REl - 0600272-27.2020.6.21.0041 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/05/2021 às 14:00

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo. Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, dele conheço.

Mérito

Trata-se de Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE, com pedido incidental de tutela de urgência, proposta pela coligação recorrente contra Carlos Alberto da Cunha Flores, por veiculação, em perfil pessoal no Facebook, de postagens alegadamente ofensivas ao candidato a prefeito de Santa Maria, Sérgio Cechin.

Em decisão proferida, o Juízo da 135ª Zona Eleitoral não conheceu da ação, indeferindo a petição inicial, por entender inadequada a propositura de AIJE, uma vez que não caracterizados, no caso, a prática de abuso de poder ou o uso indevido de meio de comunicação (internet).

Adianto que a sentença não merece reforma.

Por elucidativa e bem fundamentada, transcrevo a decisão lançada pelo magistrado a quo:

(...)

Trata-se de Ação de Investigação Judicial Eleitoral por Propaganda Irregular na Internet, com pedido de tutela de urgência incidental, proposta pela coligação SANTA MARIA AGORA SIM em face de CARLOS ALBERTO DA CUNHA FLORES, vulgo KALU, militante do PCdoB e TODOS OS COMPARTILHAMENTOS decorrentes da postagem do representado na rede social Facebook, por violação ao art. 27, §1º, da Resolução TSE nº 23.610/19.

Afirma na inicial que a publicação que está sendo divulgada é totalmente inverídica, na qual ataca a imagem do candidato Sergio Cechin com falas antigas e descontextualizadas do senador Heinz e do presidente Bolsonaro, o que vem a comprometer a lisura do pleito.

Aduz que as publicações falsas constam em perfil inexistente na comunidade e por tal motivo evidencia claro risco de dano, uma vez que ataca os candidatos do MDB, compartilha pesquisa falsa, etc. Apresentou URL da postagem no perfil pessoal e juntou prints de tela de mensagens na aplicação WhatsApp, bem como vídeos aleatórios, sem qualquer correlação com os fatos.

Pugna, ainda, em tutela de urgência incidental, a remoção do perfil e dos compartilhamentos, além da cominação de multa.

É o relatório.

Motivo.

A inicial não atrai conhecimento, em face da inadequação da via eleita.

Com efeito, a ação de investigação judicial eleitoral (AIJE), prevista no artigo 22 da Lei Complementar nº 64, tem por objetivo apurar o uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou, ainda, a utilização indevida dos meios de comunicação social em benefício de candidato ou de partido político, tendo como consequência a cassação do registro ou diploma e a declaração de inelegibilidade - o que, evidentemente, não é o caso.

A publicação questionada, mesmo sem adentrar no exame do conteúdo, por si só, não se enquadra em qualquer das hipóteses acima previstas, pois, ainda que se possa considerar divulgação de fato alegadamente inverídico (fake news) como uso indevido de meio de comunicação (internet), uma publicação com poucas visualizações e compartilhamentos não configura situação apta a ensejar o manejo de tal espécie de ação, que exige, como pressuposto de admissibilidade, conduta hábil a desequilibrar o pleito eleitoral, atingindo gama considerável de pessoas.

No caso, trata-se de mera manifestação do livre pensamento de uma pessoa, sem prova pré-constituída de eventual conexão com o candidato adverso, restrita a poucos seguidores, não caracterizando mal uso da mídia eletrônica sugerido na inicial, conforme entendimento assentado no julgamento da AIJE nº 060186221/DF, julgada em 19 de setembro de 2019, pelo TSE.

Ademais, vale considerar o exato texto do art. 27 da Resolução TSE nº 23.610/2019, fundamento apresentado pelo representante para remoção do conteúdo, senão vejamos:

Art. 27. É permitida a propaganda eleitoral na internet a partir do dia 16 de agosto do ano da eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 57- A). (Vide, para as Eleições de 2020, art. 11, inciso II, da Resolução nº 23.624/2020)

§ 1º A livre manifestação do pensamento do eleitor identificado ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem de candidatos, partidos ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos.

A ofensa com potencial para afastar a proteção constitucional da livre manifestação do pensamento deve ser grave, ausente violação a direito do representante exclusivamente com base nos elementos constantes dos autos. Isso porque a liberdade de expressão não abarca somente as opiniões inofensivas ou favoráveis, mas também aquelas que possam causar transtorno ou inquietar pessoas, pois a democracia se assenta no pluralismo de ideias e pensamentos (ADI no 4439/DF, rel. Min. Roberto Barroso, rel. p/ ac. Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, DJe de 21.6.2018).

Nesse sentido, acrescenta Aline Osório, em obra doutrinária, que a liberdade de expressão no campo político-eleitoral abrange não só manifestações, opiniões e ideias majoritárias, socialmente aceitas, elogiosas, concordantes ou neutras, mas também aquelas minoritárias, contrárias às crenças estabelecidas, discordantes, críticas, incômodas, ofensivas ou negativas. E isso ainda quando forem proferidas em tom feroz, exaltado ou emocionado (OSORIO, Aline. Direito Eleitoral e Liberdade de Expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 161).

Nesse sentido, a atuação da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos divulgados na Internet por cidadãos deve ser realizada com a menor interferência possível para assegurar a liberdade de expressão, tal como dispõe o art. 38 da Resolução TSE nº 23.610/2019:

Art. 38. A atuação da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático (Lei nº 9.504/1997, art. 57-J).

§ 1º Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, as ordens judiciais de remoção de conteúdo divulgado na internet serão limitadas às hipóteses em que, mediante decisão fundamentada, sejam constatadas violações às regras eleitorais ou ofensas a direitos de pessoas que participam do processo eleitoral.

Assim, sob a ótica cognitiva de análise horizontal ou sumária da controvérsia, não se extrai da publicação combatida ofensa à honra ou à imagem dos representantes. Ainda nessa ótica, a publicação do eleitor pode ser lida como mera manifestação de seu ponto de vista, inclusive não se tratando de notícia, uma vez que tal publicação encontra-se em um perfil de usuário, alcançada, por menos de duzentas pessoas, o que não representa 0,1 % do eleitorado local. Outrossim, não há a comprovação dos argumentos dos representantes de que o perfil esteja atacando a Coligação PP e compartilhando pesquisa falsa e etc.

Pelo exposto, não conheço da presente ação de investigação judicial eleitoral.

(…)

 

A finalidade precípua da AIJE é apurar o uso indevido, o desvio ou o abuso do poder nos seus espectros econômico e político (ou emanado de autoridade), bem como a utilização imprópria de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou partido político, ilícitos que podem levar à declaração de inelegibilidade, pelo período de 8 (oito) anos, de todos os agentes que contribuíram para a sua prática, e à cassação do registro ou diploma do candidato beneficiado, como disciplinam o art. 14, § 9º, da Constituição Federal e o art. 22, incs. XIV e XVI, da LC n. 64/90, com a redação que lhe foi dada pela LC n. 135/10.

Nas hipóteses de abuso de poder político e econômico, a atividade jurisdicional deve ser orientada pelos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade para que se possa impor, ao candidato beneficiado, a gravosa penalidade de cassação do seu registro, diploma ou mandato eletivo e a penalidade de declaração de inelegibilidade àqueles que se envolveram nas práticas ilícitas.

Importante verificar que o bem jurídico tutelado é a isonomia entre os concorrentes ao pleito.

In casu, a recorrente alega a publicação no Facebook de conteúdo inverídico e descontextualizado, em clara afronta ao § 1º do art. 27 da Resolução TSE n. 23.610/19.

Da análise dos autos, não verifico que a conduta supracitada configure modalidade de abuso de poder ou uso indevido de meio de comunicação social capazes de tencionar a instauração de AIJE.

Ademais, analisando-se a gravidade da conduta, esta consiste em mera divulgação de vídeo em perfil pessoal de eleitor no Facebook e, por isso, não há como reconhecer irregularidade que justifique a propositura da ação prevista no art. 22 da LC n. 64/90.

Nesse sentido, também, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral:

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2018. PRESIDENTE E VICE–PRESIDENTE DA REPÚBLICA. USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. PROVAS. DEPOIMENTO PESSOAL. PROVA TESTEMUNHAL. PRELIMINARES. REJEIÇÃO. MÍDIA IMPRESSA E ELETRÔNICA. INICIATIVA DO LEITOR. LIBERDADES DE EXPRESSÃO E DE IMPRENSA. INTERESSES JORNALÍSTICOS. IMPROCEDÊNCIA.

[...]

6. O legislador de 2010, com a edição da Lei Complementar n. 135, substituiu o critério da potencialidade lesiva pelo da gravidade, de forma que as infrações menos graves devem ser sancionadas no âmbito das representações eleitorais.

7. A sanção de inelegibilidade possui natureza personalíssima, a exigir prova de participação ou de anuência na prática ilícita.

8. Consoante as diretrizes estabelecidas pelo Tribunal Superior Eleitoral, fatos ocorridos na mídia impressa e eletrônica (internet) possuem alcance inegavelmente menor em relação ao rádio e à televisão, tendo em vista que, nesses casos, a busca pela informação fica na dependência direta da vontade e da iniciativa do próprio eleitor.

9. Apenas os casos que extrapolem o uso normal das ferramentas virtuais é que podem configurar o uso indevido dos meios de comunicação social, sem prejuízo da apuração de eventual propaganda irregular, que possui limites legais distintos da conduta prevista no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90. Precedentes.

10. Para se caracterizar o abuso de poder, impõe–se a comprovação, de forma segura, da gravidade dos fatos imputados, demonstrada a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (aspecto quantitativo). A mensuração dos reflexos eleitorais da conduta, não obstante deva continuar a ser ponderada pelo julgador, não constitui mais fator determinante para a ocorrência do abuso de poder, agora revelado, substancialmente, pelo desvalor do comportamento.

11. O abuso do poder econômico, por sua vez, caracteriza–se pelo emprego desproporcional de recursos patrimoniais (públicos ou privados), com gravidade suficiente para afetar o equilíbrio entre os candidatos e macular a legitimidade da disputa.

12. À luz do princípio da reserva legal proporcional, nem todo ato ilícito reconhecido por esta Justiça especializada será necessariamente abusivo e, por conseguinte, apenado com inelegibilidade e cassação do registro, do mandato ou do diploma, sendo cabível impor sanções outras, a exemplo de suspensão imediata da conduta, direito de resposta e multa.

13. Não cabe ao Poder Judiciário interferir na linha editorial para direcionar a pauta dos meios de comunicação, porquanto prevalece no Estado Democrático e Constitucional de Direito, à luz o art. 220 da Constituição Federal, maior deferência à liberdade de expressão, alcançada pela independência jornalística.

14. Conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF), a "liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e compreende não somente as informações consideradas como inofensivas, indiferentes ou favoráveis, mas também as que possam causar transtornos, resistência, inquietar pessoas, pois a Democracia somente existe baseada na consagração do pluralismo de ideias e pensamentos políticos, filosóficos, religiosos e da tolerância de opiniões e do espírito aberto ao diálogo" (ADI 4439/DF, relator Ministro Luís Roberto Barroso, redator para o acórdão Ministro Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, DJe de 21.6.2018).

15. Ação de Investigação Judicial Eleitoral que, rejeitadas as preliminares, julga–se improcedente.

(Grifei.)

(Ação de Investigação Judicial Eleitoral nº 060186221, Acórdão, Relator Min. Og Fernandes, Relator designado Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 227, Data: 26.11.2019.)

 

Como bem pontuado pela Procuradoria Regional Eleitoral, “da mesma forma, não é possível pretender a aplicação do rito e das sanções previstas para os atos de abuso de poder em relação à possível veiculação de ofensa na internet”.

De igual sorte, não vislumbro na publicação questionada afirmações que expressem falsidades evidentes, perceptíveis de plano, ou mesmo que possam indicar ofensa à honra ou à imagem da recorrente ou de seus candidatos. Não há, ao meu sentir, nenhum elemento que denote suposto excesso a ser apurado por esta Justiça Especializada.

Dentro desse contexto, ponderando os valores constitucionais envolvidos, não se deve, em regra, suprimir o direito à livre manifestação do eleitor.

À vista dessas considerações, não havendo no ato impugnado conduta que caracterize abuso de poder com lesão à legitimidade e à normalidade do pleito de Santa Maria, a decisão do juízo singular deve ser mantida.

 

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo sentença de 1º grau por seus próprios fundamentos.