REl - 0600456-22.2020.6.21.0028 - Voto Vista - Sessão: 20/05/2021 às 10:00

VOTO-VISTA

Trago a julgamento o voto-vista, nos autos do recurso interposto por DOUGLAS FARINA, contra a sentença da Zona Eleitoral de Ibiraiaras/RS que desaprovou suas contas devido ao recebimento de doação de R$ 700,00, realizada por beneficiário do Auxílio Emergencial do Governo Federal (COVID19), concluindo que o valor se caracteriza como recurso de origem não identificada por existência de indícios de ausência de capacidade financeira do doador, o Sr. Evandro Antonio Dezan, e determinou o recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional.

O julgamento foi iniciado em 11.5.2021, tendo sido adiado após a manifestação oral do nobre Procurador Regional Eleitoral no sentido de que a sentença merece ser mantida pelos seguintes fundamentos: a) por se tratar de eleição municipal ocorrida em pequena localidade do interior, tendo o candidato recebido doações de apenas 2 pessoas, a evidenciar que certamente conhecia o doador e a circunstância de que ele era beneficiário do Auxílio Emergencial decorrente da pandemia; b) em processos análogos, teria também sido constatado que beneficiários do Auxílio Emergencial repassaram para campanhas valores idênticos ao dos autos, sendo recorrentes as doações de R$ 700,00 em casos como o que ora se examina.

Na sessão de 12.5.2021, o ilustre relator, Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, votou pelo parcial provimento do recurso para aprovar com ressalvas as contas e manter o recolhimento da doação ao erário, apontando que não deveria ser aplicado o entendimento jurisprudencial de que a irregularidade quanto à capacidade financeira do doador deve ser apurada em ação própria, e não em sede de prestação de contas, pois, “de fato é contraditório que um cidadão beneficiário de um Auxílio Emergencial destinado à alimentação, tenha capacidade de realizar doação para campanha eleitoral no valor de R$ 700,00, valor que aliás é superior ao benefício mensal que alcança R$ 600,00 mensais”.

O voto condutor ponderou, também, que o candidato utilizou recursos próprios de R$ 1.160,00, em valor próximo do teto de autofinanciamento, e que, após “atingir o limite para utilização de recursos próprios, o candidato foi beneficiário de 02 doações”, “sendo que um deles doou o valor de R$ 700,00, mesmo usufruindo Auxílio Emergencial do Governo Federal (COVID19)”. Por esses motivos, conclui que “certamente existe uma relação entre o doador e o candidato, o que aliás nunca foi negado pelo prestador das contas” e que “o prestador teve diversas oportunidades de colacionar provas de modo a demonstrar que a condição financeira do doador era compatível com a doação efetuada, conferindo idoneidade à transação”.

Pois bem, considero que o tema demanda reflexão, a partir da análise de três pontos específicos.

A primeira questão relevante para o enfrentamento da matéria refere-se à existência de jurisprudência no âmbito deste Tribunal, a qual segue a linha de diversos Tribunais Eleitorais do país e também do TSE, no sentido de que a desaprovação das contas de candidatos e partidos políticos não pode se dar por presunção de indícios de incapacidade financeira dos doadores.

Esse entendimento, adotado em eleições passadas nos casos em que foi identificado que o repasse de recursos para campanhas foi realizado por pessoa física inscrita no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), ou beneficiária do Bolsa-Família, parte do raciocínio que “Eventual fraude no recebimento de verbas sociais pelos doadores deve ser apurada na esfera competente, sem repercussão na análise da regularidade das contas”. Veja-se, nesse sentido, os seguintes precedentes deste TRE e do TSE:

Recurso. Prestação de contas. Candidato. Arrecadação e gastos de recursos em campanha eleitoral. Resolução TSE n. 23.463/15. Eleições 2016. Recebimento de recursos de beneficiários do programa "Bolsa Família" e utilização de recursos próprios considerados, pelo magistrado de piso, incompatíveis com os rendimentos do candidato. Desaprovação na origem. Preliminar de nulidade da sentença afastada. Prestação apresentada de acordo com o rito simplificado, previsto no art. 28. § 9º, da Lei n. 9.504/97. Não providenciado, pelo julgador originário, a diligência estampada no art. 2º, § 2º, da Instrução Normativa TSE n. 18/16, que permite ao juiz a requisição de informações a candidatos, partidos políticos, doadores, fornecedores e a terceiros, quando existentes indícios de irregularidades na campanha eleitoral. Juntada de farta documentação em grau recursal. Não identificada irregularidade atribuída ao prestador de contas, é possível apreciá-las, sem necessidade de conversão do rito em ordinário ou a realização de novas diligências. Parecer técnico pela aprovação das contas e manifestação ministerial de piso pela aprovação com ressalvas. Demonstrado que as doações estão discriminadas como ¿receitas estimáveis em dinheiro", decorrentes da cessão de bens móveis. Emissão dos recibos eleitorais e dos respectivos instrumentos de cessão, bem como comprovadas as suas propriedades por meio dos certificados de registro e licenciamento de veículo. Atendidos os requisitos do art. 18, inc. II, da Resolução TSE n. 23.463/15. Eventual fraude no recebimento de verbas sociais pelos doadores deve ser apurada na esfera competente, sem repercussão na análise da regularidade das contas ora em apreciação. Ausentes elementos nos autos a demonstrar falta de capacidade econômica do candidato prestador, não se pode presumir que os recursos próprios utilizados são incompatíveis com os respectivos rendimentos. Aprovação das contas. Provimento.

(TRE-RS, RE 26748 - Taquari/RS, Rel. Des. Carlos Cini Marchionatti, DEJERS 20.02.2017.) - Grifei.

 

RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. CONTAS DE CAMPANHA. INDÍCIOS DE ILEGALIDADES A SEREM INVESTIGADOS EM PROCEDIMENTO PRÓPRIO. ART. 92 DA RES.-TSE 23.463/2015. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO.

1. Autos recebidos no gabinete em 2/8/2017.

2. A teor do art. 92, parágrafo único, da Res.-TSE 23.463/2015, "a autoridade judicial responsável pela análise das contas, ao verificar a presença de indícios de irregularidades que possam configurar ilícitos, remeterá as respectivas informações e documentos aos órgãos competentes para apuração de eventuais crimes

(Lei nº 9.096/1995, art. 35; e Código de Processo Penal, art. 40)". Precedente: PC 976-13/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, sessão de 10/12/2014.

3. Na espécie, sob ponto de vista contábil, não houve falhas que comprometessem a fiscalização pela Justiça Eleitoral. A Corte a quo reconheceu de modo expresso que todas as doações de campanha percebidas pelos candidatos a prefeito e vice-prefeito de Orobó/PE nas Eleições 2016 foram devidamente contabilizadas.

4. Assim, eventuais indícios de irregularidades quanto a doações de pessoas físicas - por suspeita de que determinados valores seriam em tese incompatíveis com suas rendas - devem ser aferidos em sede própria.

5. Determinação de encaminhamento de cópia dos autos ao Ministério Público Eleitoral, à Polícia Federal, à Receita Federal do Brasil, ao Tribunal de Contas da União e ao Ministério do Desenvolvimento Social para apurar prática de ilícitos eleitorais, penais, administrativos e tributários.

6. Recurso especial provido para aprovar com ressalvas as contas dos recorrentes.

(TSE, RESPE: 1443820166170096 Orobó/PE 51882017, Rel. Min. Antonio Herman De Vasconcellos E Benjamin, DJE 03.10.2017.) - Grifei.

 

A segunda questão a ser considerada diz respeito à identificação de que as doações para campanha realizadas por pessoas de baixa renda, beneficiárias do Auxílio Emergencial oferecido pelo Governo Federal em razão da pandemia causada pelo novo coronavírus, constituem matéria relativamente nova neste Corte, que até o momento somente foi analisada nos autos do processo RE 0600115-40.2020.6.21.0078, da relatoria do Exmo. Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado na sessão de 22.4.2021:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. ELEIÇÕES 2020. DESAPROVAÇÃO. RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. DOAÇÃO DE CAMPANHA. CAPACIDADE ECONÔMICA DO DOADOR NÃO COMPROVADA. INSCRIÇÃO EM PROGRAMA SOCIAL DO GOVERNO. BENEFICIÁRIO DE Auxílio Emergencial. PANDEMIA DE CORONAVÍRUS. EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE AFINIDADE COM O CANDIDATO. APTIDÃO FINANCEIRA NÃO DEMONSTRADA. CARACTERIZADO O RECURSO COMO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. INAPLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DE RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. INDÍCIOS DE MÁ-FÉ. ENCAMINHAMENTO DA DECISÃO AO MINISTÉRIO PÚBLICO E À CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. APURAÇÃO DE EVENTUAL FRAUDE. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou a contabilidade de candidato relativa às eleições municipais de 2020, com fundamento na ausência de comprovação da capacidade econômica de doador inscrito em programa social do Governo Federal, e, por consequência, condenou o candidato a recolher ao Tesouro Nacional o valor equivalente à doação auferida, sob o entendimento de estar caracterizado o aporte de recursos de origem não identificada.

2. O órgão técnico de análise, mediante integração do SPCE e da base de dados do CADÚNICO, apurou o recebimento direto de doação financeira realizada por pessoa física inscrita em programas sociais do Governo Federal, beneficiária do Auxílio Emergencial. Disponibilização ainda, pela mesma doadora, de automóvel para uso em campanha, conforme Termo de Cessão de Bem Móvel acostado aos autos.

3. Verificado que tanto a doadora quanto o candidato declaram residir no mesmo endereço, evidenciando a existência de relação de afinidade ou, quando menos, de familiares coabitantes, a permitir o seguro entendimento do engajamento econômico na campanha, inviabilizando a hipótese de que o candidato desconhecia a condição econômica e a qualidade de beneficiária do Auxílio Emergencial da doadora. Dessa forma, as declarações na prestação de contas carecem de sinceridade e estão divorciadas da boa-fé, da moralidade e da probidade. Tais princípios informam o direito eleitoral e requerem que com eles esteja comprometido o candidato a cargo eletivo, em nome da dignidade do mandato público que visa obter.

4. Os valores advindos da doadora, entre contribuições financeiras e cessão de bens estimáveis em dinheiro, representam cerca de 90,16% da arrecadação de campanha. Houvessem as contribuições recebidas sido declaradas como advindas de patrimônio do candidato, estaria configurado o excesso de gastos com recursos próprios.

5. O prestador não cumpriu a contento o seu dever de informação e transparência na apresentação das contas, deixando de prestar esclarecimentos idôneos acerca da situação financeira da doadora, aptos a ilidir a presunção de hipossuficiência econômica gerada pela inscrição no programa de Auxílio Emergencial da pandemia de coronavírus. Havendo fundada dúvida, não solvida pelo candidato, sobre a aptidão financeira da doadora e, consequentemente, sobre a origem dos recursos recebidos em doação, impõe-se a caracterização da verba como recursos de origem não identificada e o dever de recolhimento do valor correspondente ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32, caput e § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

6. Apesar de a irregularidade em debate ostentar um valor absoluto reduzido, inclusive inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, a jurisprudência do TSE não admite a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade nos processos de prestação de contas quando, a despeito da irrelevância percentual ou nominal dos valores envolvidos, forem constatados indícios de má-fé do prestador das contas e houver o comprometimento da fiscalização exercida pela Justiça Eleitoral.

7. Provimento negado. Recolhimento do montante de R$ 1.000,00 ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 060011540, Acórdão de 20.04.2021, Rel. Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Publicação: Processo Judicial Eletrônico-PJE.) - Grifei

 

A terceira e última questão que trago para reflexão é a de que o julgamento paradigmático ocorrido no Recurso Eleitoral n. 060011540, da relatoria do Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, não representou uma alteração do entendimento que vem sendo adotado nesta Corte até o momento, no sentido da impossibilidade de exigir-se do candidato ou do partido o conhecimento de que eventual doador integra programa social do Governo.

É cediço que a doação eleitoral realizada por pessoa física sem capacidade econômica pode configurar captação de recursos de origem não identificada, apta a caracterizar o ilícito inscrito no art. 30-A da Lei n. 9.504/97, além da possibilidade de ser enquadrada como ilícito penal (TSE, RESPE 00017955020166260001, Rel. Min. Edson Fachin, DJE 25/08/2020).

Partindo dessa premissa, e da circunstância de que o contraditório em processos de prestação de contas é bastante limitado, por se tratar de procedimento com rito sumaríssimo e prazos extremamente reduzidos, sequer comportando todas as possibilidades de dilação probatória previstas na legislação processual, formou-se o entendimento de que o mero indício de incapacidade financeira do doador, sem prova suficiente que desabone a origem da doação, poderia configurar ressalva nas contas, mas não a desaprovação ou o dever de recolhimento do valor.

Todavia, é preciso ter presente que a análise da irregularidade é casuística, devendo ser examinados, em cada processo, os elementos de prova trazidos nas contas.

Tanto é assim que, no acórdão do Recurso Eleitoral n. 26748, da relatoria do Des. Carlos Cini Marchionatti, foi consignada a ausência de elementos probatórios para comprovar a irregularidade da doação, enquanto no acórdão do Recurso Eleitoral n. 060011540, da relatoria do Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, foram levantadas circunstâncias específicas que culminaram com a conclusão de caracterização da doação como de origem não identificada.

Isso porque, da prova contida nos autos do Recurso Eleitoral n. 060011540, que tratou de doação de uma única e exclusiva contribuinte na campanha, no valor de R$ 1.000,00 – e não de R$ 700,00, que é a quantia apurada neste processo –, foi constatado, entre outras questões, que “a doadora e o candidato residem no mesmo endereço, evidenciando a existência de relação de afinidade ou, quando menos, o fato de serem familiares coabitantes, inviabilizando a hipótese de que o candidato desconhecia a condição econômica e a qualidade de beneficiária do Auxílio Emergencial da doadora”, até porque a mesma doadora também cedeu o automóvel próprio para uso naquela campanha eleitoral.

Nesse cenário, a conclusão alcançada no precedente mais recente – Recurso Eleitoral n. 060011540 – não representou modificação da diretriz adotada neste Tribunal, mas apenas uma interpretação da norma legal diante da análise casuística do processo.

Entendo que a conclusão sobre o candidato conhecer ou não a capacidade financeira do doador deve partir da análise caso a caso, e não do número de doações ou de eleitores do município no qual concorreu, de modo que para municípios pequenos do interior não haja uma responsabilidade objetiva de devolução ao erário para todos os candidatos que receberam doações procedentes de pessoas que integram programas sociais do Governo Federal.

Veja-se que a irregularidade pode eventualmente ocorrer em contas de campanhas de candidatos em municípios com eleitorado expressivo, com arrecadação de volume extenso de doadores, ocasião em que também deverá ser analisada a prova coligida, sem simplesmente se presumir como certo o desconhecimento do candidato sobre a capacidade financeira do doador por ter recebido, por exemplo, muitas doações, ou ter como colégio eleitoral a capital do Estado.

Deve haver outros elementos de convicção para que se forme com segurança o raciocínio de que o candidato conhecia, ou desconhecia, a incapacidade financeira do doador, a ponto de caracterizar o recurso como sendo de origem não identificada, além da presunção de que soubesse da situação econômica tão somente por morarem na mesma cidade e em razão do baixo número de doações recebidas.

Até porque a circunstância de que o doador recebeu o Auxílio Emergencial decorrente da pandemia não pode ser considerada como prova concreta e irrefutável de sua incapacidade financeira.

É fato público e notório que, até o momento, o estado com maior número de inquéritos apurando fraudes no Auxílio Emergencial é o Rio Grande do Sul, o qual registrou 245 investigações instauradas, conforme amplamente divulgado pela imprensa (<https://noticias.r7.com/economia/em-um-ano-pf-abre-931-inqueritos-sobre-fraude-do-auxilio-15052021> e <https://www.correiodopovo.com.br/not%C3%Adcias/pol%C3%Adcia/em-um-ano-pol%C3%Adcia-federal-abre-931-inqu%C3%A9ritos-sobre-fraude-do-aux%C3%Adlio-1.620140>).

Há centenas de casos sendo investigados pela força-tarefa chamada Estratégia Integrada de Atuação contra as Fraudes ao Auxílio Emergencial, da qual participam a Polícia Federal, o Ministério Público Federal, o Ministério da Cidadania, a Caixa, a Receita Federal, a Controladoria-Geral da União e o Tribunal de Contas da União, em que o Ministério da Cidadania é responsável por receber e tratar denúncias, repassando as informações para a ação dos demais órgãos no combate aos crimes relacionados aos pagamentos do benefício.

No Rio Grande do Sul, figuram entre os investigados agentes políticos, servidores públicos, profissionais liberais e empresários que recebiam o benefício destinado a autônomos ou desempregados, praticando em tese os crimes de furto mediante fraude e estelionato (<https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2020/10/01/rs-tem-mais-de-170-casos-de-fraudes-ao-auxilio-emergencial-em-investigacao-diz-pf.ghtml>).

Foi recentemente divulgado que o Governo do RS pode demitir servidores que receberam o Auxílio Emergencial de forma irregular, tendo sido apurado que mais de 3,5 mil pessoas incluídas na folha de pagamento do Executivo receberam o benefício destinado a combater as consequências socioeconômicas da pandemia (<https://gauchazh.clicrbs.com.br/politica/noticia/2020/10/governo-do-rs-pode-demitir-servidores-que-receberam-auxilio-emergencial-de-forma-irregular-ckfqw1azg0026016vrvtiblrs.html>).

A própria Receita Federal do Brasil noticiou que os beneficiários do Auxílio Emergencial em 2020 que figuram, como titulares ou dependentes econômicos, em declarações do Imposto de Renda com rendimentos tributáveis em quantia acima de R$ 22.847,76, sem contar o auxílio, devem devolver o valor recebido a título de Auxílio Emergencial na Declaração de Imposto de Renda de 2021.

Assim, entendo que sequer é possível presumir como certo que o Auxílio Emergencial destinado ao doador do candidato foi licitamente recebido, sem que haja melhor apuração da sua efetiva capacidade financeira no momento averiguação, a ser realizada em procedimento próprio.

Na realidade, não é possível criar uma fórmula matemática que garanta a formação da convicção, e cada contexto provocará cuidadosa ponderação das circunstâncias de fato, merecendo do juiz tratamento particular. E também por esse motivo, a conclusão de um julgador nem sempre será a mesma de outro.

Por essas razões, pedi vista dos autos para melhor analisar o caso concreto e os apontamentos levantados pela Procuradoria Regional Eleitoral, a fim de verificar se a hipótese assemelha-se ao paradigma construído no Recurso Eleitoral n. 060011540.

Ressalto não ter identificado a similaridade de doações no valor de R$ 700,00 por pessoas que receberam o Auxílio Emergencial, apontada pelo órgão ministerial na sessão de 11.05.2021, pois, em breve levantamento realizado em meu gabinete, verifiquei que essa temática está presente em outros processos, envolvendo valores diversificados.

Quanto às razões de reforma, o candidato sustenta, em seu recurso, que “seria humanamente impossível ao candidato em meio ao pleito verificar e saber da situação financeira de quem lhe doar” e que, se houve irregularidade, a responsabilidade seria do doador, não podendo ser a ele imputada.

Por certo é um tanto exagerada a alegação de que era impossível ao candidato verificar a capacidade financeira dos doadores, pois houve apenas duas doações na sua campanha.

Contudo, também não há como presumir, de forma generalizada e sem associação a outros elementos de prova e uma melhor apuração, que, simplesmente por se tratar de eleição municipal ocorrida em pequeno município do interior - in casu, a cidade de Ibiraiaras, com 5.291 eleitores -, o candidato conhecia a circunstância de que o doador era beneficiário do Auxílio Emergencial.

Não se olvida que é obrigação de partidos e candidatos, em prol de um processo eleitoral hígido e democrático, certificarem-se acerca da real origem dos recursos arrecadados para a campanha. Todavia, considerando que não há previsão legal impondo ao prestador a verificação da regularidade financeira do doador, não vejo como deduzir que, tão somente pelo número de doadores ou pelo tamanho do colégio eleitoral – se município com poucos ou muitos eleitores – é certeira e indiscutível a certeza inequívoca de que o prestador conhecia o fato de que o doador era beneficiário do Auxílio Emergencial, do Bolsa-Família, ou estava desempregado.

Também considero que o pequeno número de doadores não é, por si só, prova incontroversa de que o candidato conhecia seus contribuintes, ainda mais diante da constatação de que o Município de Ibiraiaras teve 36 candidatos a vereador e 9 eleitos, e que, da consulta aos dados abertos disponíveis no Divulga Cand Contas do TSE, se observa não ter havido qualquer discrepância entre a campanha do recorrente e as demais.

Dos dados coletados de todos os candidatos de Ibiraiaras, percebe-se que, tanto os eleitos quanto os não eleitos, obtiveram receitas oriundas de 2 a 4 doadores, e que as duas doações apuradas neste processo estão dentro da média verificada no colégio eleitoral para os demais concorrentes.

Nesse contexto, da análise detida deste caso concreto, verifiquei que não há outros elementos de provas a apontar a ciência inequívoca do candidato sobre a eventual incapacidade financeira do doador além das circunstâncias de que houve apenas dois doadores na campanha e de que Ibiraiaras é um município pequeno, com apenas 5.291 eleitores.

Ademais, o fato de o candidato ter se aproximado do limite de autofinanciamento de campanha, ao aplicar recursos próprios na ordem de R$ 1.160,00, não milita em seu prejuízo nem desabona sua conduta, pois não houve nenhuma infringência legal nesse ponto.

Diferentemente do que ocorreu no processo REL 060011540, não houve demonstração de coabitação ou de que o candidato usufruiu da cessão estimável de automóvel pertencente ao doador que recebera Auxílio Emergencial, ou mínima demonstração de que havia qualquer vínculo entre ambos a amparar a tese de que a incapacidade financeira era conhecida.

Assim, o critério que proponho é o de que a determinação de recolhimento da doação recebida pelo beneficiário do Auxílio Emergencial, pela caracterização do recurso como procedente de origem não identificada diante da falta de confiabilidade da fonte em face da incapacidade financeira do doador, deve partir de uma convicção formada para além da dúvida razoável. A linha do respeitabilíssimo voto do eminente relator parte da presunção de que o doador teria direito ao auxílio emergencial. Mas, como acima visto, não há elementos de convencimento suficientes para assim concluir; pelo histórico suprarretratado, poder-se-ia presumir que o ilícito foi no recebimento de Auxílio Emergencial, ou seja, o doador não precisava de tais recursos. A partir daí, penso que não há contaminação imediata entre a eventual fraude no recebimento do auxilio emergencial e a doação, que pode ter sido feita com outros recursos próprios do doador.

Por óbvio, não estou isentando o doador de ter cometido fraude, seja no recebimento do auxílio sem a ele ter direito, seja, tendo tal direito, no uso desse auxílio para doação – e é essa última hipótese que interessaria à Justiça Eleitoral; mas o questionamento é que, para impor ao candidato o ônus de provar a capacidade financeira do doador, antes, como premissa lógica, deve-se ter por certo que ele, doador, tinha direito ao auxílio emergencial, hipótese que, pela triste realidade dos dados acima colacionados, não pode ser tida como inquestionável.

Tanto no julgado recente da relatoria do eminente Des. Eleitoral Silvio Ronaldo quanto no presente, transita-se pela prova indiciária e não se desconhece que dita prova tem relevância e suporta juízos reprovativos, já tendo o STF decidido que “indícios e presunções, analisados à luz do princípio do livre convencimento, quando fortes, seguros, indutivos e não contrariados por contra indícios ou por prova direta, podem autorizar o juízo de culpa do agente” (AP 481, Relator: Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 08.09.2011).

Por definição legal, “Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias” (Código de Processo Penal, art. 239).

Mesmo na prova indiciária há gradações, pois nem todo o indício será suficiente para sustentar a conclusão da existência e veracidade do fato. O indício a que aqui dou relevo tem de apresentar atributos de gravidade e estar em consonância com os demais elementos dos autos. Casos há em que os indícios, por sua veemência, podem levar à reprovação das contas, outros em que se situarão no intermédio de aprovação com ressalvas mas com recolhimentos ao erário, outros ainda em que poderá haver ressalva sem recolhimento e, finalmente, uma quarta categoria de indícios, tão insuficientes, que não iriam além da mera alegação, de modo a não se recusar a aprovação, sem qualquer ressalva ou outra penalidade.

Diria que, em casos como o presente, a valoração passa pela equação que põe duas assertivas sob exame: do contexto probatório, ainda que indiciário, casos em que se poderá deduzir que o prestador não tinha como não saber e casos nos quais poderia o prestador não saber. A determinação de recolhimento do valor da doação impõe que, nesse cotejo, os dados permitam transitar pela primeira proposição.

Acentuo que o recolhimento ao Tesouro há de decorrer de um juízo de convencimento, mesmo no campo indiciário, de que o candidato sabia ou não tinha como não saber. É na prova de ciência e conivência do candidato, seja por omissão ou ação, que pode tal doação repercutir no âmbito e nos limites do interesse de prestação de contas. Se o doador recebeu o que não devia ter recebido, ou fez mau uso do que recebera, tais fatos, por si só, não atingem o donatário. E, no caso concreto, como já visto antes, tratar-se de município pequeno (mas ainda assim com quase seis mil eleitores) e ter havido duas doações (novamente referindo que, na espécie, dentro da média das doações de todos os candidatos, eleitos ou não) não é indício suficiente.

Em conclusão, e pedindo vênia pela extensão, indispensável ante a qualidade da erudição e dos fundamentos dos votos do eminente relator, não vejo aqui, ainda que nos moldes de prova indiciária, a robustez de convicção tal qual, com absoluta tranquilidade, encontrei no paradigma recente desta Corte.

Com esses fundamentos, com máximo respeito ao pensamento contrário, após muito refletir sobre a matéria posta em discussão, meu VOTO é pela divergência em parte, acompanhando a conclusão pelo provimento parcial do recurso para que as contas sejam aprovadas com ressalvas, diante dos indícios de que o recorrente poderia conhecer o fato de que um dos doadores de campanha era beneficiário do Auxílio Emergencial, mas afastando a determinação de recolhimento da quantia de R$ 700,00 ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.

Por fim, diante da formação da estratégia integrada para o combate a fraudes relacionadas ao recebimento do Auxílio Emergencial, proponho que seja determinado o encaminhamento de cópia dos autos ao Ministério Público Federal, nesta capital, para a apuração de eventual prática de ilícito criminal, e que seja autorizada ao Ministério Público Eleitoral a extração de cópia do feito para a investigação de ilícitos eleitorais.