REl - 0601261-88.2020.6.21.0055 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/05/2021 às 14:00

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo. Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, dele conheço.

Preliminar

O recorrente acosta novos documentos com o recurso.

O recorrido, a seu turno, alega que as fotos foram juntadas intempestivamente, tratando-se de inovação processual, caracterizando supressão de instância.

Esta Corte vem decidindo pela possibilidade da juntada de documentos na fase recursal, nos termos do art. 266 do CE, quando estes não demandarem análise técnica, como é o caso em questão.

Contudo, já adianto que os documentos juntados não mudam a percepção sobre a prova já produzida nos autos, suficiente para a formação do juízo de convencimento.

Sendo assim, conheço dos documentos anexados ao recurso.

 

Mérito

Cuida-se de apreciar o recurso interposto pelo MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO de Parobé contra a sentença proferida pelo Juízo da 55ª Zona Eleitoral que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE proposta em desfavor do vereador DARI DA SILVA, candidato à reeleição no pleito de 2020.

Inicialmente, cumpre tecer algumas considerações teóricas.

A finalidade precípua da AIJE é apurar o uso indevido, o desvio ou o abuso do poder nos seus espectros econômico e político (ou emanado de autoridade), bem como a utilização imprópria de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou partido político, ilícitos que podem levar à declaração de inelegibilidade, pelo período de 8 (oito) anos, de todos os agentes que contribuíram para a sua prática, e à cassação do registro ou diploma do candidato beneficiado, como disciplinam o art. 14, § 9º, da Constituição Federal e o art. 22, incs. XIV e XVI, da LC n. 64/90, com a redação que lhe foi dada pela LC n. 135/10.

Nas hipóteses de abuso de poder político e econômico, a atividade jurisdicional deve ser orientada pelos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade para que se possa impor, ao candidato beneficiado, a gravosa penalidade de cassação do seu registro, diploma ou mandato eletivo e a declaração de inelegibilidade àqueles que se envolveram nas práticas ilícitas.

O doutrinador Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral, Editora Verbo Jurídico, 5ª edição, p. 585 e verso) traz a seguinte lição sobre as condutas vedadas:

As condutas vedadas – na esteira de entendimento da doutrina e jurisprudência – constituem-se como espécie do gênero abuso de poder e surgiram como um antídoto à reeleição, a qual foi instituída através da EC nº 16/97. Em verdade, pode-se conceituar os atos de conduta vedada como espécies de abuso de poder político que se manifestam através do desvirtuamento dos recursos materiais (incisos I, II, IV e §10º do art. 73 da LE), humanos (incisos III e V do art. 73 da LE), financeiros (inciso VI, a, VII e VIII do art. 73 da LE) e de comunicação (inciso VI, b e c do art. 73 da LE) da Administração Pública (lato sensu).

(...)

O bem jurídico tutelado pelas condutas vedadas é o princípio da igualdade entre os candidatos. Assim, desnecessário qualquer cotejo com eventual violação à normalidade ou legitimidade do pleito. Basta, apenas, seja afetada a isonomia entre os candidatos; nada mais. Neste sentido, aliás, o próprio caput do art. 73 da LE prescreve que são condutas vedadas porque “tendentes” a afetar a igualdade entre os candidatos. Ou seja, o legislador presume que tais condutas, efetivamente, inclinam-se a desigualar os contendores.

Exigir prova da potencialidade da conduta na lisura do pleito equivale a um esvaziamento do comando normativo, porquanto imporia um duplo ônus ao representante: a prova da adequação do ilícito à norma (legalidade estrita ou taxatividade) e a prova da potencialidade da conduta. A adoção dessa implica o esvaziamento da representação por conduta vedada, pois, caso necessária a prova da potencialidade, mais viável o ajuizamento da AIJE – na qual, ao menos, não é necessária a prova da tipicidade da conduta. Em suma, o bem jurídico tutelado pelas condutas vedadas é o princípio da isonomia entre os candidatos, não havendo que se exigir prova de potencialidade lesiva de o ato praticado afetar a lisura do pleito. Do exposto, a prática de um ato previsto como conduta vedada, de per si e em regra – salvo fato substancialmente irrelevante – é suficiente para a procedência da representação com base no art. 73 da LE, devendo o juízo de proporcionalidade ser aferido, no caso concreto, para a aplicação das sanções previstas pelo legislador (cassação do registro ou do diploma, multa, suspensão da conduta, supressão dos recursos do fundo partidário). (Grifei.)

Como se verifica, o bem jurídico tutelado é a isonomia entre os concorrentes ao pleito.

No caso dos autos, o recorrente alega a ocorrência de abuso do poder político e econômico e de conduta vedada, diante dos seguintes fatos: a) distribuição gratuita de máscaras adquiridas pelo poder público, realizada pessoalmente pelo vereador de Parobé, antes do pleito de 2020, sem qualquer critério e sem autorização legal; b) transmissão de live com a presença do advogado Paulo Cesar Jardosim da Rosa Filho, objetivando atrair pessoas da comunidade, insatisfeitas com suas contas de energia elétrica, para o ajuizamento de demandas judiciais, além da disponibilização de atendimentos gratuitos no gabinete do vereador.

Adianto que assiste razão, em parte, ao recorrente.

Da análise das provas trazidas aos autos, não verifico que os atos supracitados configurem o abuso de poder descrito no art. 74 da Lei n. 9.504/97.

Art. 74. Configura abuso de autoridade, para os fins do disposto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, a infringência do disposto no § 1º do art. 37 da Constituição Federal, ficando o responsável, se candidato, sujeito ao cancelamento do registro ou do diploma.

Contudo, da mesma análise, conclui-se que o primeiro fato se enquadra na hipótese de conduta vedada prevista no art. 73, inc. IV, da Lei n. 9504/97.

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(...)

IV – fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;

No julgamento da AIJE n. 0600724-92.2020.6.21.0055, de minha relatoria, onde o prefeito e o vice-prefeito de Parobé foram julgados pelo mesmo fato de distribuição de máscaras adquiridas pelo poder público, concluí que suas atuações se deram enquanto gestores, administradores do município e, por isso, afastei a hipótese de conduta vedada.

Entretanto, embora o recorrido tenha participado do mesmo ato objeto da demanda contra o prefeito e o vice-prefeito de Parobé, e tenha sido representado pelas mesmas ações, a conclusão desse processo é diversa.

Isso porque, no caso dos autos, o recorrido exerce o mandato de vereador.

Assim, nos termos da Constituição Federal, da Lei Orgânica do Município e do Regimento Interno da Câmara Municipal, detém competência típica de legislar e fiscalizar as ações do prefeito e do vice-prefeito, excluindo-se desta os atos de gestão/administração do município, típicas do Chefe do Poder Executivo.

Nesse sentido, restando evidenciado que o recorrido, de fato, estava entregando à população máscaras adquiridas pelo poder público, em ano eleitoral, e, portanto, realizando atos que não são da sua competência, inafastável a conclusão de promoção pessoal com finalidade eleitoral e a incidência da hipótese de conduta vedada prevista no art. 73, inc. IV, da Lei n. 9.504/97.

Cumpre referir que, embora o recorrido alegue tratar-se apenas de material gráfico, as provas juntadas demonstram que as máscaras estavam fixadas no panfleto, situação que demonstra que o vereador faltou com a verdade.

Ainda, o conjunto probatório demonstra que o vereador, por diversas vezes, fez questão de ser identificado, presencialmente ou nas mídias sociais, de modo a receber o reconhecimento eleitoral no pleito que se aproximava, situação que configura sua promoção pessoal no ato.

Nessa linha, transcrevo parte do elucidativo parecer exarado pela Procuradoria Regional Eleitoral:

Embora seja legítimo que o agente público assuma a orientação política em prol das medidas de cautela voltadas a evitar a contaminação pelo SARS-Cov-2, vírus causador da COVID19 – o que infelizmente se transformou em arena de confronto ideológico –, não é razoável, sobretudo em ano eleitoral, que vereador candidato a reeleição tome frente na distribuição de máscaras custeadas pelo município, num ato que lhe proporciona – indevidamente – maior visibilidade eleitoral.

Nada obstante, a distribuição das máscaras de forma indevida não se reveste de gravidade suficiente para justificar a cassação do diploma ou para caracterizar o abuso de poder, de modo a ensejar a decretação da inelegibilidade.

No tocante à realização de live com advogado para prestar esclarecimentos à população sobre a cobrança de energia elétrica, com a disponibilização do gabinete do vereador recorrido para atender aos interessados, assim como concluído na sentença, igualmente não verifico elementos aptos a caracterizar ilícito eleitoral. Nesse sentido, no intuito de evitar tautologia, transcrevo os fundamentos da decisão de primeiro grau:

“Considerando que, conforme noticiado pelo Ministério Público em seu parecer final, tais fatos foram investigados à exaustão pelo órgão em referência, e, ainda, em razão deste magistrado compactuar com as razões expostas no parecer final, adiro à presente fundamentação as precisas considerações expostas pelo Parquet:

De plano, destaca-se que a situação em apreço já foi analisada administrativamente por este órgão ministerial, oportunidade em que esta Agente, após a inquirição de testemunhas e realizações de diligências, pugnou pelo arquivamento do expediente diante da ausência de elementos que pudessem configurar a prática de conduta vedada prevista nos artigos 73 e 74 da Lei n. 9.504/97.

Ora, analisando as imagens e vídeos constantes no presente expediente, em nenhum momento esta agente identificou atos ou manifestações configuradores de propaganda eleitoral, tampouco vislumbrou a prática da suposta conduta vedada imputada ao Vereador. Vejamos.

Em primeiro lugar, quanto às ações contra a RGE, tudo indica que acabaram não sendo intentadas pelo advogado Paulo Cesar, mas sim encaminhadas ao Ministério Público local, conforme informações trazidas pelo Promotor de Justiça da Comarca de Parobé a esta Agente Ministerial.

Além disso, nas postagens realizadas nas redes sociais do Vereador, outrossim, não se observa nada que indique uso indevido de recursos públicos. Com efeito, a essência e o fundamento das práticas vedadas é assegurar a isonomia entre os candidatos de modo a não privilegiar uns em detrimento de outros. A lei visa, ao listar uma série de condutas proibidas, a igualar as condições de concorrência entre os pretensos candidatos.

E, quando se refere ao uso de bens públicos, exige-se que tenha sido feita com o propósito de beneficiar determinado sujeito e prejudicar outro. Sobre o assunto, ensina Rodrigo Lopes Zilio (Direito Eleitoral, 7ª Edição, Revista, Ampliada e Atualizada, Editora Juspodivm, 2020, p. 715 e 716):

“A cessão e o uso de bens pertencentes à Administração Pública (lato sensu) é, ao lado da utilização de servidores públicos, a forma mais comum de uso da máquina pública. Proíbe-se, in casu, o efetivo e intencional uso e cessão de bens da Administração que configurem benefício a candidato, partido ou coligação. Pune-se aquele ato que é praticado com o fim deliberado de causar benefício ou prejuízo indevido aos participantes do processo eletivo. No entanto, a mera cessão ou uso de bens, por si só, não caracteriza a conduta vedada, pois é indispensável que a ação seja desenvolvida em beneficio de candidato, partido político ou coligação, causando prejuízo aos demais concorrentes ao pleito. (...)”

Ademais, em se tratando de uso de uma sala, um computador e sinal de internet, poderia-se perquirir, ainda, sobre o montante insignificante de tais recursos.

Assim, entende-se que não houve nenhuma atitude indevida e, da mesma forma, nenhum benefício indevido, o que afasta, portanto, qualquer ilação a respeito de uma conduta vedada pela legislação eleitoral, na forma do artigo 73 da Lei n. 9.504/97. Deste modo, afasto o caráter abusivo e não reconheço a imputação da prática de conduta vedada imputados ao investigado.”

Reconhecida a prática de conduta vedada, aplicável a multa prevista no § 4º do art. 73 da Lei n. 9.504/97, c/c o § 4º do art. 83 da Resolução TSE n. 23.610/19:

Art. 73. (...)

§ 4º O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR.

 

Art. 83. (…)

§ 4º O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os agentes responsáveis à multa no valor de R$ 5.320,50 (cinco mil, trezentos e vinte reais e cinquenta centavos) a R$ 106.410,00 (cento e seis mil, quatrocentos e dez reais), sem prejuízo de outras sanções de caráter constitucional, administrativo ou disciplinar fixadas pelas demais leis vigentes (Lei nº 9.504/1997, art. 73, § 4º, c.c. o art. 78).

 

Para a estipulação do quantum de multa, necessária a ponderação dos elementos constantes nos autos, à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Assim, ausentes elementos que demonstrem alta gravidade na ação, assim como no resultado, julgo razoável e proporcional a estipulação da multa no seu patamar mínimo (R$ 5.320,50).

À vista dessas considerações, entendo que a decisão de primeiro grau deve ser reformada em parte, para considerar a prática da conduta vedada prevista no inc. IV do art. 73 da Lei n. 9.504/97 pelo recorrido e condená-lo ao pagamento de multa no valor de R$ 5.320,50, nos termos do § 4º do art. 73 da Lei n. 9.504/97, c/c o § 4º do art. 83 da Resolução TSE n. 23.610/19.

 

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para condenar o recorrido, DARI DA SILVA, ao pagamento de multa no valor de R$ 5.320,50 pela prática da conduta vedada prevista no art. 73, inc. IV, da Lei n. 9.504/97.