REl - 0600201-25.2020.6.21.0041 - Voto Relator(a) - Sessão: 01/07/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de REGINA SCHAURICH ao cargo de vereador nas eleições 2020, no Município de Silveira Martins, e condenou-a ao pagamento de multa no valor de R$ 233,76.

A decisão hostilizada, identificando pelo ajuste contábil a utilização de recursos financeiros próprios da concorrente no importe de R$ 2.010,00, entendeu que, em afronta ao art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, houve extrapolação do teto permitido para autofinanciamento, equivalente a R$ 1.230,78, uma vez que restou superado o percentual máximo de 10% do limite de gastos para campanha ao cargo de vereador em Silveira Martins, fixado pelas normas de regência em R$ 12.307,75. Em face dessa irregularidade, foram as contas desaprovadas e aplicada à candidata multa de 30% sobre a quantia considerada irregular, R$ 779,22.

Irresignada, a recorrente pugna pela aprovação das contas, sustentando que os dispêndios com serviços advocatícios e contábeis custeados com recursos próprios, no total de R$ 1.500,00, não estão sujeitos a limites de gastos ou a tetos que possam causar dificuldade no exercício da ampla defesa, de modo que, excluído tal valor, não teria sido extrapolado o limite permitido para autofinanciamento de campanha, inexistindo irregularidade.

Aponta, ainda, que a quantia referida também não pode ser caracterizada como doação, porquanto foi vertida para a conta de campanha somente para possibilitar o pagamento daqueles serviços.

Pois bem.

A matéria objeto de análise encontra-se disciplinada pela Resolução TSE n. 23.607/19, em seu art. 27, verbis:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

§ 2º É vedada a aplicação indireta de recursos próprios mediante a utilização de doação a interposta pessoa, com a finalidade de burlar o limite de utilização de recursos próprios previstos no artigo 23, § 2º-A, da Lei 9.504/2017.

§ 3º O limite previsto no caput não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador ou à prestação de serviços próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 7º).

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990  (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º).

Assinalo que referidos dispositivos estão em perfeita consonância com os arts. 18-A, parágrafo único, 18-C, caput e parágrafo único, e 23, § 2º-A, da Lei n. 9.504/97, introduzidos pelas recentes Leis n. 13.877, de 27.9.2019, e 13.878, de 03.10.2019.

No caso vertente, o limite de gastos para campanha ao cargo de vereador no Município de Silveira Martins, nas eleições de 2020, consoante disponibilizado pelo Tribunal Superior Eleitoral no sistema Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, foi de R$ 12.307,75.

Por sua vez, a ora recorrente utilizou em sua campanha para a Câmara Municipal recursos financeiros próprios no montante de R$ 2.010,00, excedendo, portanto, o teto de 10% estabelecido no retrotranscrito art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, correspondente a R$ 1.230,77.

Na linha da manifestação do Parquet Eleitoral, entendo que a tese articulada na irresignação, consistente em que as despesas com serviços contábeis e advocatícios, por não se sujeitarem ao limite de gastos ou a tetos que possam causar dificuldade ao exercício da ampla defesa, deveriam ser desconsideradas do cálculo utilizado para estabelecer o limite de custeio de campanha com recursos próprios do candidato, não há de prevalecer, porquanto faz confusão entre limite de gastos de campanha e limite de autofinanciamento.

O art. 4º, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe sobre o montante máximo de despesas para os cargos em disputa nas eleições de 2020, e o seu § 5º prevê que os dispêndios ligados aos serviços contábeis não se sujeitam a limites de gastos ou a limites que possam impor dificuldade ao exercício da ampla defesa, conforme transcrevo:

Art. 4º O limite de gastos nas campanhas dos candidatos às eleições para prefeito e vereador, na respectiva circunscrição, será equivalente ao limite para os respectivos cargos nas eleições de 2016, atualizado pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), aferido pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou por índice que o substituir (Lei nº 9.504/1997, art. 18-C).

(...)

§ 5º Os gastos advocatícios e de contabilidade referentes a consultoria, assessoria e honorários, relacionados à prestação de serviços em campanhas eleitorais e em favor destas, bem como em processo judicial decorrente de defesa de interesses de candidato ou partido político, não estão sujeitos a limites de gastos ou a limites que possam impor dificuldade ao exercício da ampla defesa (Lei nº 9.504/1997, art. 18-A, parágrafo único).

Desse modo, a campanha do candidato fica jungida ao limite de despesas imposto pela lei para o cargo ao qual concorre, mas pode esse teto ser extrapolado, desde que tal excesso seja utilizado exclusivamente para pagamento de serviços advocatícios ou contábeis relacionados à prestação de serviços em sua campanha eleitoral e em favor desta, ou a processo judicial pertinente.

Nessa hipótese, note-se que o limite para dispêndio com atos relacionados a propaganda eleitoral, por exemplo, que guarda grave potencial para provocar desequilíbrio no pleito, será idêntico para todos os concorrentes a um mesmo cargo, a fim de se evitar preponderância excessiva do poder econômico, ficando livre dos parâmetros legais, tão somente, o desembolso com profissionais da área jurídica e contábil.

De outra banda, o art. 27, § 1º, do diploma normativo em testilha trata do autofinanciamento de campanha, estabelecendo que o candidato somente poderá empregar em sua campanha o máximo de 10% do limite previsto para gastos atinentes ao cargo em que concorrer, não havendo exceção a tal preceito.

Vê-se, pois, que o limite para custeio da campanha com recursos próprios do candidato é objetivo, aferido a partir de simples equação matemática em relação ao limite legal de gastos relativos ao cargo em disputa, de modo que as alegações expendidas pelo recorrente não encontram respaldo na legislação afeta ao tema.

Da mesma forma, não prospera o argumento recursal de que a quantia referida não pode ser caracterizada como doação, uma vez que, segundo a prestadora, teria sido depositada na conta de campanha somente para possibilitar o pagamento dos serviços advocatícios e contábeis.

Em realidade, todas as arrecadações em campanha provenientes de recursos financeiros próprios, ou, mesmo, de bens estimáveis em dinheiro integrantes do patrimônio pessoal do candidato, são consideradas doações eleitorais, submetendo-se à disciplina normativa própria, a qual não ressalva, em seu tratamento, o eventual destino das receitas.

Portanto, a existência de gastos com serviços advocatícios ou contábeis, embora não se sujeitem ao valor máximo total para gastos de campanha, devem ser considerados na aferição do limite legal de autofinanciamento.

Tendo a candidata ultrapassado o limite permitido de R$ 1.230,78 para utilização de recursos próprios, não merece reparo a decisão monocrática, no ponto em que considerou irregular o excesso de gasto na ordem de R$ 779,22 e aplicou à prestadora a multa de R$ 233,76, equivalente a 30% do valor em excesso, medida adequada, razoável e proporcional às circunstâncias do caso em comento.

Entrementes, entendo que as contas devem ser aprovadas com ressalvas, em que pese a irregularidade constatada represente 35,26% das receitas, financeiras e estimáveis, arrecadadas (R$ 2.210,00), o valor absoluto mostra-se reduzido e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR), que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeitos à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Quanto ao tema, destaco excertos da decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin, nos autos do RESPE n. 37447, em 13.6.2019, que coloca luz sobre a incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade diante de irregularidades nominalmente diminutas:

Entendo que o limite percentual de 10% (dez por cento) adotado por este Tribunal Superior revela-se adequado e suficiente para limitar as hipóteses de incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de se harmonizar, contudo, a possibilidade de sobreposição dos critérios do valor diminuto e da aplicação dos princípios já citados. Em casos tais, deve prevalecer, até o limite aqui indicado, o critério de valor absoluto, aplicando-se o critério principiológico de forma subsidiária.

Assim, se o valor da irregularidade está dentro do máximo valor entendido como diminuto, é desnecessário aferir se é inferior a 10% (dez por cento) do total da arrecadação ou despesa, devendo se aplicar o critério do valor diminuto.

Apenas se superado o valor máximo absoluto considerado irrisório, aplicar-se-á o critério da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser considerado o valor total da irregularidade analisada, ou seja, não deve ser desconsiderada a quantia de 1.000 UFIRs alcançada pelo critério do valor diminuto.

Nesse trilhar, a jurisprudência deste Tribunal admite a aplicação dos aludidos princípios para afastar o severo juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da elevada equivalência relativa da falha frente ao conjunto das contas, o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10.

A ilustrar, destaco o seguinte julgado, no qual o somatório das irregularidades alcançou a pequena cifra de R$ 694,90:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS; PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.07.2020.) (Grifei.)

Colaciono, ainda, ementa de decisão do Plenário do TSE, em julgado de contornos análogos à presente espécie:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral nº 27324, Acórdão, Relator(a) Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data 29/09/2017.) (Grifei.)

Destarte, tendo em vista que a irregularidade perfaz quantia inexpressiva, entendo pela aprovação das contas com ressalvas, em homenagem aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade.

Tal conclusão, cabe ressaltar, não afasta a condenação ao pagamento de multa, que decorre exclusiva e diretamente do uso de recursos próprios acima do limite legal, na forma do art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97, independentemente da sorte do julgamento final da contabilidade.

Ressalto, em desfecho, ser necessária a correção, de ofício, do erro material contido na sentença quanto à destinação de tal penalidade ao Tesouro Nacional.

Em realidade, uma vez que a sanção tem respaldo no art. 27, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19 e no art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97, deve o valor correspondente ser recolhido ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), como previsto no art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95, e não ao Tesouro Nacional, como especificado no comando sentencial.

 

Ante o exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de REGINA SCHAURICH, mantendo a condenação à multa no montante de R$ 233,76 e determinando, de ofício, a correção de erro material na sentença, para que o recolhimento da quantia seja feito ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), com fundamento nos arts. 27, §§ 1º e 4º, e 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19 e no art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95.