REl - 0600423-10.2020.6.21.0100 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/06/2021 às 17:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada na origem devido à aplicação de recursos próprios no valor de R$ 2.932,85, excedendo em R$ 1.107,87 o limite de 10% dos gastos de campanha previstos para o cargo em disputa.

O tema encontra a sua regulamentação no art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

§ 2º É vedada a aplicação indireta de recursos próprios mediante a utilização de doação a interposta pessoa, com a finalidade de burlar o limite de utilização de recursos próprios previstos no artigo 23, § 2º-A, da Lei 9.504/2017.

§ 3º O limite previsto no caput não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador ou à prestação de serviços próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 7º).

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º). (Grifei.)

 

Com efeito, a candidata aplicou recursos financeiros próprios na campanha, em espécie, no valor de R$ 1.732,85, bem como realizou a cessão do veículo de sua propriedade estimada em R$1.200,00. Portanto, considerados os recursos financeiros e os estimáveis em dinheiro, o montante alcança R$ 2.932,85.

Entretanto, como referido, o limite de gastos para o cargo em tela era de R$ 17.064,77, estando a candidata limitada ao uso de 10% desse valor em recursos próprios, ou seja, R$ 1.706,48, havendo, portanto, excesso de R$ 1.107,87.

Em sua defesa, a recorrente alega que os recursos estimáveis, consistentes na cessão do veículo particular, não deveriam ser considerados para fins de aferição do limite de gastos, pois excepcionados pelos arts. 7º, § 6º, inc. III, e 27, § 3º, ambos da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ocorre que a exceção invocada não alcança as doações em questão, conforme bem concluiu a sentença prolatada pela Juíza Eleitoral da 100ª Zona, Dra. Gisele Bergozza Santa Catarina:

No que respeita à irregularidade apontada pela equipe técnica, sem razão a prestadora. Os valores utilizados como recursos financeiros próprios e a cessão de veículo pessoal (estimável) são contabilizados cumulativamente para fins de submissão ao limite de gastos, a teor do disposto no artigo 5º, inciso III, da Resolução TSE n. 23.607/2019.

Outrossim, ressalta-se que a exceção prevista no artigo 27, §3º da Resolução TSE n. 23.607/2019, mencionado pela prestadora em sua manifestação, se refere ao caput, logo, às doações por pessoas físicas não candidatas, não se aplica, pois, aos recursos próprios empenhados pelo candidato.

 

Com efeito, o art. 5º, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe expressamente sobre a contabilização das doações estimáveis em dinheiro para efeito de cálculo do limite de gastos realizados pelo candidato, litteris:

Art. 5º Os limites de gastos para cada eleição compreendem os gastos realizados pelo candidato e os efetuados por partido político que possam ser individualizados, na forma do art. 20, II, desta Resolução, e incluirão:

[…].

III - as doações estimáveis em dinheiro recebidas.

(Grifei.)

 

Por sua vez, o art. 7º, § 6º, inc. III, do mesmo diploma, invocado no recurso, tão somente faculta a emissão de recibo eleitoral para os casos taxativamente arrolados no próprio preceito normativo, sem dispensar que os valores das operações sejam registrados na prestação de contas para quaisquer efeitos, consoante nítido da sua redação do correspondente § 10:

Art. 7º Deverá ser emitido recibo eleitoral de toda e qualquer arrecadação de recursos:

I - estimáveis em dinheiro para a campanha eleitoral, inclusive próprios; e

II - por meio da internet (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 4º, III, "b").

[…].

§ 6º É facultativa a emissão do recibo eleitoral previsto no caput nas seguintes hipóteses:

I - cessão de bens móveis, limitada ao valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) por cedente;

II - doações estimáveis em dinheiro entre candidatos e partidos políticos decorrentes do uso comum tanto de sedes quanto de materiais de propaganda eleitoral, cujo gasto deverá ser registrado na prestação de contas do responsável pelo pagamento da despesa; e

III - cessão de automóvel de propriedade do candidato, do cônjuge e de seus parentes até o terceiro grau para seu uso pessoal durante a campanha.

[…].

§ 10. A dispensa de emissão de recibo eleitoral prevista no § 6º deste artigo não afasta a obrigatoriedade de serem registrados na prestação de contas dos doadores e na de seus beneficiários os valores das operações constantes dos incisos I a III do referido parágrafo, observado o disposto no art. 38, § 2º, da Lei nº 9.504/1997.

(Grifei.)

 

Outrossim, não obstante seja o uso de recursos próprios do candidato disciplinado no § 1º do art. 27, alocando-se no mesmo dispositivo que trata das doações de pessoas físicas e permitindo a confusão apresentada na tese recursal, resta claro que a ressalva contida no § 3º direciona-se apenas à hipótese prevista no caput, qual seja, às doações de terceiros, pessoas físicas, e não àquelas advindas do próprio candidato, reguladas pelo respectivo § 1º.

Ao não excepcionar os recursos estimáveis em dinheiro no parâmetro para aferição do limite de gastos de cada cargo em disputa, a norma visa garantir a igualdade, ainda que relativa, entre os concorrentes, ou seja, uma forma de mitigar eventuais desequilíbrios patrimoniais prévios dos candidatos, que poderiam interferir de modo substancial nos resultados da campanha.

Nesse aspecto, convém trazer à colação as judiciosas considerações da Procuradoria Regional Eleitoral:

E a razão de ser da inclusão, no limite do autofinanciamento com recursos próprios, das doações estimáveis em dinheiro é assegurar o princípio da isonomia entre os candidatos. Caso assim não fosse, por exemplo, um candidato que não possuísse veículo automotor teria incluído, para o cômputo dos seus limites de gastos, as despesas realizadas com recursos próprios com aluguel de carro, enquanto o candidato que possuísse veículo não teria qualquer gasto incluído para aferição do mesmo limite legal, para a realização de idêntica atividade de campanha.

 

O posicionamento relativo à contabilização das receitas financeiras e estimáveis em dinheiro na verificação do atendimento do limite de gastos restou acolhido pelo Tribunal Superior Eleitoral, em pleitos anteriores, justamente com o escopo de assegurar tratamento isonômico entre os candidatos, conforme ilustra o seguinte julgado:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. CONTAS DE CAMPANHA DESAPROVADAS. EXTRAPOLAÇÃO DO LIMITE DE GASTOS. BENS ESTIMÁVEIS. FALHA GRAVE. MULTA. DESPROVIMENTO.

1. Autos recebidos no gabinete em 25.8.2017.

2. No caso, o TRE/SE julgou desaprovadas contas do agravante por exceder em R$ 1.805,12 o limite de gastos de campanha estipulado pelo TSE em R$ 10.803,91.

3. É falha grave a atrair multa e rejeição do ajuste contábil ultrapassar em quase 18% o limite de gasto previsto no pedido de registro de candidatura, sem justificativas plausíveis para prática do ilícito, ainda que os valores em excesso se refiram a bens estimáveis em dinheiro. Precedentes.

4. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 16966, Relator(a) Min. Herman Benjamin, Publicação: DJE de 15.6.2018.) (Grifei.)

 

As razões recursais referem, ainda, a orientação contida em e-mail da Seção de Auditoria Partidária e Eleitoral deste Tribunal (ID 27764183), a qual tomam como base para o entendimento de que recursos estimáveis do próprio candidato não seriam contabilizados nos gastos de campanha.

Contudo, na mensagem eletrônica acostada aos autos, verifica-se que a servidora, corretamente, apenas indicou as disposições legais pertinentes ao assunto, inclusive com transcrição do art. 27 da Resolução TSE 23.607/19, sem tecer outros apontamentos que pudessem induzir a linha interpretativa defendida pela recorrente.

Assim, está caracterizada a irregularidade, consubstanciada no valor de R$ 1.107,87 em excesso de gastos operados com recursos próprios da candidata, que representa 37,77% do total de receitas declaradas (R$ 2.932,85), inviabilizando a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para mitigar a repercussão da falha sobre o conjunto da contabilidade.

Do mesmo modo, eventual ausência de má-fé e a alegada colaboração com o juízo processante, ainda que possam ser valoradas por ocasião da dosagem da penalidade prevista para o caso, não constituem motivo para relevar a irregularidade cometida ou deixar de aplicar a norma sancionatória.

Na hipótese, a penalidade de multa fixada na sentença no percentual de 30% da quantia em excesso, equivalente a R$ 332,36, com supedâneo no art. 27, §§ 1º e 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19, afigura-se razoável, adequada e proporcional à falha verificada e às peculiaridades do caso, consoante fundamentou a sentença:

Para fins de aplicação e dosimetria da multa deve-se considerar o contexto fático probatório dos autos, a boa-fé da prestadora, assim como, as condições e valores envolvidos na irregularidade constatada.

Partindo-se de tais premissas, e considerando que, de um lado, o percentual de extrapolação é expressivo diante do total da receita e, de outro, o excedente refere-se a recurso estimável com cessão de veículo próprio da candidata, o que constitui a única irregularidade evidenciada nas contas, a aplicação de multa no percentual correspondente a 30% da quantia em excesso revela-se adequada à finalidade pretendida.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso, para manter a desaprovação das contas e a condenação à multa correspondente a 30% da quantia em excesso, equivalente ao valor de R$ 332,36, nos termos da sentença.