REl - 0600420-60.2020.6.21.0066 - Voto Relator(a) - Sessão: 01/07/2021 às 14:00

VOTO

A prestação de contas foi desaprovada devido à inobservância da forma de pagamento para quitar dois gastos custeados com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), no valor de R$ 200,00, quantia que representa 20% do total da movimentação financeira declarada, no montante de R$ 1.000,00, conforme consta do seguinte trecho da sentença recorrida:

[…]

A candidata se manifestou, juntando documentos complementares, contudo, verificou-se no Parecer Conclusivo, que a irregularidade quanto às despesas pagas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) não foi sanada, pois o fato de ter sacado o valor da conta FEFC, conforme os extratos, e pago as despesas em espécie, como declarado na prestação de contas, não mudou a origem dos recursos, razão pela qual a analista contábil manifestou-se pela desaprovação das contas, com o recolhimento da quantia de R$ 200,00 (duzentos reais), que representa 20% do valor total do recurso, ao Tesouro Nacional.

Nesse mesmo sentido, o Ministério Público Eleitoral, manifestou-se pela rejeição das contas, por falha substancial que compromete a sua regularidade, em razão da candidata ter efetuado o saque integral dos valores da conta do FEFC, não tendo demonstrado, devidamente, a regularidade e lisura no uso dos recursos de natureza pública.

Tem razão o Ministério Público Eleitoral e a Unidade Técnica do Cartório Eleitoral, pois a irregularidade importa em descumprimento às regras de uso de recursos para a realização de gastos eleitorais (arts. 35, 53, II, c, e 60 da Resolução TSE nº 23.607/2019), configurando, assim, falha que compromete a regularidade das contas, fundamento pelo qual devem ser desaprovadas.

Isto posto, com fulcro no artigo 74, inciso III, da Resolução TSE nº 23.607/2019, DECLARO DESAPROVADAS as contas eleitorais apresentadas pela candidata Marcia Santos Cavalheiro, que concorreu ao cargo de vereadora pelo partido PP de Nova Santa Rita nas eleições de 2020.

[...]

 

A irregularidade foi apontada pelo laudo técnico nos seguintes termos:

Quanto ao uso irregular de recursos públicos, (pagamento de combustíveis), o fato de ter sacado o valor da conta FEFC, conforme os extratos das contas juntados nos autos pela própria prestadora, e pago as despesas em espécie, como declarado na prestação de contas, não muda a ORIGEM do recurso.

Ante o exposto, opina este analista, a teor do art. 74, III, da Resolução TSE nº 23.607/2019, pela DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS, com a determinação de recolhimento da quantia de R$ 200,00 (duzentos reais), que representa 20% do valor total do recurso, ao Tesouro Nacional.

 

Em suas razões, a parte recorrente afirma que utilizou recursos do FEFC para adimplir gastos com combustível junto ao Posto Getúlio Vargas Ltda. com valor em espécie, trazendo aos autos, inclusive com o recurso eleitoral, os documentos fiscais.

De fato, foram juntados documentos fiscais na manifestação de primeiro grau (ID 31024283 e 31024333) e no recurso nesta instância (ID 31025383 e 31025433), a fim de comprovar as despesas realizadas.

Entretanto, não consta o CNPJ da candidata em tais recibos, os quais, como reconhecido pela recorrente, se referem a despesas adimplidas com quantias em espécie, impossibilitando a fiscalização por esta Justiça Especializada.

Portanto, não há vínculo entre os valores despendidos e as despesas realizadas, além do valor neles constantes. Desse modo, as notas fiscais apresentadas nos autos não esclarecem a fonte dos recursos utilizados para pagamento das referidas despesas, que restam caracterizados como de origem não identificada, passíveis, portanto, de recolhimento ao erário.

Porém, apesar do percentual significativo da falha na aplicação da quantia de R$ 200,00, que alcança o patamar de 20% diante do somatório arrecadado, as contas podem ser aprovadas com ressalvas em atenção aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, pois o valor absoluto é reduzido e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Acerca da incidência dos aludidos princípios sobre irregularidades nominalmente diminutas, cumpre trazer à colação precedente do Tribunal Superior Eleitoral apontando a possibilidade de aprovação das contas com ressalvas:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data: 29.9.2017.) (Grifei.)

 

De igual modo, a jurisprudência do TRE-RS admite a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovação das contas com ressalvas quando o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS; PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.07.2020.) (Grifei.)

 

Destarte, tendo em vista que as irregularidades perfazem quantia inexpressiva, entendo que o recurso comporta provimento parcial, para que as contas sejam aprovadas com ressalvas, ressaltando que permanece o dever de recolhimento ao erário, na forma do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19, dos recursos de origem não identificada verificados nas contas.

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar as contas com ressalvas e manter a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 200,00, nos termos da fundamentação.