Em resposta às diligências solicitadas (ID 75819792), o prestador afirmou que no ato da entrega dos materiais encontrava-se com doença grave que necessitou de intervenção cirúrgica. Juntou atestado médico (ID 75838484) e comprovante de recolhimento dos valores irregulares (ID 75838482).

Contudo, pela leitura do atestado médico, observa-se que o prestador foi internado apenas em 18/11/2020 - data posterior a emissão da nota fiscal (22/10/2020) e, inclusive, posterior a realização das Eleição Municipais de 2020 (15/11/2020) - razão pela qual não prosperam os argumentos trazidos pela defesa.

Compulsando os autos, verifica-se que, antes da decisão de primeiro grau, o recorrente juntou atestado (ID 27198083), emitido em 22.11.2020, que informa o tratamento de saúde realizado em 18.11.2020, como consta na sentença do juízo a quo. Nesta instância, com o presente recurso, fez a juntada de novos documentos, inclusive atestado médico e histórico hospitalar, ambos expedidos dia 10.02.2021 (ID 27198633 e 27198683), nos quais consta que, no dia 22.10.2020, foi atendido naquela unidade de saúde, corroborando o alegado pelo candidato de que em tal data estava, de fato, em tratamento.

Assim, cumpre registrar a viabilidade do conhecimento da documentação apresentada com o recurso, com supedâneo no art. 266 do Código Eleitoral e no parágrafo único do art. 435 do CPC, que permitem a juntada posterior de documentos formados, ou tornados conhecidos, acessíveis ou disponíveis, após a petição inicial ou a contestação.

Nesse sentido, o seguinte julgado deste Tribunal:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2016. CANDIDATO. PREFEITO. DESAPROVAÇÃO. JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS COM O RECURSO. POSSIBILIDADE. EMISSÃO DE CHEQUES SEM FUNDOS. AUSÊNCIA DE ASSUNÇÃO DE DÍVIDA DE CAMPANHA PELO ÓRGÃO NACIONAL DE DIREÇÃO PARTIDÁRIA. QUANTIA ELEVADA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. 1. Preliminar afastada: possibilidade de juntada de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando sua simples leitura pode sanar irregularidades e não há necessidade de nova análise técnica. 2. Mérito: mantém-se a sentença de desaprovação das contas de campanha em razão da emissão de cheques sem provisão de fundos e da ausência de assunção, pelo órgão nacional de direção partidária, da dívida de campanha. Irregularidade que representa 54,29% do total de despesas. Inobservância do preceito da transparência que deve nortear tanto a gestão de recursos na campanha quanto a elaboração final das contas, em prejuízo à atuação fiscalizatória da Justiça Eleitoral. Desprovimento.

(TRE-RS – REl n. 10486 GRAVATAÍ - RS, Relator: Des. Eleitoral SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Data de Julgamento: 19.7.2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 134, Data: 27.7.2018, p. 5.) (Grifei.)

 

No entanto, mesmo corroborando a tese do recorrente, os documentos não têm o condão de suprir a mácula contábil. Tais despesas foram localizadas pelo exame técnico mediante confronto com notas fiscais eletrônicas emitidas contra o CNPJ do prestador, conforme informado pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul à Justiça Eleitoral.

A documentação constante nos autos não esclarece a origem dos recursos utilizados para pagamento da referida despesa, circunstância que poderia ter sido facilmente demonstrada por meio da identificação dos dados, com o respectivo CPF da pessoa de onde partiram os valores empregados na campanha, ainda que fosse do próprio candidato ou de seu cônjuge.

Verifica-se que o dispêndio foi inicialmente omitido e que, após identificado, a parte recorrente não se desincumbiu de comprovar a origem dos valores empregados, que se caracterizam como recursos de origem não identificada e se sujeitam a recolhimento ao Tesouro Nacional, providência já tomada pelo recorrente, conforme documento juntado aos autos, antes mesmo da decisão do juízo a quo (ID 27198033).

Porém, apesar do percentual significativo diante do somatório arrecadado, as contas podem ser aprovadas com ressalvas em atenção aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, pois o valor absoluto é reduzido e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Acerca da incidência dos aludidos princípios sobre irregularidades nominalmente diminutas, cumpre trazer à colação precedente do Tribunal Superior Eleitoral apontando a possibilidade de aprovação das contas com ressalvas:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data: 29.9.2017.) (Grifei.)

 

De igual modo, a jurisprudência do TRE-RS admite a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovação das contas com ressalvas quando o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS; PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.07.2020.) (Grifei.)

Destarte, tendo em vista que as irregularidades  perfazem quantia inexpressiva, entendo que o recurso comporta provimento parcial, atendendo-se ao pedido subsidiário de que as contas sejam aprovadas com ressalvas, ressaltando que permaneceria o dever de recolhimento ao erário dos recursos de origem não identificada verificados nas contas, na forma do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19, caso o recorrente já não o tivesse realizado.

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar as contas com ressalvas.