REl - 0600545-84.2020.6.21.0015 - Voto Relator(a) - Sessão: 01/07/2021 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O prazo para a interposição de recurso contra sentença proferida em processo de prestação de contas atinente às eleições de 2020 é de 03 (três) dias, contados do ato de intimação da parte interessada, consoante expresso no art. 85 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ainda, por força do disposto no art. 26, § 4º, da Resolução TRE-RS n. 347/20, após o encerramento do período eleitoral com a diplomação dos eleitos, as intimações nos processos de prestação de contas passaram a ser realizadas diretamente no Sistema de Processo Judicial Eletrônico (PJe), dispensando-se a publicação do ato no Diário da Justiça Eletrônico (DJe) e, até 12.2.2021, a observância do prazo de ciência de 10 (dez) dias, previsto no art. 5º, § 3º, da Lei n. 11.419/06, em conformidade com a normativa posta no art. 51, caput, da Resolução TRE-RS n. 338/19.

Na presente hipótese, o RECORRENTE foi intimado da sentença, por meio de ato de comunicação no Sistema de Processo Judicial Eletrônico (PJe), na data de 05.02.2021, sexta-feira (ID 30191333), de maneira que o prazo recursal se iniciou em 08.02.2021, segunda-feira, encerrando-se em 10.02.2021, quarta-feira.

Assim, em princípio, o recurso deveria ser considerado intempestivo, pois foi aviado no dia 11.02.2021, quinta-feira (ID 30191383), após o transcurso do tríduo legal.

Todavia, a defesa do RECORRENTE registrou sua ciência da sentença no Sistema de Processo Judicial Eletrônico (PJe), como previsto nos arts. 54 e 56 da Resolução TRE-RS n. 338/19, no dia 11.02.2021, às 14h42min (Intimação n. 5395550), inserindo-se, automaticamente, no sistema, a data de 15.02.2021, às 23h59min, como termo final do prazo recursal.

Nesse contexto, embora o ato de intimação tenha se efetivado durante o período de incidência do regramento excepcional do art. 26, § 4º, da Resolução TRE-RS n. 347/20, entendo que deve ser reconhecida a tempestividade do recurso, porquanto os prazos recursais, que integram as garantias processuais das partes, embora não sejam alteráveis ad libitum do juízo, não devem ser havidos por preclusos quando há registro eletrônico de causa dilatória capaz de provocar incerteza à parte quanto ao seu cômputo e de impedi-la de utilizar os meios processuais existentes, restringindo o exercício do seu direito de defesa em juízo.

Logo, em sendo tempestivo e adequado, conheço do recurso.

 

Conhecimento de Novos Documentos Juntados na Fase Recursal

Inicialmente, consigno que, no âmbito dos processos de prestação de contas, expedientes que têm preponderante natureza declaratória e possuem como parte apenas o prestador, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, ainda que o interessado tenha sido intimado para se manifestar, quando não há necessidade de nova análise técnica.

Potencializa-se o direito de defesa, especialmente quando a juntada da nova documentação mostra capacidade de influenciar positivamente no exame da contabilidade, de forma a prestigiar o julgamento pela retidão no gerenciamento dos recursos empregados no financiamento da campanha, como se denota da ementa abaixo colacionada:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR. JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS COM A PEÇA RECURSAL. ACOLHIDA. MÉRITO. AUSENTE OMISSÃO. DIVERGÊNCIA ENTRE OS DÉBITOS CONSTANTES NOS EXTRATOS E OS INFORMADOS NA CONTABILIDADE. PAGAMENTO DESPESAS SEM TRÂNSITO NA CONTA DE CAMPANHA. IMPOSSIBILIDADE DE REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA MEDIANTE A JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS. INVIÁVEL NOS ACLARATÓRIOS. REJEIÇÃO. 1. Preliminar. Admitida a apresentação de novos documentos com o recurso, quando capazes de esclarecer irregularidades apontadas, sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares. 2. Inviável o manejo dos aclaratórios para o reexame da causa. Remédio colocado à disposição da parte para sanar obscuridade, contradição, omissão ou dúvida diante de uma determinada decisão judicial, assim como para corrigir erro material do julgado. Presentes todos os fundamentos necessários no acórdão quanto às falhas envolvendo divergência entre a movimentação financeira escriturada e a verificada nos extratos bancários bem como do pagamento de despesas sem o trânsito dos recursos na conta de campanha. Não caracterizada omissão. Rejeição.

(TRE-RS - RE: 50460 PASSO FUNDO - RS, Relator: DR. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Data de Julgamento: 25.01.2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 13, Data: 29.01.2018, Página 4.) (Grifei.)

 

Por essas razões, conheço do certificado de registro e licenciamento de veículo, cuja cópia integra as razões recursais.

 

Mérito

KELVIN LUIS SCHUH insurge-se contra a sentença proferida pelo Juízo da 15ª Zona Eleitoral de Carazinho que julgou desaprovadas as suas contas relativas ao pleito de 2020, no qual concorreu ao cargo de vereador no Município de Chapada, em virtude da arrecadação de receitas de origem não identificada, no montante de R$ 854,69, cuja transferência ao Tesouro Nacional também foi determinada pelo magistrado de primeiro grau, com base nos arts. 32, caput e § 1º, inc. VI, e 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19.

O recurso merece ser parcialmente acolhido.

O RECORRENTE efetivamente comprovou ter utilizado veículo próprio em sua campanha, ao juntar a cópia do certificado de registro e licenciamento, expedido em seu nome, em 29.5.2020 (ID 30191433, fl. 7).

Contudo, as notas fiscais referentes a 5 (cinco) abastecimentos do veículo, realizados junto ao Posto Catto Combustíveis Ltda. (CNPJ n. 13.053.357/0001-80), nos dias 07, 12, 17, 22 e 25.10.2020, no valor total de R$ 854,69 (ID 30190533, 30190633, 30190683, 30190733 e 30190783), foram todas emitidas em favor do candidato, com indicação do número do CNPJ atribuído à sua campanha.

Tais despesas, portanto, possuem nítida natureza eleitoral, nos moldes do art. 35, § 11, inc. II, als. "a" e "b", da Resolução TSE n. 23.607/19, de sorte que deveriam ter sido lançadas nos demonstrativos contábeis e pagas com recursos arrecadados para o financiamento da campanha, não podendo ser consideradas como gastos de caráter pessoal do candidato, de acordo com o que estabelece o art. 35, § 6º, al. "a", daquele mesmo diploma normativo.

Acrescento que o próprio RECORRENTE afirmou, nas razões recursais, que tais gastos foram quitados com recursos pessoais que não transitaram pela conta bancária específica da campanha, circunstância, aliás, corroborada pela análise dos extratos bancários juntados no ID 30189483, restando, assim, configurada a captação de receita sem identificação de origem, em manifesto prejuízo à atividade fiscalizatória da Justiça Eleitoral.

Nesse cenário, considero que a declaração do fornecedor do combustível (ID 30190983), no sentido de ter havido equívoco de sua parte ao lançar o número do CNPJ da campanha em vez do número do CPF do RECORRENTE, no momento da emissão das notas fiscais, e a justificativa apresentada pelo prestador de que não teria sido viável o cancelamento de tais documentos para fins de correção das informações prestadas à Justiça Eleitoral, como permitido pelo art. 92, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19, mediante a apresentação de esclarecimentos ao órgão julgador, não podem ser aceitos como elementos probatórios válidos ao saneamento da falha, que tem potencial para macular a transparência e a confiabilidade da demonstração contábil.

Por consequência, o montante de R$ 854,69 deve ser caracterizado como proveniente de origem desconhecida e, obrigatoriamente, transferido ao Tesouro Nacional, consoante dispõe o art. 32, caput e § 1º, inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

(…)

VI - os recursos financeiros que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º desta Resolução;

(…).

 

Desse modo, a irregularidade consolida o valor de R$ 854,69, representando 42,52% do total das receitas arrecadadas pelo candidato (R$ 2.010,00).

Sob esse aspecto, apesar do percentual significativo diante do somatório arrecadado, o valor absoluto é reduzido e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR), que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e a dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Nessa linha, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral e deste Tribunal admite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para afastar o severo juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da elevada equivalência relativa da falha diante do conjunto das receitas, o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10, conforme colho das seguintes ementas:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data 29.09.2017.) (Grifei.)

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS, PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.7.2020.) (Grifei.)

 

Destarte, como as irregularidades perfazem quantia de diminuta expressividade econômica, entendo pela aprovação das contas com ressalvas em homenagem aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, sem prejuízo do dever de recolhimento ao erário, que decorre da arrecadação de recursos de origem não identificada, consoante estabelece o art. 79, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e provimento parcial do recurso interposto por KELVIN LUIS SCHUH ao efeito de aprovar com ressalvas as suas contas relativas ao pleito de 2020, mantendo a ordem de recolhimento da quantia de R$ 854,69 (oitocentos e cinquenta e quatro reais e sessenta e nove centavos) ao Tesouro Nacional, com fundamento nos arts. 32, caput, e 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19.

É como voto, Senhor Presidente.