REl - 0600285-77.2020.6.21.0024 - Voto Relator(a) - Sessão: 06/07/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de DÉBORA LEOMARA DE SOUZA NUNES ao cargo de vereador nas eleições de 2020, no Município de Itaqui, e determinou-lhe a devolução de R$ 400,00 ao Tesouro Nacional, sob o fundamento de que as “irregularidades apontadas pela unidade técnica são suficientes para a rejeição das contas, por representarem vícios graves e insanáveis, que contrariam os dispositivos das Lei nº 9.504/97, referente a movimentação financeira da campanha eleitoral e à correspondente prestação de contas, bem como da Resolução TSE nº 23.607/2019”.

A unidade técnica, em parecer conclusivo, assim se manifestou sobre as falhas verificadas:

1. FORMALIZAÇÃO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS

1.2. Peças integrantes:

Não foram apresentados extratos das contas bancárias destinadas à movimentação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e da conta Outros Recursos, peças essas que são obrigatórias e devem integrar a prestação de contas (art. 53 da Resolução TSE nº 23.607/2019).

(…).

3. APROFUNDAMENTO DE EXAME DA MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA

4 – Conclusão

(…).

Ao final, considerando o resultado dos exames técnicos empreendidos na prestação de contas, recomenda-se a desaprovação das contas e, o recolhimento da importância de R$ 400,00 ao Tesouro Nacional, nos termos da Resolução TSE nº 23.607/2019.

 

Irresignada, a recorrente pugna pela aprovação das contas e pelo afastamento do recolhimento de valores ao erário, sustentando que se trata de uma só despesa, atinente à atividade de militância, no valor de R$ 200,00, paga a Misselene Figueredo Vieira por meio do cheque de n. 850006, do Banco do Brasil, emitido na forma prescrita pelas normas de regência. Afirma, ainda, que a única maneira de o valor ter sido depositado pelo Supermercado Baklizi Ltda. é a prestadora de serviços tê-lo utilizado para pagamento de compras naquele estabelecimento.

Na esteira do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, entendo que assiste razão à recorrente.

Com efeito, restou demonstrado que a candidata, em harmonia com o registrado em sua prestação de contas, utilizou a quantia de R$ 200,00, oriunda do FEFC, para pagamento de atividades de militância a Misselene Figueredo Vieira, mediante o cheque n. 850006, consoante contrato de prestação de serviços e respectivo recibo de pagamento a autônomo (RPA) juntados aos autos (ID 34691883)

Gizo que a imagem da cártula acostada ao feito com a peça recursal evidencia ter sido emitida de modo nominal e cruzado (ID 34694083, p. 5), nos exatos termos estabelecidos pelo art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

 

Cumpre enfatizar que a legislação eleitoral, ao estabelecer as formas de pagamento dos gastos eleitorais, não impõe a emissão de cheque não endossável (“não à ordem”), não sendo, portanto, exigível da candidata, que emitiu o cheque na forma reclamada pela legislação (nominal e cruzado), que o próprio prestador do serviço ou o fornecedor do bem faça o desconto do título, o qual pode ser licitamente transmitido a terceiros, conforme previsto no art. 17 da Lei n. 7.357/85.

Nesse sentido está o entendimento do Ministro Edson Fachin, externado na decisão do AI n. 0601262-04 - Aracaju/SE, DJE de 13.3.2020, quando afirma que:

(...) o endosso é instituto do direito cambiário que confere ao título de crédito a possibilidade de gozar urna de suas características inerentes: a circularidade, ou seja, a condição para que a titularidade do crédito seja transferida. Com isso – utilizando-me de uma expressão própria do Direito Penal -, não havia 'domínio do fato' pelo Prestador para impedir que a fornecedor endossasse o seu crédito para outrem. Par consequência, punir o Candidato por tal evento seria incidir em odiosa responsabilidade eleitoral objetiva.

 

Assim, os apontamentos versam sobre um único gasto efetuado pela candidata, permitindo-se a inferência de que o referido título de crédito utilizado para satisfação do débito circulou por meio de posterior endosso, vindo a ser depositado em instituição bancária pelo Supermercado Baklizi Ltda., por efeito de transação distinta e alheia aos interesses fiscalizatórios da Justiça Eleitoral.

Inexiste, portanto, mácula a inquinar as contas apresentadas, devendo ser aprovadas sem ressalvas e afastada a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

 

Ante o exposto, VOTO pelo provimento do recurso, para aprovar as contas de DÉBORA LEOMARA DE SOUZA NUNES relativas ao pleito de 2020, bem como afastar a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.