REl - 0600294-77.2020.6.21.0076 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/06/2021 às 17:00

VOTO

Admissibilidade

Os recursos são tempestivos e reúnem os demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual deles conheço.

Mérito

No mérito, a sentença do juízo de primeiro grau imputa aos recorrentes a divulgação de pesquisa eleitoral irregular, por meio de perfis pessoais do Facebook e grupos do WhatsApp, relacionada à disputa ao cargo de prefeito do Município de Novo Hamburgo, cujos registros foram suspensos pela Justiça Eleitoral nos processos autuados sob os ns. 0600398-72.2020.6.21.0172 e 0600619-55.2020.6.21.0172, constituindo, a conduta, divulgação de pesquisa sem prévio registro de informações apta a ensejar a multa prevista no § 3º do art. 33 da Lei das Eleições, regulamentada no art. 17 da Resolução TSE n. 23.600/19.

Vejamos:

Lei n. 9.504/97

Art. 33. As entidades e empresas que realizarem pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos, para conhecimento público, são obrigadas, para cada pesquisa, a registrar, junto à Justiça Eleitoral, até cinco dias antes da divulgação, as seguintes informações:

[...]

§ 3º A divulgação de pesquisa sem o prévio registro das informações de que trata este artigo sujeita os responsáveis a multa no valor de cinquenta mil a cem mil UFIR.

Resolução TSE n. 23.600/19

Art. 17. A divulgação de pesquisa sem o prévio registro das informações constantes do art. 2º desta Resolução sujeita os responsáveis à multa no valor de R$ 53.205,00 (cinquenta e três mil, duzentos e cinco reais) a R$ 106.410,00 (cento e seis mil, quatrocentos e dez reais) (Lei nº 9.504/1997, arts. 33, § 3º, e 105, § 2º).

É incontroverso que os recorrentes realizaram postagens em redes sociais informando os dados do que seria uma pesquisa eleitoral (ID 12388183 e 12388133):

Não sabe/Indeciso 27,00%

Delegado Rodrigo Zucco 20,00%

Fátima Daudt 19,00%

Patrícia Beck 14,00%

Tarcísio Zimermann 11,00%

Nenhum/Branco/Nulo 9,00%

As postagens em questão, que vêm ainda acompanhadas da imagem de um gráfico contendo as intenções de voto, foram publicadas na timeline dos representados e em grupo de WhatsApp, contendo os seguintes dizeres: “Pesquisas revelam que ZUCCO LIDERA AS INTENÇÕES DE VOTO para prefeito em Novo Hamburgo” e “Essa é a verdadeira pesquisa em Novo Hamburgo”.

Conforme documentação trazida com a exordial, observa-se ainda a publicação de uma imagem de consulta realizada no sistema Processo Judicial Eletrônico – PJe referente ao processo n. 0600398-72.2020.6.21.0172 e sobreposta pela seguinte inscrição: “Você sabe por que a FÁTIMA não quer que seja divulgada mais nenhuma pesquisa ELEITORAL?”

Do exame realizado, julgo que a sentença deve ser reformada, pois não cabível ao caso a sanção prevista nos dispositivos anteriormente transcritos.

As pesquisas eleitorais funcionam como mecanismo de aferição das intenções de voto da população e, por esse motivo, possuem um forte poder de influência sobre os eleitores, especialmente pelo grau de idoneidade do complexo trabalho realizado pelas entidades de pesquisa de opinião pública.

Sobre o tema, assim leciona José Jairo Gomes (Direito Eleitoral. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 526):

É certo que os resultados, divulgados com alarde pelos interessados e ecoados pela mídia, podem influir de modo relevante e perigoso na vontade dos eleitores. Por serem psicologicamente influenciáveis, muitos indivíduos tendem a perfilhar a opinião da maioria. Daí votarem em candidatos que supostamente estejam “na frente” ou “liderando as pesquisas”. Por isso, transformaram-se as pesquisas eleitorais em relevante instrumento de marketing político, que deve ser submetido a controle estatal, sob pena de promoverem grave desvirtuamento na vontade popular e, pois, na legitimidade das eleições.

Por sua complexidade e potencial de influência, a legislação eleitoral impõe às empresas especializadas o prévio registro da metodologia de trabalho, com o objetivo de viabilizar o controle público e judicial das pesquisas.

Também considerando sua natureza técnica e poder de influência sobre o eleitor, o § 3º do referido art. 33 da Lei n. 9.504/97 estabeleceu uma elevada penalidade pecuniária para o caso de divulgação de pesquisa sem prévio registro: de 50 a 100 mil UFIR, ou seja, de R$ 53.205,00 a R$ 106.410,00.

Por se tratar de sanção pecuniária mais severa do que a estipulada às condutas visando à propaganda eleitoral, exige-se prova plena de sua ocorrência, responsabilidade e exato enquadramento dos fatos à regra legal.

Ocorre que a hipótese em questão distancia-se das situações fáticas que a referida sanção busca coibir.

Os elementos dos autos e a análise do conteúdo das postagens não permitem inferir que, de fato, houve alguma pesquisa eleitoral contratada de entidade ou empresa profissional sobre a matéria, dotada de um mínimo rigor metodológico.

Observe-se que a sanção prevista no § 3º do art. 33 da Lei n. 9.504/97 e no art. 17 da Resolução TSE n. 23.600/19 é aplicável para a divulgação de pesquisa eleitoral sem registro e, por isso, pressupõe a publicação do que seja essencialmente uma pesquisa, com um conjunto de informações mínimas capazes de conferir seriedade à aferição das intenções de voto, o que não ocorreu na espécie.

In casu, pelo que se afere dos documentos no processo, as postagens nas redes sociais com os percentuais das intenções de voto não trazem informações de ordem técnica própria de levantamentos estatísticos, assim como não citam o instituto que seria responsável pela pesquisa.

A simples referência a percentuais, sem menção à margem de erro, a comparativos, número de entrevistados, datas de realização, contratante, índices, entre outros, não se equipara à divulgação de pesquisa eleitoral, conforme já assentado por esta Corte no julgamento do REl n. 0600083-44, de relatoria do Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, sessão de 21.10.2020, o qual restou assim ementado:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO. DIVULGAÇÃO DE PESQUISA ELEITORAL IRREGULAR. REDE SOCIAL. FACEBOOK. PROCEDÊNCIA PARA CONDENAR APENAS O AUTOR DA MENSAGEM. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS MÍNIMOS PARA CARACTERIZAR A POSTAGEM COMO PESQUISA. ART. 33 DA LEI N. 9.504/97. INAPLICABILIDADE DE MULTA. DESPROVIMENTO.

1. Inconformidade que visa à condenação e aplicação de multa a todos os representados, por divulgação de pesquisa irregular, visto que a sentença de primeiro grau foi procedente apenas com relação a um deles e improcedente quanto aos demais. Determinada na origem a exclusão da publicação. Não aplicada multa ao entendimento de que tal incidência dependeria do ajuizamento de ação penal específica.

2. Ato isolado do representado que realizou a publicação em seu perfil do Facebook, não havendo comprovação da participação das demais partes demandadas. Tratando de dispositivo que atribui penalidade ao infrator, é necessário que a participação no fato esteja cabalmente provada.

3. A análise da publicação é fundamental para a caracterização da pesquisa eleitoral, a qual deve cumprir os requisitos do art. 33 da Lei n. 9.504/97, e para a viabilidade de eventual aplicação da multa prevista no art. 17 da Resolução TSE n. 23.600/19. Sanção que não carece de ação penal específica, pois está prevista na lei, sendo a representação o meio processual adequado à obtenção da tutela pretendida.

4. Por conta da complexidade e potencial de influência das pesquisas eleitorais, a legislação impõe às empresas especializadas o prévio registro da metodologia de trabalho, a fim de viabilizar seu controle público e judicial. Entretanto, na hipótese, a postagem impugnada evidentemente não traz resultados de uma pesquisa eleitoral.

5. Não havendo elementos mínimos para que se caracterize a divulgação como verdadeira pesquisa eleitoral, incabível a imposição da multa prevista no art. 33, § 3º, da Lei n. 9.504/97, c/c o art. 17 da Resolução TSE n. 23.600/19.

6. Provimento negado.

(Grifei.)

Cito, ainda, outro precedente deste Regional no mesmo sentido:

Recurso. Representação. Pesquisa eleitoral. Facebook. Art. 33 da Lei n. 9.504/97. Parcial procedência. Eleições 2016. Veiculação, no Facebook, de matéria relativa a intenções de voto, desprovida de qualquer dado técnico, a exemplo do número de entrevistados, período de realização, margem de erro, comparativos, índices, entre outros. Não obstante informar que os dados foram extraídos de uma pesquisa eleitoral, nem sequer foi citado o instituto responsável pela elaboração. Postagem desacompanhada de dados técnicos não equivale à pesquisa eleitoral propriamente dita. A norma proibitiva trazida no art. 17 da Resolução TSE n. 23.453/15 é dirigida aos protagonistas do pleito, aos institutos de pesquisas e grupos midiáticos que auferem ganhos diretos e indiretos com a produção, contratação e divulgação das pesquisas eleitorais. Situação diversa do caso concreto. Sentença reformada. Multa afastada. Provimento.

(Recurso Eleitoral n. 14965, ACÓRDÃO de 10.2.2017, Relator Dr. JAMIL ANDRAUS HANNA BANNURA, Publicação: DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 25, Data 14.2.2017, Página 3-4.)

No ponto, importante referir também que, ao contrário do que entendeu o magistrado de origem, não há como concluir que as postagens publicadas pelos recorrentes divulgaram a pesquisa eleitoral com registro suspenso nas ações ns. 0600398-72.2020.6.21.0172 e 0600619-55.2020.6.21.0172.

Como já mencionado, as publicações informam tão somente percentuais com intenções de voto, ausente qualquer outro dado indicativo para equiparação com a pesquisa suspensa. Ademais, como bem destacou o ilustre Procurador Regional Eleitoral, a soma dos percentuais no conteúdo divulgado pelos recorrentes alcança 100%, mesmo sem a presença de dois candidatos que estavam elencados no questionário da pesquisa suspensa.

Relativamente à imagem que acompanhou a exordial, com dados do processo no qual foi suspensa a pesquisa, também não traz elementos que possam configurar divulgação de pesquisa eleitoral, contendo, unicamente, informações de caráter público da ação.

O ato impugnado carece, então, de elementos caracterizadores do tipo previsto pela lei eleitoral para divulgação de pesquisa eleitoral. Trata-se, data máxima vênia ao meu entendimento, de publicação sem referência aos dados que demonstrem a idoneidade da informação que se pretendeu divulgar, configurando mera informação eleitoral.

Não havendo elementos mínimos para a caracterização da divulgação como verdadeira pesquisa eleitoral, incabível a imposição da multa prevista no art. 33, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

Em conformidade com as razões expostas, remanesce na caracterização da conduta a divulgação de enquete ou sondagem, definida pelo art. 23, § 1º, da Resolução TSE n. 23.600/19 como “o levantamento de opiniões sem plano amostral, que dependa da participação espontânea do interessado, e que não utilize método científico para sua realização, quando apresentados resultados que possibilitem ao eleitor inferir a ordem dos candidatos na disputa”.

Desse modo, embora vedada a ação dos representados (art. 33, § 5º, da Lei n. 9.504/97), incabível a aplicação de multa por divulgação de sondagem ou enquete, em razão da ausência de previsão legal, mostrando-se suficiente a ordem de imediata remoção das postagens pelo magistrado, com base em seu poder de polícia eleitoral, tal como determinado pelo juízo e cumprido pelas empresas das redes sociais (IDs 12388883 e ID 12389183).

Assim, pelos fundamentos acima, a reforma da sentença com o afastamento da multa é medida que se impõe.

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo provimento dos recursos interpostos por Paulo Artur Ritzel e Kurt Joaquim Luft, para, reformando a sentença, afastar a multa imposta, estendendo, de ofício, os efeitos da decisão a Juliana Leal, por força do art. 1.005, caput, do CPC.