REl - 0600202-61.2020.6.21.0121 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/06/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada pelo magistrado a quo, diante do reconhecimento da utilização de recursos próprios pela candidata, em sua campanha, em valor incompatível com o patrimônio declarado no registro de candidatura, em sentença assim fundamentada:

Não há indícios de recebimento direto ou indireto de recursos de fonte vedada. Da mesma forma, não houve extrapolação de limite de gastos. Além disso, não foi identificada omissão de receitas e gastos eleitorais. A doação estimável em dinheiro proveniente de Fundo Especial de Financiamento de Campanha, do MDB do Rio Grande do Sul, foi comprovada por Nota Fiscal Eletrônica juntada aos autos.

Contudo, constatou-se o recebimento de recursos de origem não identificada. A candidata declarou não possuir nenhum bem por ocasião do registro de candidatura e empregou recursos próprios na campanha. Intimada para esclarecer o fato, trouxe apenas declaração de que o valor foi fruto de seu trabalho. Porém, não trouxe qualquer documentação comprobatória ou prova material da origem dos recursos, de forma que permanece a inconsistência. No caso em tela, a candidata declarou não ter bens e utilizou R$ 712,50 de recursos próprios, o que representa 85% do total de receitas declaradas.

Pelo exposto, resta caracterizado recebimento de recurso de origem não identificada, nos termos dos arts. 15, I, e 61, da Resolução TSE nº 23.607/2019. Consequentemente, o valor deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, conforme determina o art. 32 da mesma resolução.

Assim, diante da verificação de inconsistência grave e insanável, a desaprovação é medida que se impõe, na forma do art. 74, III, da Resolução TSE nº 23.607/2019. Em virtude da inconsistência apontada, a candidata deverá recolher ao Tesouro Nacional o valor de R$ 712,50.

Por fim, ressalto que o julgamento da prestação de contas pela Justiça Eleitoral não afasta a possibilidade de apuração por outros órgãos quanto à prática de eventuais ilícitos antecedentes e/ou vinculados, verificados no curso de investigações em andamento ou futuras (art. 75 da Resolução TSE nº 23.607/2019).

 

Irresignada, a recorrente pugna pela aprovação das contas sem ressalvas. Sustenta que no período do registro de candidatura desempenhava atividade autônoma de limpeza em residências e de serviços de maquiagens, o que lhe gerou renda nos meses de setembro e outubro de 2020 no valor de R$ 1.100,00, sendo essa, então, a origem do recurso depositado na conta de campanha.

Acerca do ponto, a douta Procuradoria Regional Eleitoral, em parecer, assim se manifestou:

No mérito, não merece reforma a sentença, pois o(a) prestador(a) realizou doações para a própria candidatura no valor de R$ 712,50, embora tenha declarado, no registro de candidatura, não ser possuidora de bens, sendo que, ao ser intimada para esclarecer a origem dos recursos, limitou-se a afirmar que o valor foi fruto de seu trabalho não juntando qualquer comprovação.

O(a) recorrente afirma que detém capacidade econômica para doação de recursos financeiros a sua candidatura, por meio de atividade como diarista autônoma realizando limpezas de residências e serviços de maquiagem. Ocorre que nenhuma comprovação da referida atividade profissional foi acostada aos autos. Conforme bem destacado pela Unidade Técnica, são valores investidos pela candidata, mas cuja procedência é desconhecida, pelo fato de que o montante não foi declarado na relação de bens apresentada no registro de candidatura.

 Assim, não merece reparos a sentença, ao ter por configurada utilização de recursos de origem não identificada, determinando o recolhimento do respectivo montante ao Tesouro Nacional, com fundamento no art. 32 da Resolução TSE 23.607/19.

 

A matéria objeto de análise encontra-se disciplinada pela Resolução TSE n. 23.607/19, em seu art. 32, verbis:

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta do doador;

II - a falta de identificação do doador originário nas doações financeiras recebidas de outros candidatos ou partidos políticos;

III - a informação de número de inscrição inválida no CPF do doador pessoa física ou no CNPJ quando o doador for candidato ou partido político;

IV - as doações recebidas em desacordo com o disposto no art. 21, § 1º, desta Resolução quando impossibilitada a devolução ao doador;

V - as doações recebidas sem a identificação do número de inscrição no CPF/CNPJ no extrato eletrônico ou em documento bancário;

VI - os recursos financeiros que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º desta Resolução;

VII - doações recebidas de pessoas físicas com situação cadastral na Secretaria da Receita Federal do Brasil que impossibilitem a identificação da origem real do doador; e/ou

VIII - recursos utilizados para quitação de empréstimos cuja origem não seja comprovada.

(...)

 

No caso vertente, a recorrente não logrou êxito em demonstrar, com segurança, a origem dos recursos, devendo ser mantida a ordem de recolhimento ao Tesouro Nacional da importância de R$ 712,50.

Contudo, tenho que, apesar de o percentual ser significativo diante do somatório arrecadado (85%) da receita declarada (R$ 836,50), o valor absoluto é reduzido e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, dispensando o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Nessas hipóteses, cabível a incidência dos postulados da razoabilidade e proporcionalidade, na esteira do que constou na decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin, nos autos do RESPE n. 37447, em 13.06.2019:

Entendo que o limite percentual de 10% (dez por cento) adotado por este Tribunal Superior revela-se adequado e suficiente para limitar as hipóteses de incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de se harmonizar, contudo, a possibilidade de sobreposição dos critérios do valor diminuto e da aplicação dos princípios já citados. Em casos tais, deve prevalecer, até o limite aqui indicado, o critério de valor absoluto, aplicando-se o critério principiológico de forma subsidiária.

Assim, se o valor da irregularidade está dentro do máximo valor entendido como diminuto, é desnecessário aferir se é inferior a 10% (dez por cento) do total da arrecadação ou despesa, devendo se aplicar o critério do valor diminuto.

Apenas se superado o valor máximo absoluto considerado irrisório, aplicar-se-á o critério da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser considerado o valor total da irregularidade analisada, ou seja, não deve ser desconsiderada a quantia de 1.000 UFIRs alcançada pelo critério do valor diminuto.

 

Nessa linha, a jurisprudência tem afastado o severo juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da elevada equivalência relativa da falha diante do conjunto das contas, o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10.

A ilustrar, destaco o seguinte julgado de minha relatoria, no qual o somatório das irregularidades alcançou a pequena cifra de R$ 694,90:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS; PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.07.2020.) (Grifo nosso)

 

Transcrevo, ainda, ementa de decisão do Plenário do TSE:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral nº 27324, Acórdão, Relator Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data: 29.9.2017.) (Grifo nosso)

 

Destarte, tendo em vista que a irregularidade perfaz quantia inexpressiva, tenho ser possível a aprovação das contas com ressalvas em homenagem aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade. Tal conclusão, cabe ressaltar, não afasta o dever de recolhimento ao erário.

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de TAMARA DE OLIVEIRA DRESSLER, mantendo a condenação de recolhimento ao Tesouro Nacional da importância de R$ 712,50.