REl - 0600399-70.2020.6.21.0103 - Voto Relator(a) - Sessão: 20/05/2021 às 10:00

VOTO

A prestação de contas foi desaprovada devido à omissão de registro de despesas no valor de R$ 195,75, que representa 12,65% da movimentação financeira declarada, na quantia de R$ 1.546,40, sem que fosse possível verificar a identidade do doador originário dos recursos, conforme consta do seguinte trecho da sentença recorrida:

A unidade técnica, no Parecer Conclusivo ID n. 74173899, entendeu que as justificativas do prestador de contas não foram suficientes para sanar a irregularidade, manifestando-se pela desaprovação das contas. No mesmo sentido, o parecer do Ministério Público Eleitoral (ID n. 75601100).

Verifica-se que o prestador de contas realizou despesa, sem a indicação da receita correspondente. Nos termos do artigo 53, inciso I, alínea g, da Resolução TSE n. 23.607/2019, a prestação de contas deve ser composta pelas “receitas e despesas, especificadas”.

Em sua manifestação, o candidato não apresentou justificativas, limitando-se a alegar que o valor é irrisório. Entretanto, a omissão de registros financeiros na prestação de contas é irregularidade grave, pois torna impossível a verificação da forma de pagamento utilizada e a origem dos recursos aplicados.

Neste sentido, o artigo 38 da Resolução TSE n. 23.607/2019 estabelece como devem ser efetuados os gastos eleitorais, excepcionando hipóteses de gastos de pequeno vulto, com constituição de Fundo de Caixa, e aqueles em que a abertura de conta bancária não é obrigatória, exceções não aplicadas ao presente caso. Eis o teor do dispositivo:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou IV - cartão de débito da conta bancária.

§ 1º O pagamento de boletos registrados pode ser realizado diretamente por meio da conta bancária, vedado o pagamento em espécie.

§ 2º É vedado o pagamento de gastos eleitorais com moedas virtuais.

Desta feita, não sendo possível confirmar a procedência do valor empregado no pagamento da Nota Fiscal omitida, o valor respectivo (R$ 195,75) é considerado, tecnicamente, como recurso de origem não identificada e, portanto, sujeito a recolhimento ao Tesouro Nacional, nos termos do artigo 32 da Resolução TSE n. 23.607/2019, que assim dispõe: “Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU)”.

Neste norte, retira-se da jusrisprudência do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul o seguinte julgado:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES GERAIS DE 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL PELA DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. OMISSÃO DE DESPESAS. PERCENTUAL RELEVANTE. RECOLHIMENTO DO VALOR IRREGULAR AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

1. Omissão de despesas. Identificadas duas notas fiscais não registradas na prestação de contas do candidato. Ausência de manifestação do prestador durante o processo.

2. As despesas omitidas na prestação de contas foram pagas com valores não individualizados nos registros financeiros, caracterizando-se como recursos de origem não identificada. Falha grave, que representa 13,34% da arrecadação na campanha eleitoral, ensejando a desaprovação das contas. Recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional.

3. Desaprovação.

(PC n. 060200610, Porto Alegre/RS, relator Roberto Carvalho Fraga, em 02.09.2019) (grifei)

No caso dos autos, em que pese tratar-se de único documento fiscal, a despesa omitida representa 18,84% do total das receitas declaradas pelo prestador de contas, todas como recursos próprios. Ainda, deve ser levado em conta o teor do artigo 14 da Resolução TSE n. 23.607/2019, segundo o qual “O uso de recursos financeiros para o pagamento de gastos eleitorais que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º implicará a desaprovação da prestação de contas do partido político ou do candidato”.

Desta feita, constatada irregularidade nas contas do candidato, conforme apurado pela unidade técnica e à vista do parecer do Ministério Público Eleitoral, a desaprovação das contas é medida que se impõe, com o consequente recolhimento ao Tesouro Nacional do valor apontado como recurso de origem não identificada.

 

Em suas razões, a parte recorrente sustenta que, por um lapso, deixou de registrar as despesas efetuadas e de mencionar a origem dos recursos, considerando de pequena monta o valor de R$ 195,75. Afirma que não houve dolo ou má-fé e que tal omissão em nada influenciou a lisura do pleito.

Os gastos foram localizados pelo exame técnico mediante o confronto com notas fiscais eletrônicas emitidas contra o CNPJ do prestador, conforme informado pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul à Justiça Eleitoral.

A documentação constante nos autos não esclarece a origem dos recursos utilizados para pagamento da referida despesa (ID 23667583), circunstância que poderia ter sido facilmente demonstrada por meio do número de inscrição no CPF da pessoa física doadora, ainda que a fonte tenha sido o próprio candidato.

Assim, não comprovada a origem dos referidos valores, restam caracterizados como recursos de origem não identificada, sujeitando o prestador ao recolhimento de quantia equivalente ao Tesouro Nacional.

Porém, apesar do percentual significativo diante do somatório arrecadado, as contas podem ser aprovadas com ressalvas, em atenção aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, pois o valor absoluto é reduzido e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente e a dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Acerca da incidência dos aludidos princípios em irregularidades nominalmente diminutas, cumpre trazer à colação precedente do Tribunal Superior Eleitoral apontando a possibilidade de aprovação das contas com ressalvas:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data: 29.9.2017.) (Grifei.)

 

De igual modo, a jurisprudência do TRE-RS admite a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovação das contas com ressalvas quando o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS; PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.07.2020.) (Grifei.)

 

Destarte, tendo em vista que as falhas perfazem quantia inexpressiva, entendo que o recurso comporta provimento parcial, atendendo-se ao pedido subsidiário de que as contas sejam aprovadas com ressalvas, ressaltando que permanece o dever de recolhimento dos recursos de origem não identificada ao erário, na forma do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Por derradeiro, tenho que não há como acolher o pedido do recorrente para determinar a incidência da multa apenas sobre o valor excedido, em lugar da restituição da quantia integral ao erário, visto que a norma para o recolhimento ao Tesouro Nacional de recurso de origem não identificada tem suporte no art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19 e a aplicação de multa requerida está disciplinada pela § 3º do art. 23 da Lei n. 9.504/97, na hipótese de doação acima dos limites legais, o que não é o caso em tela.

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar as contas com ressalvas e manter a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 195,75, nos termos da fundamentação.