REl - 0600456-22.2020.6.21.0028 - Voto Relator(a) - Sessão: 20/05/2021 às 10:00

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada com fundamento na ocorrência de doação incompatível com a renda do doador, o que configuraria o recebimento de recursos de origem não identificada.

Na sentença (ID 24028233), constaram os seguintes fundamentos:

Após intimado, o procurador do candidato juntou petição ID 74536117. Afirmou que os valores apontados como de origem não identificada tratavam-se de recursos próprios dos doadores e que não seria possível ao candidato saber da situação financeira deles. Ressaltou que o candidato agiu de boa fé, visto que o depósito teria ocorrido pelo arbítrio de vontade do próprio doador. Defendeu que o candidato agiu dentro na legalidade, pois os depósitos recebidos estariam dentro dos limites legais, e as doações se presumiriam, até prova em contrário, realizadas pelos doadores com seus próprios recursos. Aduziu que em nenhum momento o candidato teve a intenção de burlar as normas relativas à prestação de contas eleitoral e que todos os valores teriam sido registrados.

No caso em tela, constata-se que o candidato recebeu doação financeira, no valor de R$ 700,00, em 11/11/2020. Tal doação foi registrada, na prestação de contas, no CPF de Evandro Antonio Dezan. Ocorre que a pessoa física em questão é beneficiária do auxílio emergencial do governo federal (COVID19).

Em que pese a argumentação sustentada pelo procurador do candidato, entendo que a pessoa física, enquanto beneficiária de auxílio emergencial, necessita de tal complementação de renda para fins de suprir suas necessidades básicas, tais como alimentação, saúde, moradia. Nesse contexto, uma doação financeira para a campanha eleitoral do candidato em análise não condiz com a situação financeira do doador, ainda mais considerando que não foi trazido aos autos nenhum documento probatório que permita aferir a sua capacidade econômica.

Portanto, não foi possível identificar a origem do recurso, no valor de R$ 700,00, recebido em 11/11/2020, nos termos do art. 32, §1º, I, da Resolução TSE n. 23.607/2019. O art. 32 da citada resolução dispõe que os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União.

Portanto, as contas devem ser desaprovadas, e os recursos de origem não identificada recebidos pelo candidato devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32, §2º, da Resolução TSE n. 23.607/2019.

De fato, conforme se verifica no Parecer Conclusivo (ID 24028083), há identificação de doação na ordem de R$ 700,00, depositada na conta do candidato em 11.11.2020 por Evandro Antonio Dezan, cidadão que usufrui de programa social (Auxílio Emergencial).

Analisando o caso mais detidamente, de fato é contraditório que um cidadão beneficiário de auxílio emergencial destinado à alimentação tenha capacidade de realizar doação para campanha eleitoral no valor de R$ 700,00, valor que, aliás, é superior ao próprio benefício, que alcança R$ 600,00 mensais.

Sobre o tema, assim se pronunciou o Ilustre Procurador Regional Eleitoral (ID 27557683):

Não merece reforma a sentença, porque a condição de beneficiário do Auxílio Emergencial do Governo Federal, instituído pela Lei 13.982/2020 para fazer frente à redução da renda dos mais carentes decorrente do COVID-19, evidencia ausência de capacidade financeira do doador. Trata-se, portanto, de valor recebido e utilizado pelo candidato, mas cuja procedência não restou revelada.

Ademais, cumpre observar que não foi trazido aos autos nenhum documento probatório que permita aferir a capacidade econômica do doador, o que corrobora a ausência de demonstração da origem dos recursos. Importante frisar que estamos diante de uma eleição municipal, em pequeno município do interior, em que o candidato recebeu apenas doações de 2 pessoas (IDs acostados junto ao ID 24027183), uma delas objeto do presente recurso. Em circunstâncias como a dos autos, o doador certamente é conhecido do candidato.

Sendo manifestamente ilegal a utilização de recursos de origem não identificada por partidos políticos e candidatos, não se mostra possível admitir, no âmbito do processo de prestação de contas, doação para campanha eleitoral feita por quem não possua capacidade econômica. Sendo assim, tem-se que esta Justiça Especializada não deve, na prestação de contas, deixar de fiscalizar a origem dos recursos financeiros, sobretudo quando presentes indícios de ausência de comprovação de sua origem.

Ademais, há que referir que o Col. TSE, ao julgar processo relativo às Eleições Gerais 2014, teve oportunidade de assentar que “A determinação de recolhimento aos cofres públicos do valor correspondente aos recursos recebidos pelo candidato de fonte vedada ou de origem não identificada, prevista no § 3º do art. 26 da Res.-TSE nº 23.406, atende aos princípios e às regras constitucionais que regem a prestação de contas, a transparência do financiamento eleitoral e a normalidade e legitimidade das eleições." (REspe nº 1224-43, rel. Min. Henrique Neves, DJE de 5.11.2015)

Outrossim, em outro aresto emanado do Col. TSE, também da lavra do eminente Relator Ministro Henrique Neves, colhe-se que “A prestação de contas - cuja obrigatoriedade está prevista no art. 17, III, da Constituição da República - pressupõe a perfeita identificação da origem de todas as doações recebidas pelo candidato, independentemente de elas serem realizadas em dinheiro, por meio da cessão de bens, produtos, serviços ou qualquer outra forma de entrada financeira ou econômica em favor das campanhas eleitorais”.grifou-se

Com efeito, a percepção de recursos de origem não identificada importa, a toda a evidência, em violação aos princípios da transparência, da moralidade e da razoabilidade, impedindo a efetiva fiscalização da prestação de contas.

Ademais, na hipótese do doador para a campanha ser efetivamente a pessoa declarada, então estaríamos diante de uma situação absurda, em que os escassos recursos públicos destinados a pessoas carentes em meio a uma pandemia estariam sendo desviados para a campanha eleitoral, podendo, em tese, se não preenchidos os requisitos legais, configurar o crime de estelionato contra a União.

Em ambos os casos, os recursos devem retornar aos cofres da União, não podendo a Justiça Eleitoral aprovar contas em que os recursos foram doados por “laranja” (recurso de origem não identificada) ou são oriundos de conduta ilícita.

Finalmente, seja pela gravidade do fato, seja porque a irregularidade representa 29,66% dos recursos declarados como recebidos, descabida a aprovação das contas com ressalvas.

Não desconheço que há jurisprudência no sentido de que eventual irregularidade quanto à capacidade financeira do doador deve ser apurada em representação própria, e não em sede de prestação de contas, que possui caráter eminentemente declaratório. Com esse entendimento, a jurisprudência desta Corte:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. ELEIÇÕES 2016. PRELIMINAR. DOCUMENTOS JUNTADOS COM O RECURSO. POSSIBILIDADE. MÉRITO. ALUGUEL DO COMITÊ ELEITORAL. OMISSÃO. SEDE LOCALIZADA EM CARCAÇA DE VEÍCULO. IMPROPRIEDADE FORMAL. CAPACIDADE FINANCEIRA. DOADOR. PROCEDIMENTO PRÓPRIO. REPRESENTAÇÃO POR DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Preliminar. A apresentação de novos documentos com o recurso, especialmente em sede de prestação de contas de campanha, não apresenta prejuízo à tramitação do processo, principalmente quando capazes de esclarecer irregularidades apontadas e que visam salvaguardar o interesse público na transparência da contabilidade de campanha. Conhecimento da documentação.

2. Mérito. 2.1. Ausência de registro de cedência ou aluguel do comitê eleitoral. Juntada de documento demonstrando a localização do referido comitê, o qual funcionou dentro de uma carroceria de ônibus. Razoável e verossímil a alegação de ausência do apontamento, na contabilidade, de aluguel de uma carcaça de veículo, revelando-se mera impropriedade, não justificando o severo juízo de desaprovação das contas. 2.2. Doações por pessoa cuja capacidade financeira seria incompatível com as arrecadações. Eventual ausência de condições econômicas do doador não pode ser atribuída ao candidato, sendo irregularidade a ser apurada em ação própria de doação acima do limite legal ajuizada contra o próprio doador. Apresentada prova nos autos capaz de demonstrar a capacidade econômica do doador. Aprovação com ressalvas. Parcial provimento.

(Prestação de Contas n 58112, ACÓRDÃO de 06.11.2017, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 200, Data 08.11.2017, Página 13.)

 

Entretanto, tenho que as peculiaridades do caso concreto demonstram que é necessário analisar o tema de forma sistemática e, no exercício da razoabilidade, compreender quais valores devem preponderar neste julgamento; e, na hipótese, devem prevalecer a moralidade e a transparência das contas, como sustentado pela douta Procuradoria Regional Eleitoral.

Observe-se, ademais, no ID 24027783 (Extrato de Prestação de Contas), que o candidato utilizou recursos próprios na ordem de R$ 1.160,00, praticamente alcançando o teto previsto no art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19. Curiosamente, após atingir o limite para utilização de recursos próprios, o candidato foi beneficiário de 02 doações na pequena cidade de Lagoa Vermelha, sendo que um deles doou o valor de R$ 700,00, mesmo usufruindo Auxílio Emergencial do Governo Federal (COVID19).

Os elementos constantes nos autos são suficientes ao estabelecimento de algumas premissas: a primeira delas é que certamente existe uma relação entre o doador e o candidato, o que aliás nunca foi negado pelo prestador das contas; a segunda, é que o prestador teve diversas oportunidades de colacionar provas de modo a demonstrar que a condição financeira do doador era compatível com a doação efetuada, conferindo idoneidade à transação.

Com essas observações, tenho que o tema merece exame probatório do caso concreto e, na presente prestação de contas, o candidato não se desincumbiu do ônus subjetivo da prova, mesmo após devidamente intimado a prestar esclarecimentos.

A falha apontada importa no valor total de R$ 700,00, o que representa 29,66% dos recursos declarados como recebidos, importância que deverá ser recolhida ao Tesouro Nacional.

Contudo, tenho que, que apesar de o percentual da irregularidade ser significativo frente ao somatório arrecadado (29,66%), o valor absoluto é reduzido e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Nessas hipóteses, cabível a incidência dos postulados da razoabilidade e proporcionalidade, na esteira do que constou na decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin, nos autos do RESPE n. 37447, em 13.06.2019:

Entendo que o limite percentual de 10% (dez por cento) adotado por este Tribunal Superior revela-se adequado e suficiente para limitar as hipóteses de incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de se harmonizar, contudo, a possibilidade de sobreposição dos critérios do valor diminuto e da aplicação dos princípios já citados. Em casos tais, deve prevalecer, até o limite aqui indicado, o critério de valor absoluto, aplicando-se o critério principiológico de forma subsidiária.

Assim, se o valor da irregularidade está dentro do máximo valor entendido como diminuto, é desnecessário aferir se é inferior a 10% (dez por cento) do total da arrecadação ou despesa, devendo se aplicar o critério do valor diminuto.

Apenas se superado o valor máximo absoluto considerado irrisório, aplicar-se-á o critério da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser considerado o valor total da irregularidade analisada, ou seja, não deve ser desconsiderada a quantia de 1.000 UFIRs alcançada pelo critério do valor diminuto.

 

Nessa linha, a jurisprudência tem afastado o severo juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da elevada equivalência relativa da falha frente ao conjunto das contas, o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10.

A ilustrar, destaco o seguinte julgado de minha relatoria, no qual o somatório das irregularidades alcançou a pequena cifra de R$ 694,90:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS; PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.07.2020.) (grifo nosso)

 

Transcrevo, ainda, ementa de decisão do Plenário do TSE:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator  Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data 29.09.2017.) (grifo nosso)

 

Destarte, tendo em vista que a irregularidade perfaz quantia inexpressiva, entendo pela aprovação das contas com ressalvas. Tal conclusão, cabe ressaltar, não afasta o dever de recolhimento ao erário, na forma do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de DOUGLAS FARINA, mantendo a condenação ao recolhimento ao Tesouro Nacional da importância de R$ 700,00.