REl - 0600402-25.2020.6.21.0103 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/05/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada pelo magistrado a quo devido à constatação de duas irregularidades: inexistência da declaração acerca do gasto de R$ 100,00, em descumprimento ao disposto no art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19; e ausência de comprovação idônea dos gastos de R$ 480,22, advindos do Fundo Partidário, em contrariedade ao art. 79, § 1º, da mesma resolução.

A recorrente sustenta que a nota fiscal que não constou da prestação de contas foi emitida em duplicidade, mas não houve o cancelamento pelo fornecedor, não podendo a prestadora responder pela desídia daquele. Referiu, ainda, que, por não possuir veículo próprio e ter se valido de cessão temporária durante a campanha, os gastos com combustíveis e lubrificantes devem ser considerados como despesas eleitorais lícitas, notadamente por seu reduzido valor.

A candidata deveria ter declarado a despesa na ordem de R$ 100,00, de modo a demonstrar a origem e o destino do recurso. Ademais, a alegação de que não realizou o gasto eleitoral não veio acompanhada de qualquer suporte probatório. Desse modo, incidente a regra prevista no art. 32, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, que caracteriza o recurso como de origem não identificada – RONI.

Em relação à despesa na quantia de R$ 480,22 (combustíveis e lubrificantes), observa-se que estaria relacionada à cessão de um único veículo para a campanha, realizada nos dias 13 e 14 de novembro de 2020. Veja-se, nesse ponto, o que referido pela unidade técnica (ID 24380183):

Além disso, nos últimos 2 (dois) dias de campanha, a candidata teve um gasto elevado com combustíveis, considerando que: a NF 77413 foi expedida às 15h57min do dia 14/11/2020 (véspera do pleito); no dia do pleito não é permitida a realização de carreatas/carros de som; Demonstrativo de Despesas com Combustíveis Semanal (ID n. 68542766) não especifica todas as Notas Fiscais geradas; a cessão de veículos realizada por apenas uma pessoa física; a quilometragem que poderia ser realizada com o volume de combustíveis abastecido na antevéspera e véspera do pleito, comparada às dimensões do município de Tupanci do Sul; não foram declaradas despesas com utilização de gerador de energia.

 

De fato, ainda que considerada a despesa de R$ 79,00 com óleo lubrificante, remanesce um gasto de R$ 401,22, incompatível com a utilização de um único veículo por dois dias.

Assim, caracterizado o recebimento de recursos de origem não identificada (R$ 100,00) e a ausência de comprovação legítima de gasto com verbas do Fundo Partidário (R$ 480,22), correta a determinação de recolhimento dos valores equivalentes ao Tesouro Nacional, nos termos dos arts. 32 e 79, § 1º, ambos da Resolução TSE n. 23.607/19.

As falhas apontadas nos itens 6 e 7 do relatório de exame da prestação de contas importam no valor total de R$ 580,22 (quinhentos e oitenta reais e vinte e dois centavos), o que representa 23,20% da receita (financeira e estimável) declarada pela prestadora, importância essa que deverá ser recolhida ao Tesouro Nacional.

Contudo, tenho que, apesar de o percentual das irregularidades ser significativo frente ao somatório arrecadado (23,20%), o valor absoluto é reduzido e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Nessas hipóteses, cabível a incidência dos postulados da razoabilidade e proporcionalidade, na esteira do que constou na decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin, nos autos do RESPE n. 37447, em 13.6.2019:

Entendo que o limite percentual de 10% (dez por cento) adotado por este Tribunal Superior revela-se adequado e suficiente para limitar as hipóteses de incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de se harmonizar, contudo, a possibilidade de sobreposição dos critérios do valor diminuto e da aplicação dos princípios já citados. Em casos tais, deve prevalecer, até o limite aqui indicado, o critério de valor absoluto, aplicando-se o critério principiológico de forma subsidiária.

Assim, se o valor da irregularidade está dentro do máximo valor entendido como diminuto, é desnecessário aferir se é inferior a 10% (dez por cento) do total da arrecadação ou despesa, devendo se aplicar o critério do valor diminuto.

Apenas se superado o valor máximo absoluto considerado irrisório, aplicar-se-á o critério da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser considerado o valor total da irregularidade analisada, ou seja, não deve ser desconsiderada a quantia de 1.000 UFIRs alcançada pelo critério do valor diminuto.

 

Nessa linha, a jurisprudência tem afastado o severo juízo de desaprovação da contabilidade quando, a despeito da elevada equivalência relativa da falha diante do conjunto das contas, o valor nominal da irregularidade mostra-se irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10.

A ilustrar, destaco o seguinte julgado de minha relatoria, no qual o somatório das irregularidades alcançou a pequena cifra de R$ 694,90:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS; PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.7.2020.) (Grifo nosso)

 

Transcrevo, ainda, ementa de decisão do Plenário do TSE:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data: 29.9.2017.) (Grifo nosso)

 

Destarte, tendo em vista que as irregularidades perfazem quantia inexpressiva, entendo pela aprovação das contas com ressalvas, em homenagem aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade. Tal conclusão, cabe ressaltar, não afasta o dever de recolhimento ao erário, na forma do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de CAMILA PASTORELO, mantendo a condenação de recolhimento da importância de R$ 580,22 ao Tesouro Nacional.