PCE - 0603468-02.2018.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/05/2021 às 10:00

VOTO

 

O recurso é tempestivo e merece conhecimento.

Preliminarmente, reconheço o erro apontado, declarando o saneamento da decisão de ID 40772033, no sentido de substituir a palavra "credor" pela palavra "devedor", passando a constar no trecho "Ante o exposto, indefiro o parcelamento requerido, ficando facultado ao devedor verificar, junto a Advocacia-Geral da União – AGU, a possibilidade de acordo extrajudicial."

No mérito, o presente recurso busca reformar a decisão que indeferiu o pedido de parcelamento da dívida de R$ 323.716,63 (valor atualizado em 07.04.2021) em número de parcelas que não excedessem a 5% da renda mensal da agravante e limitou seu parcelamento em 60 vezes.

Em relação ao cerne da questão, a recorrente alega, resumidamente, que o parcelamento da dívida é direito subjetivo, assegurado nos termos do art. 11, § 8º, inc. III, da Lei n. 9.504/97 e no art. 5º, caput, da Resolução TRE/RS n. 298/17. Aduz, ainda, que o pagamento do débito em 60 vezes tornaria excessivamente oneroso o seu adimplemento, pois "para assumir o seu novo emprego a ora Agravante foi demandada a se mudar para Brasília/DF, razão pela qual vem arcando com inúmeras despesas extraordinárias com a mudança, bem como com o pagamento de aluguel na nova cidade."

O recurso não merece prosperar.

A decisão recorrida não nega o direito ao parcelamento de débitos perante a Justiça Eleitoral, mas reconhece que seus termos são fixados discricionariamente pela autoridade administrativa ou pelo juiz, como se extrai da legislação eleitoral.

Tanto da leitura do art. 11º, § 8º, inc. III, da Lei n. 9.504/97, quanto do art. 5º, caput, da Resolução TRE/RS n. 298/17, vislumbramos o emprego do verbo “poderá”, a indicar que o parcelamento acima de 60 vezes está sujeito a um critério discricionário da autoridade competente.

Transcrevo os dispositivos em comento:

Lei n. 9.504/97

Art. 11. Os partidos e coligações solicitarão à Justiça Eleitoral o registro de seus candidatos até as dezenove horas do dia 15 de agosto do ano em que se realizarem as eleições. (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

[...] § 8º Para fins de expedição da certidão de que trata o § 7o, considerar-se-ão quites aqueles que:

[...] I - condenados ao pagamento de multa, tenham, até a data da formalização do seu pedido de registro de candidatura, comprovado o pagamento ou o parcelamento da dívida regularmente cumprido;

[...] III - o parcelamento das multas eleitorais é direito dos cidadãos e das pessoas jurídicas e pode ser feito em até sessenta meses, salvo quando o valor da parcela ultrapassar 5% (cinco por cento) da renda mensal, no caso de cidadão, ou 2% (dois por cento) do faturamento, no caso de pessoa jurídica, hipótese em que poderá estender-se por prazo superior, de modo que as parcelas não ultrapassem os referidos limites;

 

Resolução TRE/RS n. 298/17:

Art. 5º O parcelamento é direito dos cidadãos e das pessoas jurídicas e pode ser feito em até 60 (sessenta) meses, salvo quando o valor da parcela ultrapassar 5% (cinco por cento) da renda mensal, no caso de cidadão, ou 2% (dois por cento) do faturamento, no caso de pessoa jurídica, hipótese em que poderá estender-se por prazo superior, de modo que as parcelas não ultrapassem os referidos limites.

Ademais, a norma deve ser interpretada em conformidade com o disposto no art. 11, § 11, segundo o qual “a Justiça Eleitoral observará, no parcelamento a que se refere o § 8º deste artigo, as regras de parcelamento previstas na legislação tributária federal”, remetendo à disciplina da Lei n. 10.522/02, que autoriza o fracionamento dos débitos da Fazenda Nacional “a exclusivo critério da autoridade fazendária”, como se lê no seu art. 10:

Art. 10. Os débitos de qualquer natureza para com a Fazenda Nacional poderão ser parcelados em até sessenta parcelas mensais, a exclusivo critério da autoridade fazendária, na forma e condições previstas nesta Lei.

Não se extrai da legislação eleitoral, portanto, um direito subjetivo ao parcelamento de dívidas nos limites dos termos legais. Ao contrário, a lei somente autoriza a autoridade administrativa ou o juiz a parcelar os débitos, conferindo-lhes discricionariedade para estabelecer o quantitativo de prestações.

Este Tribunal, em sessão de 18 de dezembro de 2018, negou provimento ao Agravo Regimental na Prestação de Contas de n. 77-93.2015.6.21.0000, em situação análoga à dos autos, no que tange à discricionariedade da autoridade competente para a concessão de parcelamento que extrapola o prazo de 60 meses:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO. PARTIDO POLÍTICO. PARCELAMENTO DO DÉBITO EM NÚMERO SUPERIOR A 60 MESES. INDEFERIDO. ART. 11, §8º, INC. IV, DA LEI N. 9.504/97. DÉBITO DECORRENTE DE SANÇÃO. CAPACIDADE FINANCEIRA DA AGREMIAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra decisão que indeferiu parcelamento de dívida em número superior a 60 meses e limitou o número de parcelas a esse quantitativo. A decisão recorrida não nega o direito de parcelamento de débitos perante a Justiça Eleitoral e seus termos são fixados discricionariamente pela autoridade administrativa ou pelo juiz, de acordo com os termos do art. 11, § 8º, inc. IV, da Lei n. 9.504/97, devendo a norma ser interpretada em conformidade com o disposto em seu §11. Não se extrai da legislação eleitoral um direito subjetivo ao parcelamento de dívidas nos limites dos termos legais. Ao contrário, a lei somente autoriza a autoridade administrativa ou o juiz a parcelar os débitos, conferindo-lhes discricionariedade para estabelecer o quantitativo de parcelas.

2. Débito decorrente de sanção que deve ser suportada pela agremiação de acordo com a sua finalidade punitiva. As infrações praticadas não autorizam o abrandamento da penalidade além do deferido na decisão recorrida, pois envolvem arrecadação de fontes vedadas, origem não identificada e indevida aplicação de recursos do Fundo Partidário.

3. No caso, a parcela mostra-se adequada à dimensão e às condições financeiras da agremiação. Evidenciada a capacidade financeira do partido para suportar o valor das parcelas fixadas. Mantida sentença recorrida.

4. Desprovimento do recurso.

(TRE-RS, Agravo Regimental na PC n. 77-93.2015.6.21.0000, Acórdão, Relator Des. Eleitoral Jorge Luís Dall'Agnol, Publicação em 25/01/2019, Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS n. 14, Pag. 7-8. Acórdão de 18/12/2018)

Nesse sentido também tem se orientado o Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2012. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PRTB. DIRETÓRIO NACIONAL. EXECUÇÃO. APLICAÇÃO. LEI Nº 13.488/2017. NORMA DE NATUREZA PROCESSUAL. TEMPUS REGIT ACTUM. OMISSÃO SUPRIDA. DEFERIMENTO. PARCELAMENTO DE SUSPENSÃO DO REPASSE DE COTAS. DIREITO SUBJETIVO CONFERIDO ÀS AGREMIAÇÕES. CONDIÇÕES DE PARCELAMENTO. PROPORCIONALIDADE. EMBARGOS PROVIDOS.

1. O art. 11, § 8º, IV, inserido na Lei das Eleições pela minirreforma eleitoral de 2017 (Lei nº 13.488/2017), conferiu aos partidos políticos o direito subjetivo de parcelar seus débitos e multas de natureza eleitoral e não eleitoral com esta Justiça especializada.

2. A novidade legislativa alcança as prestações de contas em fase de execução por se tratar de norma de natureza processual, situação que se equaciona pela incidência do princípio tempus regit actum, previsto no art. 14 do Novo Código de Processo Civil.

3. A Lei nº 13.488/2017, a despeito de conceder aos partidos políticos um direito ao parcelamento de valores devidos a título de multas ou débitos, reserva para os órgãos jurisdicionais uma margem de ação para a definição de seus termos. Nesse passo, a prerrogativa de parcelamento não significa, em absoluto, um direito automático às mais brandas condições, cabendo aos tribunais o encargo de defini-las com base em um juízo de proporcionalidade, tendo em mira a gravidade das circunstâncias que ensejaram a punição, a finalidade de prevenção geral afeta às normas do direito eleitoral sancionador e o escopo educacional da jurisdição. In casu, a) o Embargante teve suas contas referentes às Eleições 2012 rejeitadas pelo Tribunal Superior Eleitoral, tendo sido condenado à suspensão de uma cota do Fundo Partidário; b) considerando que o processo está em fase de execução, é necessário deferir o requerimento de parcelamento da sanção imposta, nos termos do art. 11, § 8º, IV, da Lei das Eleições.

4. Embargos de declaração providos para, suprida a omissão, deferir o parcelamento da sanção de suspensão do Fundo Partidário em 50 (cinquenta) meses.

(TSE, Prestação de Contas nº 130071, Acórdão, Relator Min. Luiz Fux, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 11.4.2018, Páginas 34- 35)

 

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. PARCELAMENTO. MULTA ELEITORAL. SESSENTA VEZES. INDEFERIMENTO. PARCELAMENTO MENOR. CORREÇÃO MONETÁRIA. POSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. Nos termos do art. 10 da Lei nº 10.522/2002, "os débitos de qualquer natureza para com a Fazenda Nacional poderão ser divididos em até sessenta parcelas mensais, a exclusivo critério da autoridade fazendária, na forma e condições previstas nesta Lei". Assim, "estabelecido que a divisão se dá, 'a exclusivo critério da autoridade fazendária', não há obrigatoriedade de o parcelamento ser concedido no prazo máximo previsto". (AgR-REspe nº 82-09/SP, Rel. Min. Henrique Neves, DJe de 15.9.2014)

2. No tocante à correção monetária, a atual redação do art. 11, § 11, da Lei nº 9.504/97, dada pela Lei nº 12.034/2009, prevê que "a Justiça Eleitoral observará, no parcelamento a que se refere o § 8º deste artigo, as regras de parcelamento previstas na legislação tributária federal".

3. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Agravo de Instrumento nº 93989, Acórdão, Relatora Min. Luciana Lóssio, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 06.4.2016)

 

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO NOS PRÓPRIOS AUTOS. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. PEDIDO DE PARCELAMENTO DA MULTA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA INCAPACIDADE DE PAGAMENTO. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. O Tribunal a quo assentou que o agravante não demonstrou a impossibilidade de arcar com o débito, motivo pelo qual seria razoável a manutenção da multa fixada sem parcelamento. A modificação desse entendimento, para acatar a pretensão recursal, exigiria o revolvimento de fatos e provas, o que é inadmissível na via estreita do recurso especial (Súmulas nos 7/STJ e 279/STF).

2. Consoante sinalizou a d. PGE, "nos termos do art. 10, da Lei n° 10.522/2002, o parcelamento da multa eleitoral não é direito subjetivo do devedor, inserindo-se na esfera de discricionariedade da autoridade competente, que deve considerar a capacidade econômica daquele e todas as demais peculiaridades do caso concreto para a formação de sua convicção", o que se alinha ao entendimento consolidado nesta Corte (Precedente: AgR-REspe nº 360-19/CE, Rel. Min. Arnaldo Versiani, DJe 12.8.2011).

3. Este Tribunal Superior, na Consulta n° 1000-75/DF, decidiu que as alterações e introduções advindas com a Lei n° 12.891/2013, entre elas o § 8° do art. 11 da Lei n° 9.504/97, não se aplicariam aos fatos anteriores à sua vigência.

4. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Agravo de Instrumento nº 23955, Acórdão, Relatora Min. Luciana Lóssio, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 202, Data 23.10.2015, Página 64.)

Não se duvida também que a possibilidade de parcelamento tem a finalidade de assegurar o adimplemento dos débitos públicos com a manutenção e a sobrevivência das pessoas físicas. Todavia, a legislação realizou uma primeira ponderação entre os interesses em jogo, cabendo à autoridade competente concretizar essa ponderação conforme as peculiaridades de cada caso.

Na hipótese, a fixação da parcela em 5% da renda mensal, tal como busca a recorrente, implicaria o parcelamento em 360 meses ou 30 anos, isso sem contar o acréscimo de juros e correção monetária, o que evidentemente não atende ao interesse público de se ver ressarcido dos valores indevidamente aplicados pela então candidata.

Por outro lado, a parcela em valor aproximado de R$ 5.395,270 (equivalente ao parcelamento em 60 vezes) mostra-se adequada à dimensão e às condições financeiras da requerente, não ultrapassando os 30% de sua remuneração mensal, equivalente a R$ 18.000,00, segundo informou nos autos (ID 41331583).

Não se pode esquecer que o débito deve ser suportado pela ora recorrente de acordo com a sua finalidade punitiva. O parcelamento, sem se olvidar dessa natureza sancionatória, preserva a sobrevivência da pessoa, que não está comprometida no caso em análise, visto que possui confortáveis rendimentos, diferentemente da maioria da população.

Acerca da apontada violação ao art. 97 da Constituição Federal, não há que se falar em contrariedade, muito menos em declaração de inconstitucionalidade de normas, quando estas possibilitam, e não obrigam, que sejam concedidos parcelamentos com prazos superiores a 60 meses, ficando tal decisão adstrita à esfera da discricionariedade da autoridade competente, no caso, a critério da convicção do Presidente do TRE-RS, formada a partir da análise do caso concreto.

Sobre a alegada dificuldade de acordo com a AGU, temos notícias de vários acordos celebrados com devedores. Nos últimos anos, a Advocacia-Geral da União (AGU) vem estabelecendo regras cada vez mais simplificadas para evitar a judicialização ou encerrar processos que já estejam em andamento, inclusive com edição da PORTARIA  n. 11, de 8 de junho de 2020, bem como com a criação de uma plataforma digital de negociação de dívidas (Sistema Negociação de Dívidas – Lei nº 13.988/20). No site da AGU há notícia sobre a criação da plataforma com essa finalidade (https://www.gov.br/agu/pt-br/comunicacao/noticias/agu-disponibiliza-plataforma-para-receber-propostas-de-acordo-para-pagamentos-de-dividas-com-a-uniao), e que em certo trecho revela algumas condições para acordos com pessoas físicas:

"... Já para pessoas físicas, microempresas, empresas de pequeno porte, instituições de ensino, santas casas de misericórdia, sociedades cooperativas e demais organizações da sociedade civil, o parcelamento pode chegar a 145 vezes, com descontos de até 70% sobre juros, multas e encargos. ..."

Dessa forma, deve ser mantida a decisão recorrida, que indeferiu o fracionamento da dívida de R$ 323.716,63 em 360 parcelas (trinta anos).

Diante do exposto, VOTO por negar provimento ao agravo interno, mantendo a decisão agravada, com o devido saneamento do vício apontado, no sentido de substituir a palavra "credor" pela palavra "devedor", passando a constar no trecho "Ante o exposto, indefiro o parcelamento requerido, ficando facultado ao devedor verificar, junto a Advocacia-Geral da União – AGU, a possibilidade de acordo extrajudicial."

Após, intime-se a AGU para promover a cobrança do valor devido.