REl - 0600632-47.2020.6.21.0045 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/05/2021 às 14:00

VOTO

 A prestação de contas foi desaprovada devido à omissão de registro de despesas, no total de R$ 735,00, sem que fosse possível verificar a identidade do doador originário dos recursos, e à extrapolação do limite de 10% de gastos com recursos do próprio candidato, no valor de R$ 92,55.

O candidato poderia utilizar até R$ 4.212,45, mas aplicou na campanha recursos próprios no valor de R$ 4.305,00. Tais irregularidades somam a quantia de R$ 827,55, que representa 4,65% da movimentação financeira declarada, na ordem de R$ 17.792,00, conforme consta dos seguintes trechos da sentença recorrida:

[…]

No tocante ao primeiro apontamento, a examinadora relatou que foram constatadas omissões de despesas constantes no Sistema de Prestação de Contas Eleitoral, obtidas por meio de circularização de informações, no valor total de R$ 935,00. Deste total, foi comprovado o pagamento de R$ 300,00, através de saque eletrônico na conta bancária e juntado o boleto referente a este valor. O restante, R$ 635,00, o candidato comprovou os gastos que não foram registrados no SPCE. Declarou que foram utilizados recursos próprios para pagamento de despesas, no valor de R$ 350,00, no período pré-campanha, que não transitaram na conta bancária do candidato. Declarou ainda que R$ 285,00 deste total, o verdadeiro tomador do serviço era Pedro Ernani de Souza que pagou com recursos próprios este valor acrescidos de R$ 100,00 de frete, juntando o comprovante deste valor total. Tal razão não pode ser aceita, uma vez que na nota fiscal consta o candidato como contratante.

[...]

No apontamento 2, foi detectado que o limite de gastos com recursos próprios para o cargo de vereador era de R$ 4.212,45, e o candidato ultrapassou esses em R$ 92,55, gastando R$ 4.305,00. Em sua defesa, o prestador fala que esta despesa é estimada, mas os valores que correspondem a estes limites são financeiros.

[...]

Sobre o apontamento 3, foi declarada que a movimentação bancária referente a um cheque de R$ 1.800,00, da conta de FEFC, do candidato, foi compensado por engano, uma vez que o candidato não teve doações de FEFC. Verifica-se a compensação do referido cheque na conta de FP.

[...]

 

Em suas razões, a parte recorrente sustenta que não houve omissão de gastos eleitorais, visto ter sido demonstrada a origem do valor de R$ 385,00 (ID 28128583), referente ao pagamento à Empresa Speed Indústria e Comércio de Brindes Ltda., pois foi seu pai, Sr. Pedro Ernani Souza Grass, quem na realidade fez a contratação, enquanto eleitor simpatizante de sua campanha. Refere que, por falta de conhecimento, o doador informou o CNPJ do candidato em vez de indicar seu próprio CPF.

Contudo, o argumento não procede, seja porque a doação de bens e/ou serviços deve constituir produto do próprio serviço ou da atividade econômica do doador, na forma do art. 25 da Resolução TSE n. 23.607/19, seja porque não houve prova da retificação da nota fiscal. Além disso, a origem do recurso caracteriza-se como mera alegação, pois não foi demonstrada por documentos idôneos, permanecendo a irregularidade.

Quanto ao valor de R$ 350,00 gasto com impulsionamento no Facebook Serviços Online do Brasil Ltda., o recorrente afirma que utilizou recursos próprios de sua conta pessoal para o pagamento de R$ 272,00, tratando-se de erro formal (ID 28128483), e que não teria como atestar apenas a quantia de R$ 78,00, cujo comprovante foi extraviado, sendo, assim, somente este o gasto passível de ser considerado como recursos de origem não identificada, cujo diminuto valor não conduziria à desaprovação das contas.

No entanto, como bem apontou a douta Procuradoria Regional Eleitoral, caso a origem dos pagamentos tenha partido de recursos próprios, o valor deveria ser computado no excesso do limite de gastos, circunstância que também caracteriza irregularidade diante da extrapolação observada nas contas, devendo permanecer a conclusão de que a despesa é irregular e que o recurso é de origem não identificada, conforme exposto no parecer ofertado nesta instância:

Com relação à omissão de despesas, no valor total de R$ 350,00, pagas ao Facebook, o próprio recorrente acaba por reconhecer que os recursos utilizados para o seu pagamento não transitaram pela conta bancária de campanha. Tais recursos configuram, tecnicamente, recursos de origem não identificada, nos termos do art. 32, § 1º, VI, da Resolução TSE nº 23.607/2019, segundo o qual “caracterizam o recurso como de origem não identificada: (…) os recursos financeiros que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º desta Resolução”. Mesmo assim, nota-se que, se estivesse de boa-fé, o candidato teria lançado as referidas despesas na sua prestação de contas, providência da qual não se desincumbiu. Importante observar, ainda, que, caso a alegação de que os valores em tela são provenientes de recursos do próprio candidato, ter-se-ia que, inevitavelmente, ser reconhecido um incremento na extrapolação do limite de utilização de recursos próprios, a qual, segundo a unidade técnica, ficou apenas em R$ 92,55. 

Ademais, a documentação constante nos autos não esclarece a origem dos recursos utilizados para pagamento das referidas despesas, uma vez que os valores não transitaram pela conta de campanha, impossibilitando a fiscalização pela Justiça Eleitoral, não podendo as falhas ser consideradas simples erros formais.

Assim, deve ser considerada como recurso de origem não identificada a soma de tais valores, cujo total é de R$ 735,00, o qual deve ser recolhido ao Tesouro Nacional.

Com referência à extrapolação do limite de gastos, verifica-se que, para o cargo de vereador no Município de Santo Ângelo, no qual o recorrente concorreu, o limite legal, conforme sítio do Tribunal Superior Eleitoral, https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/, era de R$ 42.124,54, em conformidade com o art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, e que o candidato poderia utilizar como recurso próprio para adimplemento de suas despesas até 10% desse valor, ou seja, R$ 4.212,45.

Entretanto, conforme consta da sentença, o prestador gastou a quantia de R$ 4.305,00, extrapolando em R$ 92,55 os recursos próprios que poderia aplicar na campanha, sendo razoável, adequada e proporcional a multa fixada na sentença no tocante à determinação de recolhimento de 100% da quantia ao erário, totalizando em R$ 827,55 o montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional.

Porém, como bem observa a Procuradoria Regional Eleitoral, as irregularidades somam o valor de R$ 827,55, que representa 4,65% do total da movimentação financeira declarada, na ordem de R$ 17.792,00, e não representam percentual significativo frente ao somatório arrecadado.

Assim, em atenção aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, as contas podem ser aprovadas com ressalvas, pois o valor absoluto é reduzido e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Acerca da incidência dos aludidos princípios sobre irregularidades nominalmente diminutas, cumpre trazer à colação precedente do Tribunal Superior Eleitoral apontando a possibilidade de aprovação das contas com ressalvas:


ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.
1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).
2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".
3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.
4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.
Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data: 29.9.2017.) (Grifei.)

 

De igual modo, a jurisprudência do TRE-RS admite a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovação das contas com ressalvas quando o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.
1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.
2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.
3. Aprovação com ressalvas.
(TRE-RS; PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.07.2020.) (Grifei.)

Destarte, tendo em vista que as falhas perfazem quantia inexpressiva, acolho manifestação do Parquet Eleitoral no sentido de que o recurso comporta provimento parcial, podendo as contas ser aprovadas com ressalvas, ressaltando que permanece o dever de recolhimento ao erário, na forma dos arts. 27, § 4º, e 79 da Resolução TSE n. 23.607/19, da multa e dos recursos de origem não identificada verificados nas contas.

Ressalto que deve ser corrigido, de ofício, o erro material da sentença ao destinar o valor da multa para o Tesouro Nacional, pois a sanção por excesso do limite de autofinanciamento deve ser recolhida ao Fundo Partidário, na forma do art. 367, inc. VI, do Código Eleitoral.

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar as contas com ressalvas e manter a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 735,00 e a fixação de multa na quantia de R$ 92,55, retificando apenas a destinação da multa ao Tesouro Nacional, a fim de que seja recolhida ao Fundo Partidário, nos termos da fundamentação.