REl - 0600407-56.2020.6.21.0100 - Voto Relator(a) - Sessão: 01/07/2021 às 14:00

VOTO

As contas foram desaprovadas em face da aplicação de recursos próprios no valor de R$ 2.360,90, excedendo em R$ 654,42 o limite de gastos para o cargo em disputa, no patamar de R$ 1.706,48, previsto no art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, conforme refere a bem-lançada sentença, cujas razões cumpre transcrever:

[...]

Já no que se refere à extrapolação do limite de gastos com recursos próprios, sem razão o prestador. Os valores utilizados como recursos financeiros próprios e a cessão de veículo pessoal (estimável) são contabilizados cumulativamente para fins de submissão ao limite de gastos, a teor do disposto no artigo 5º, inciso III, da Resolução TSE n. 23.607/2019.

Outrossim, ressalta-se que a exceção prevista no artigo 27, §3º da Resolução TSE n. 23.607/2019, mencionada pelo prestador em sua manifestação, se refere ao caput, logo, às doações por pessoas físicas não candidatas, não se aplica, pois, aos recursos próprios empenhados pelo candidato.

Com efeito, ao que se colhe do parecer conclusivo (ID 73768392), os recursos próprios utilizados pelo prestador superam em R$654,42 o limite previsto no art. 27, §1º, da Resolução TSE nº 23.607/2019. Tal importância representa 15% do total de receita (financeira e estimável) declarada pelo prestador.

Trata-se de irregularidade insanável que autoriza a desaprovação das contas e determina a aplicação da penalidade prevista no artigo 27, §4º, da Resolução TSE n. 23.607/2019 que “sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei nº 9.504/1997, art. 23,§3º).”

Para fins de aplicação e dosimetria da multa deve-se considerar o contexto fático probatório dos autos, a boa fé do prestador, assim como as condições e valores envolvidos na irregularidade constatada.

Partindo-se de tais premissas, e considerando que, de um lado, o percentual de extrapolação não é ínfimo diante do total da receita e, de outro, o excedente refere-se a recurso estimável com cessão de veículo próprio do candidato, o que constitui a única irregularidade evidenciada nas contas, a aplicação de multa no percentual correspondente a 30% da quantia em excesso revela-se adequada à finalidade pretendida.

Constatada, pois, a extrapolação do limite de gastos com recursos próprios, a desaprovação das contas é medida que se impõe, com fundamento no art. 30, inciso III, da Lei n. 9.504/1997 e no artigo 74, inciso III, Resolução TSE n. 23.607/2019, assim como a aplicação da multa em valor correspondente a 30% da quantia em excesso, na forma do artigo 27, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/2019.

[...]

 

O candidato aplicou recursos financeiros próprios na campanha, em espécie, no valor de R$ 960,90, bem como realizou a cessão de veículo de sua propriedade estimada em R$ 1.400,00. Portanto, considerados os recursos em espécie e os estimáveis em dinheiro, o somatório utilizado alcança R$ 2.360,90.

Como o limite de gastos para o cargo em tela, no Município de Tapejara, era de R$ 17.064,77, estando o candidato restringido ao uso de 10% deste valor em recursos próprios, ou seja, R$ 1.706,48, houve o excesso de autofinanciamento de R$ 654,42.

A tese recursal de que não se deve somar as receitas financeiras e as estimáveis em dinheiro para contabilizar o limite do autofinanciamento não encontra amparo legal e, por isso, não afasta a irregularidade.

Consoante entendeu o Tribunal Superior Eleitoral, em pleitos anteriores, os recursos próprios em espécie e estimáveis em dinheiro devem ser somados para o cálculo do limite legal, com o escopo de assegurar tratamento isonômico entre os candidatos, conforme ilustra o seguinte julgado:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. CONTAS DE CAMPANHA DESAPROVADAS. EXTRAPOLAÇÃO DO LIMITE DE GASTOS. BENS ESTIMÁVEIS. FALHA GRAVE. MULTA. DESPROVIMENTO.

1. Autos recebidos no gabinete em 25.8.2017.

2. No caso, o TRE/SE julgou desaprovadas contas do agravante por exceder em R$ 1.805,12 o limite de gastos de campanha estipulado pelo TSE em R$ 10.803,91.

3. É falha grave a atrair multa e rejeição do ajuste contábil ultrapassar em quase 18% o limite de gasto previsto no pedido de registro de candidatura, sem justificativas plausíveis para prática do ilícito, ainda que os valores em excesso se refiram a bens estimáveis em dinheiro. Precedentes.

4. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 16966, Relator Min. Herman Benjamin, Publicação: DJE de 15.6.2018.) (Grifei.)

 

Com efeito, o art. 5º, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe expressamente sobre a contabilização das doações estimáveis em dinheiro para efeito de cálculo de limite de gastos realizados pelo candidato, litteris:

Art. 5º Os limites de gastos para cada eleição compreendem os gastos realizados pelo candidato e os efetuados por partido político que possam ser individualizados, na forma do art. 20, II, desta Resolução, e incluirão:

[…].

III - as doações estimáveis em dinheiro recebidas.

(Grifei.)

 

O recorrente refere, ainda, a orientação recebida por e-mail da Seção de Auditoria Partidária e Eleitoral (SEAPE) deste Tribunal (ID 27737133), a qual tomou como base para alcançar a conclusão pessoal de que recursos estimáveis do próprio candidato não seriam contabilizados nos gastos de campanha para fins de autofinanciamento.

Contudo, verifica-se, da leitura da mensagem eletrônica acostada aos autos, que a servidora, corretamente, apenas indicou as disposições legais pertinentes ao assunto, inclusive com transcrição do art. 7º, § 6º, e do art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19, sem tecer apontamentos que pudessem induzir o prestador à linha interpretativa diversa daquela advinda da literalidade da norma.

Cumpre anotar, ainda, que o art. 7º, § 6º, e o art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19, invocados nas razões recursais, cuidam tão somente das hipóteses de dispensa da emissão de recibo eleitoral. O caput do art. 27 da referida resolução trata, especificamente, das doações de terceiros enquanto pessoas físicas, estabelecendo o limite de 10% dos rendimentos do exercício anterior à eleição, e excepcionando desse limite, no § 3º do art. 27, as doações estimáveis em dinheiro até R$ 40.000,00.

Ao disciplinar o emprego de recursos particulares do concorrente, o § 1º do art. 27 expressamente prevê que "o candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer", sem fazer qualquer ressalva no sentido de que os bens estimáveis do candidato não estão incluídos no limite, conforme também consta do § 2º-A do art. 23 da Lei n. 9.504/97. Transcrevo os dispositivos em questão:

Resolução TSE n. 23.607/19

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

§ 2º É vedada a aplicação indireta de recursos próprios mediante a utilização de doação a interposta pessoa, com a finalidade de burlar o limite de utilização de recursos próprios previstos no artigo 23, § 2º-A, da Lei 9.504/2017.

§ 3º O limite previsto no caput não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador ou à prestação de serviços próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 7º).

(...)

Lei n. 9.504/97

Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto nesta Lei. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)

(...)

§ 2º-A. O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer. (Incluído pela Lei nº 13.878, de 2019)

A diferença de regulamentação é significativa: para doações de terceiros, o limite é 10% da renda auferida no exercício anterior, ficando de fora as doações estimáveis até R$ 40.000,00; para o autofinanciamento, não importa a renda ou o patrimônio do candidato, pois o limite é isonômico de 10% do gasto para todos os concorrentes, incluindo os bens estimáveis.

Ao não excepcionar os recursos estimáveis em dinheiro do parâmetro para aferição do limite de gastos de cada cargo em disputa, a norma visa à igualdade, ainda que relativa, entre os concorrentes, ou seja, é uma forma de mitigar eventuais desequilíbrios patrimoniais prévios dos candidatos, que poderiam interferir de modo substancial nos resultados da campanha.

Nessa linha, oportuno trazer as considerações da douta Procuradoria Regional Eleitoral:

E a razão de ser da inclusão, no limite do autofinanciamento com recursos próprios, das doações estimáveis em dinheiro é assegurar o princípio da isonomia entre os candidatos. Caso assim não fosse, por exemplo, um candidato que não possuísse veículo automotor teria incluído, para o cômputo dos seus limites de gastos, as despesas realizadas com recursos próprios com aluguel de carro, enquanto o candidato que possuísse veículo não teria qualquer gasto incluído para aferição do mesmo limite legal, para a realização de idêntica atividade de campanha.

 

Assim, impõe-se a confirmação da irregularidade, consubstanciada no valor de R$ 654,42 em excesso de gastos operados com recursos próprios do candidato, o que representa 15% das receitas declaradas (R$ 4.360,90).

Apesar do percentual acima dos 10% diante do somatório arrecadado, o valor absoluto é reduzido e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR), o qual a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Acerca da incidência dos aludidos princípios sobre irregularidades nominalmente diminutas, cumpre trazer à colação precedente do Tribunal Superior Eleitoral apontando a possibilidade de aprovação das contas com ressalvas:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data: 29.9.2017.) (Grifei.)

 

Nessa linha, a jurisprudência deste Tribunal admite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para afastar o severo juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da elevada equivalência relativa da falha diante do  conjunto das contas, o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência R$ 1.064,10.

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS; PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.07.2020.) (Grifei.)

Destarte, tendo em vista que a irregularidade representa quantia pouco expressiva, o recurso comporta provimento parcial para que as contas sejam aprovadas com ressalvas. Tal conclusão, entretanto, não afasta a condenação ao pagamento de multa, que decorre exclusiva e diretamente do uso de recursos próprios acima do limite legal, na forma do art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

Com relação à penalidade de multa fixada na sentença no percentual de 30% da quantia em excesso, equivalente ao valor de R$ 196,33, encontra previsão no art. 27, §§ 1º e 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19, a qual se afigura razoável, adequada e proporcional à falha verificada.

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso para aprovar as contas com ressalvas, mantendo a sanção de multa de R$ 196,33, nos termos da fundamentação.