REl - 0600411-93.2020.6.21.0100 - Voto Relator(a) - Sessão: 20/05/2021 às 10:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é regular e tempestivo, comportando conhecimento.
 

Mérito

As contas de DIRCEU MAZZUTTI, relativas ao pleito de 2020, no qual concorreu ao cargo de vereador no Município de Tapejara, foram desaprovadas pelo juízo da origem, em virtude de ter sido extrapolado em R$ 562,02 o limite de utilização de recursos próprios para o cargo em disputa, o qual, no referido município, correspondia a R$ 1.706,48 (10% de R$ 17.064,77, teto informado pelo Tribunal Superior Eleitoral no Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, com base nas eleições de 2016).

Por consequência, o RECORRENTE foi condenado ao pagamento da penalidade de multa de 30% da quantia em excesso (R$ 168,61), consoante prevê o art. 27, §§ 1º e 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

(...)

§ 3º O limite previsto no caput não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador ou à prestação de serviços próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 7º).

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990  (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º).

 

Segundo expressa dicção legal, a ressalva prevista no § 3º do art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19 aplica-se, exclusivamente, às doações efetuadas por pessoas físicas, disciplinadas no caput do mesmo dispositivo, que se encontram limitadas a 10% dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior ao da eleição, excepcionados os valores concernentes às doações estimáveis em dinheiro derivadas do uso de bens móveis ou imóveis de propriedade do próprio doador ou à prestação de serviços próprios, desde que não ultrapassem a quantia de R$ 40.000,00.

A exceção não foi, portanto, estendida às doações de recursos próprios do candidato à sua campanha, regulamentadas no § 1º do art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19, em consonância com o preceito geral de que as despesas estimáveis em dinheiro integram o cômputo dos limites de gastos para cada eleição, de acordo com o art. 5º, inc. III, do mesmo diploma legal:

Art. 5º Os limites de gastos para cada eleição compreendem os gastos realizados pelo candidato e os efetuados por partido político que possam ser individualizados, na forma do art. 20, II, desta Resolução, e incluirão:

(…)

III - as doações estimáveis em dinheiro recebidas.

 

Desse modo, devem ser contabilizadas, indistintamente, as receitas de natureza financeira e as estimáveis em dinheiro provenientes do patrimônio pessoal do candidato, para fins de controle da sua adequação ao patamar de até 10% do limite de gastos definido para o cargo almejado na disputa eleitoral.

Ao contrário da argumentação recursal, essa diretriz normativa prevalece, ainda que, por força do disposto no art. 7º, § 6º, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, seja facultativa a emissão de recibo eleitoral para a cessão de automóvel de propriedade do candidato, seu cônjuge e parentes até o terceiro grau, para uso pessoal durante a campanha, porquanto essa segunda regra diz respeito à dispensa de formalidade para a comprovação do gasto eleitoral, não se confundindo com o regramento atinente à limitação do seu quantitativo, voltada a assegurar efetividade ao princípio da igualdade de chances entre os concorrentes aos cargos eletivos.

Essa orientação, aliás, constou da resposta dada pela Seção de Auditoria Partidária e Eleitoral deste Tribunal (SEAPE/SAI/TRE-RS) à consulta realizada por escritório de advocacia, segundo noticiado com o recurso (ID 27731683).

A diretriz reflete, ainda, o posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral, firmado em pleitos anteriores quanto à contabilização das receitas financeiras e estimáveis em dinheiro, na verificação do atendimento aos limites de despesas definidos pela legislação, com o escopo de assegurar tratamento isonômico entre os candidatos, como bem asseverou a Procuradoria Regional Eleitoral ao reportar-se ao julgamento do RESPE n. 169-66, em acórdão cuja ementa transcrevo a seguir:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. CONTAS DE CAMPANHA DESAPROVADAS. EXTRAPOLAÇÃO DO LIMITE DE GASTOS. BENS ESTIMÁVEIS. FALHA GRAVE. MULTA. DESPROVIMENTO.

1.  Autos recebidos no gabinete em 25.8.2017.

2.  No caso, o TRE/SE julgou desaprovadas contas do agravante por exceder em R$ 1.805,12 o limite de gastos de campanha estipulado pelo TSE em R$ 10.803,91.

3.  É falha grave a atrair multa e rejeição do ajuste contábil ultrapassar em quase 18% o limite de gasto previsto no pedido de registro de candidatura, sem justificativas plausíveis para prática do ilícito, ainda que os valores em excesso se refiram a bens estimáveis em dinheiro. Precedentes.

4.  Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 16966, Relator(a) Min. Herman Benjamin, Publicação: DJE de 15.6.2018.) (Grifei.)

 

No tocante à penalidade de multa, fixada em 30% da quantia utilizada de forma excessiva (R$ 562,02), embora a diminuta expressividade nominal do seu valor (R$ 168,61) recomende ser redimensionada ao patamar de 50%, preservando-se, assim, em maior grau, o seu caráter sancionatório e pedagógico em face da gravidade da falha, eventual decisão deste Colegiado nesse sentido implicaria manifesta ofensa aos princípios do tantum devolutum quantum appellatum e da vedação à refomatio in pejus, uma vez ter sido aviado recurso exclusivamente pelo candidato, sem manifestação do órgão ministerial de piso, apta a obstaculizar a eficácia preclusiva da coisa julgada (arts. 507 e 508 do CPC).

Por outro lado, o valor da falha (R$ 562,02) possui diminuta expressividade econômica, sendo, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeitos à contabilização, dispensando o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Sob essa perspectiva, nada obstante alcance 24,77% do somatório destinado ao financiamento da campanha (R$ 2.268,50), a irrelevância do valor nominal da irregularidade atrai a incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, invocados na fundamentação recursal, para que a escrituração contábil seja aprovada com ressalvas, adotando-se, como referência, o patamar de R$ 1.064,10, como colho das seguintes ementas:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO  ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data 29.09.2017.) (Grifei.)

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS, PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.7.2020.) (Grifei.)

 

Por essas razões, entendo pela aprovação das contas com ressalvas, sem prejuízo, entretanto, do pagamento da multa arbitrada no primeiro grau.

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e provimento parcial do recurso interposto por DIRCEU MAZZUTTI, para aprovar com ressalvas as suas contas relativas ao pleito de 2020, mantendo a aplicação da penalidade de multa no valor de R$ 168,61 (cento e sessenta e oito reais e sessenta e um centavos), com fundamento nos arts. 27, §§ 1º e 4º, e 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19.

É como voto, Senhor Presidente.