REl - 0600349-87.2020.6.21.0024 - Voto Relator(a) - Sessão: 20/05/2021 às 10:00

VOTO

Admissibilidade

Os recursos são tempestivos e reúnem os demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual deles conheço.

 

Mérito

No mérito, é incontroverso que Marcelo Barcellos Vargas e Gil Marques Filho realizaram postagem ou compartilharam, em seus perfis no Facebook, enquete ou sondagem de cunho eleitoral acerca dos candidatos ao pleito municipal de Itaqui (ID 12125833):

"Na sua opinião qual destes candidatos está mais preparado para ser prefeito de Itaqui?

*Jarbas Martini

*Eber Escobar

* Leonardo Betin

* Não Sabe *Nenhum…"

 

“Se a eleição fosse hoje em quais destes candidatos você votaria para prefeito de Itaqui?

*Jarbas Martini

*Eber Escobar

* Leonardo Betin

* Não Sabe

*Nenhum..."

 

O juízo de primeiro grau, em medida liminar, determinou que fossem suspensas a publicação e divulgação das enquetes (ID 12125883) e, após o trâmite regular, julgou procedente a demanda, condenando os representados ao pagamento de multa individual  no valor de R$ 53.205,00, com fundamento no art. 33, § 5º, da Lei n. 9.504/97 e arts. 17 e 23 da Resolução TSE n. 23.600/19. Vejamos:

Lei n. 9.504/97

Art. 33. As entidades e empresas que realizarem pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos, para conhecimento público, são obrigadas, para cada pesquisa, a registrar, junto à Justiça Eleitoral, até cinco dias antes da divulgação, as seguintes informações:

[...]

§ 3º A divulgação de pesquisa sem o prévio registro das informações de que trata este artigo sujeita os responsáveis a multa no valor de cinquenta mil a cem mil UFIR.

[…]

§ 5º É vedada, no período de campanha eleitoral, a realização de enquetes relacionadas ao processo eleitoral.

 

Resolução TSE n. 23.600/19

Art. 17. A divulgação de pesquisa sem o prévio registro das informações constantes do art. 2º desta Resolução sujeita os responsáveis à multa no valor de R$ 53.205,00 (cinquenta e três mil, duzentos e cinco reais) a R$ 106.410,00 (cento e seis mil, quatrocentos e dez reais) (Lei nº 9.504/1997, arts. 33, § 3º, e 105, § 2º).

 

Art. 23. É vedada, a partir da data prevista no caput do art. 36 da Lei nº 9.504/1997, a realização de enquetes relacionadas ao processo eleitoral. (Vide, para as Eleições de 2020, art. 4º da Resolução nº 23.624/2020)

§ 1º Entende-se por enquete ou sondagem o levantamento de opiniões sem plano amostral, que dependa da participação espontânea do interessado, e que não utilize método científico para sua realização, quando apresentados resultados que possibilitem ao eleitor inferir a ordem dos candidatos na disputa.

§ 2º A partir da data prevista no caput deste artigo, cabe o exercício do poder de polícia contra a divulgação de enquetes, com a expedição de ordem para que seja removida, sob pena de crime de desobediência.

§ 3º O poder de polícia não autoriza a aplicação de ofício, pelo juiz eleitoral, de multa processual ou daquela prevista como sanção a ser aplicada em representação própria (Súmula-TSE nº 18).

 

Do exame realizado, entendo que a sentença deve ser reformada, pois não cabível ao caso a sanção pecuniária prevista nos dispositivos acima transcritos.

As pesquisas eleitorais funcionam como mecanismo de aferição das intenções de voto da população e, por esse motivo, detêm forte poder de influência sobre os eleitores, especialmente pelo grau de idoneidade do complexo trabalho realizado pelas entidades especializadas, a quem a legislação eleitoral impõe o prévio registro da metodologia de trabalho, com o objetivo de viabilizar o controle público e judicial das pesquisas.

Sobre o tema, assim leciona José Jairo Gomes (Direito Eleitoral. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 526):

É certo que os resultados, divulgados com alarde pelos interessados e ecoados pela mídia, podem influir de modo relevante e perigoso na vontade dos eleitores. Por serem psicologicamente influenciáveis, muitos indivíduos tendem a perfilhar a opinião da maioria. Daí votarem em candidatos que supostamente estejam “na frente” ou “liderando as pesquisas”. Por isso, transformaram-se as pesquisas eleitorais em relevante instrumento de marketing político, que deve ser submetido a controle estatal, sob pena de promoverem grave desvirtuamento na vontade popular e, pois, na legitimidade das eleições.

 

Também considerando sua natureza técnica e poder de influência sobre o eleitor, o § 3º do art. 33 da Lei n. 9.504/97 estabeleceu uma elevada penalidade pecuniária para o caso de divulgação de pesquisa sem prévio registro: de 50 a 100 mil UFIR, ou seja, de R$ 53.205,00 a R$ 106.410,00.

Por se tratar de sanção pecuniária mais severa do que a estipulada às condutas relacionadas à propaganda eleitoral, exige-se prova plena de sua ocorrência, responsabilidade e exato enquadramento dos fatos à regra legal.

Ocorre que a hipótese em questão se distancia das situações fáticas que a referida sanção busca coibir.

Os elementos dos autos e a análise do conteúdo das postagens não permitem inferir que, de fato, houve pesquisa eleitoral contratada de entidade ou empresa profissional especializada, dotada, portanto, de um mínimo rigor metodológico, ainda que ignorado o necessário registro.

Observe-se que a sanção prevista no § 3º do art. 33 da Lei n. 9.504/97 e no art. 17 da Resolução TSE n. 23.600/19 é aplicável para a divulgação de pesquisa eleitoral sem registro e, por isso, pressupõe a publicação do que seja essencialmente uma pesquisa, com um conjunto de informações mínimas capazes de conferir seriedade à aferição das intenções de votos, o que não ocorreu na espécie.

In casu, a divulgação no Facebook partiu de eleitores e ocorreu sem qualquer menção a uma pesquisa técnica específica. Por essa razão, não se pode equiparar tal situação àquela que a legislação visa coibir com a vedação legal.

À luz da jurisprudência do TSE a respeito da incidência do art. 33 da Lei n. 9.504/97, “simples enquete ou sondagem, sem referência a caráter científico ou metodológico, não se equipara ao instrumento de pesquisa preconizado em referido dispositivo" (Precedente: REspe 754-92, rei. Min Jorge Mussi, DJE de 20.4.2018).

Conforme já explicitado na exordial (ID 12125783) e na decisão do magistrado de primeira instância (ID 12125883 e 12126483), trata-se aqui de publicação irregular de enquete e/ou sondagem em perfil de rede social pessoal de eleitor, a qual está devidamente regulada pelo art. 23 da Resolução TSE n. 23.600/19.

Desse modo, embora vedada a ação dos representados (art. 33, § 5º, da Lei n. 9.504/97), incabível a aplicação de multa por divulgação de sondagem ou enquete em razão da ausência de previsão legal, mostrando-se suficiente a ordem de imediata remoção das postagens pelo magistrado, com base em seu poder de polícia eleitoral, tal como determinado pelo juízo e cumprido pelos recorrentes (ID 12126383).

Nessa senda, colaciono julgados de nossas Cortes Regionais:

RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. DIVULGAÇÃO DE PESQUISA ELEITORAL SEM PRÉVIO REGISTRO. INTERNET. FACEBOOK E WHATSAPP. SENTENÇA. PROCEDÊNCIA. MULTA. PRELIMINAR DE INTEMPESTIVIDADE - REJEITADA. OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO TEMPESTIVAMENTE INTERPOSTOS INTERROMPERAM O PRAZO RECURSAL. MÉRITO. AUSÊNCIA DE CIENTIFICIDADE DA APURAÇÃO. OS ELEMENTOS DA PUBLICAÇÃO NÃO SE ENQUADRAM NO CONCEITO DE PESQUISA ELEITORAL. RECURSO PROVIDO.

Preliminar de intempestividade do recurso. Contra a sentença, foram opostos embargos de declaração. Interrupção do prazo. Rejeitada.

Mérito. Distinção entre pesquisa eleitoral e enquete. Art. 33 da Lei 9.504/97. Art. 10 e 23 da Res. TSE nº 23.600/2019.

Ausência de cientificidade da apuração. Elementos da publicação não se enquadram no conceito legal e jurisprudencial de pesquisa eleitoral. Inaplicabilidade da sanção prevista no art. 33, §3º da Lei 9.504/97.

Jurisprudência do TSE no sentido de que "simples enquete ou sondagem, sem referência a caráter científico ou metodológico, não se equipara ao instrumento de pesquisa preconizado em referido dispositivo".

Não configuração de divulgação irregular de pesquisa eleitoral.

Recurso a que se dá provimento, para reformar a sentença, julgando improcedente a representação, restando sem efeito as multas ora aplicadas.

(TRE-MG, RE n. 060025814, Acórdão de 26.10.2020, Relator MARCELO VAZ BUENO, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 26.10.2020.)

 

ELEIÇÕES 2016 - RECURSO ELEITORAL - REPRESENTAÇÃO - DIVULGAÇÃO NO FACEBOOK DE SUPOSTA PESQUISA ELEITORAL SEM PRÉVIO REGISTRO NA JUSTIÇA ELEITORAL - CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE MULTA, NO MÍNIMO LEGAL, PREVISTA NO ART. 33, § 3º, DA LEI N. 9.504/97 (ART. 17 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.453/15) - CONSULTA DE OPINIÃO QUE NÃO PODE SER CONSIDERADA PESQUISA ELEITORAL EM RAZÃO DA FALTA, AO SER DIVULGADA NA REDE SOCIAL, DE ELEMENTOS QUE EVIDENCIEM RIGOR CIENTÍFICO NA SUA ELABORAÇÃO - PRECEDENTES - ENQUETE - DESCUMPRIMENTO DA PROIBIÇÃO DE REALIZAÇÃO DE ENQUETE E, CONSEQUENTEMENTE, DE SUA DIVULGAÇÃO NO PERÍODO ELEITORAL (ART. 33, § 5º, DA LEI N. 9.504/1997) - AUSÊNCIA DE PREVISÃO DE MULTA NA LEGISLAÇÃO PARA ESSE ILÍCITO - SANÇÃO PECUNIÁRIA AFASTADA - RECURSO PROVIDO.

(TRE-SC, RECURSO CONTRA DECISÕES DE JUÍZES ELEITORAIS n. 48325, ACÓRDÃO n. 32183 de 17.11.2016, Relator ALCIDES VETTORAZZI, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 17.11.2016.)

 

RECURSO ELEITORAL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA ACOLHIDA. ALEGAÇÃO DE DIVULGAÇÃO DE PESQUISA ELEITORAL NA REDE SOCIAL FACEBOOK, SEM O PRÉVIO REGISTRO EXIGIDO PELA LEGISLAÇÃO ELEITORAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. DADOS QUE SE ASSEMELHAM À ENQUETE. VEDAÇÃO EXPRESSA NOS ARTIGOS 33, § 5º DA LEI Nº 9.504/97 E 23 DA RESOLUÇÃO TSE Nº 23.453/2015. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE MULTA POR AUSÊNCIA DE PREVISÃO DE LEGAL. PROVIMENTO DO RECURSO PARA AFASTAR A MULTA APLICADA.

(TRE-SP, RECURSO n. 61570, ACÓRDÃO de 07.4.2017, Relator MARCUS ELIDIUS MICHELLI DE ALMEIDA, Publicação: DJESP - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-SP, Data 20.4.2017.)

 

Não havendo elementos mínimos para a caracterização da divulgação como verdadeira pesquisa eleitoral, incabível a imposição da multa prevista no art. 33, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

Assim, pelos fundamentos acima, a reforma da sentença é medida que se impõe.

 

Diante do exposto, VOTO pelo provimento dos recursos interpostos por MARCELO BARCELLOS VARGAS e GIL MARQUES FILHO, para, reformando a sentença, afastar as condenações ao pagamento de multa individual no valor de R$ 53.205,00.