REl - 0600399-15.2020.6.21.0089 - Voto Relator(a) - Sessão: 18/05/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

A preliminar de nulidade da sentença por ausência de fundamentação deve ser rejeitada.

Com efeito, o julgador analisou todas as alegações e imputações constantes no feito, de modo que improcede a prefacial.

No mérito, cumpre examinar se a aquisição, pela administração municipal, dos letreiros com a expressão “Eu amo boa vista do buricá” e o uso dessa frase na campanha eleitoral de Antônio Mota e Lirio Dresch poderia caracterizar a conduta vedada prevista no art. 73, incs. I e IV, c/c o art. 74 da Lei n. 9.504/97, c/c o art. 22 da Lei Complementar n. 64/90 e em desrespeito ao art. 37, § 1º, da Constituição Federal.

No ponto, o Juízo da 89ª Zona Eleitoral julgou improcedente a ação manejada nos seguintes termos:

Conforme cópia do procedimento licitatório anexado aos autos, em 16/03/2020 houve a solicitação da realização do processo licitatório/dispensa de licitação para a aquisição dos letreiros. Houve a juntada de três orçamentos e a indicação dos locais onde seriam instalados. Em seguida, após lapso temporal de cerca de três meses, o procedimento teve continuidade e foi finalizado em 02/06/2020.

Em que pese o curto período de tramitação do procedimento, bem como eventuais irregularidades apontados pelos requerentes, que devem ser apurados, se o caso, em ação própria, o simples fato de a aquisição ter sido em ano eleitoral e os representados Antonio e Lírio terem aproveitado o letreiro já instalado para produzirem sua propaganda eleitoral não são suficientes para provar que o representado Vilmar tenha se valido de seu cargo e da verba pública para adquirir o bem em favor dos demais representados.

Conforme depoimento prestado pela testemunha Carla Franciele Klatt, servidora pública concursada – assessora administrativa em Boa Vista do Buricá (exerce função gratificada), não filiada a partido político, a compra do letreiro já vinha sendo idealizado desde meados de junho de 2019, quando realizavam uma obra, qual seja, uma praça, no centro da cidade. Disse que não o plano não foi executado na época porque não queriam atrapalhar uma feira que ocorreria naquele local já no final de dezembro. Asseverou que, no final do ano, há um prazo para fazer compras, sendo que no dia 15 de dezembro a contabilidade fechou. Contou que, por isso, não fizeram mais nada, deixando para este ano. Em 15 de janeiro, abriu a contabilidade novamente. Assim, quando voltou de férias, foram atrás de novos orçamentos. Em março fez a solicitação para o setor de compras a fim de fazer o processo licitatório dos letreiros. Em 16 de março fez o pedido, sendo que logo após, cerca de três a quatro dias depois, veio a pandemia, o que levou ao cancelamento de tudo. Explicou que veio uma solicitação do prefeito para que cancelasse as compras porque não sabiam o que ia acontecer e como a pandemia se desenharia. Quando as contas se equilibraram, compraram o letreiro. Esclareceu que suspenderam aquisições de outros objetos, também relacionados a essa praça. Tinham vários projetos, inclusive de paisagismo. Sua participação se restringiu a fazer orçamentos e o encaminhamento para o setor de compras.

A respeito do curto período de trâmite do procedimento licitatório, necessário observar o depoimento da testemunha Nelson Francisco, diretor de compras (exerce função gratificada desde 2016), não filiado a partido político. Inicialmente, esclareceu que trabalha no setor com mais duas colegas. Disse que acompanhou o processo licitatório do letreiro “Eu amo Boa Vista do Buricá” - foi quem realizou, na realidade, o encaminhamento. Acredita ter sido uma compra normal, como qualquer outra, sendo que o processo licitatório foi suspenso em razão da pandemia. Contou que ao receber o pedido, mas antes de realizá-lo, foi chamado pelo prefeito, que o orientou a comprar o estritamente necessário, com prioridade para a área da saúde. Por isso, o processo ficou na sua mesa, suspenso. Mencionou que vários processos foram suspensos, inclusive licitações que estavam prontas para serem lançadas. Narrou que não houve ingerência do prefeito no sentido de dar preferência ou tratamento especial a este processo. Aduziu que em junho o prefeito já tinha uma noção mais clara sobre a pandemia e deu continuidade aos processos que estavam pendentes. Explicou que o procedimento licitatório relativo à aquisição do letreiro era extremamente simples, por isso todos os documentos estavam datados como 02 de junho. Como já havia os orçamentos, não dependia mais de ninguém, apenas formalizar o processo. Praticamente todos os processos que estavam parados foram retomados.

Segundo as provas produzidas, portanto, a aquisição do letreiro já era objetivada pelo Executivo Municipal desde meados de 2019 e o projeto não foi cumprido antes por questão de conveniência e necessidade – conveniência para não atrapalhar o espaço público em feira que ocorreria no local; necessidade porque, em razão da incerteza trazida pela pandemia do Covid-19, era preciso direcionar o uso dinheiro público para eventuais necessidades que decorressem desse fato. Descabido falar, portanto, na utilização do dinheiro pública para beneficiar os requeridos Antonio e Lírio, muito menos argumentar que a aquisição dos letreiros foi feita para diminuir os custos da campanha destes.

Ainda, não restou provado pelos requerentes, como lhes cabia fazer, que os representados Antonio e Lirio já eram os escolhidos pelos seus partidos para concorrerem o pleito majoritário em junho de 2019, momento em que surgiu a ideia de aquisição do letreiro, ou até mesmo em março de 2020, quando formalizado o pedido de tal aquisição. Da mesma forma, não foi provado que, nos meses indicados, a chapa adversa ao dos requerentes utilizaria a frase “Eu amo Boa Vista do Buricá” como denominação da coligação ou slogan de campanha.

Ademais, entendo que o fato de o requerido Vilmar ter sido vice-prefeito durante o mandato do requerido Antonio em nada indica que aquele usou a máquina administrativa para beneficiar este, até mesmo porque são filiados a partidos políticos diversos (PCdoB e PT), que não fazem parte da mesma coligação nestas eleições.

Há nos autos somente suposições, sem provas concretas.

Quanto ao aproveitamento dos letreiros pelos representados, não vislumbro que a estratégia configure a prática de uma das condutas vedadas do art. 73 da Lei n. 9.504/97.

Isso porque, quanto ao inciso I, o letreiro é bem de uso comum do povo, instalado em praça central do município, local onde todos têm acesso, inclusive candidatos adversários. E consoante entendimento do TSE, “a vedação do uso e cessão de bem público em benefício de candidato, prevista no art. 73, inciso I, da Lei n. 9.504/97, não abrange bem público de uso comum do povo. Precedentes” (TSE, AR-AI n. 12229/SC, julg. 26/08/2010, rel. Aldir Passarinho Junior, pub. 07/10/2010). Na mesma linha:

“[...] Eleição estadual. Conduta vedada. Art. 73, I, II, e III, da Lei no 9.504/ 97. [...] A vedação do uso de bem público, em benefício de candidato, não abrange bem público de uso comum. [...]” NE: Governador, candidato à reeleição, que se utilizou de bem público, Parque das Nações Indígenas, para a gravação de imagens para seu programa eleitoral. (Ac. No 4246, de 24.5.2005, rel. Min. Luiz Carlos Madeira.)

O art. 73 da Lei n. 9.504/97 visa “propiciar instrumentos capazes de reprimir administrativamente a utilização de bens ou serviços públicos, para conceder ao beneficiário vantagens indevidas na corrida eleitoral enquanto se dilapida o patrimônio público” (Márlon Jacinto Reis, “Uso Eleitoral da Máquina Administrativa e Captação Ilícita de Sufrágio, p. 36. O destaque é nosso). O uso de bem de uso comum do povo, de livre alcance a todos, não configura dilapidação de patrimônio público. É possível o desgaste natural do bem, o que ocorre com o passar do tempo, sem que isso ocorra pela sua simples utilização, que, no caso, consistiu no uso da imagem pelos requeridos em propaganda eleitoral.

O inciso IV do mesmo artigo também não se configurou no presente caso, uma vez que não houve distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público, conforme exige o dispositivo legal.

Não houve, pois, a comprovação do uso da máquina administrativa para efeito de promoção pessoal dos requeridos Antonio e Lírio por parte de Vilmar, inviabilizando, por conseguinte, a aplicação das penalidades solicitadas pelos requerentes.

Não se pode decidir uma ação desta natureza, que irá influenciar na vontade popular, sem a existência de provas da prática de abuso de poder perpetrada pelos requeridos.

 

Tenho que a decisão recorrida está adequada, não merecendo qualquer reparo.

O tema está disposto no art. 73 da Lei n. 9.504/97, conforme se constata abaixo:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

[…]

IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;

 

No presente caso, a aquisição dos letreiros, a exemplo de outras dezenas de municípios do Estado, tem o condão de gerar bem-estar aos cidadãos e atrair o turismo, como aliás constou no Termo de Referência que descreve a necessidade administrativa.

Ademais, restou demonstrado que as tratativas para compra dos letreiros iniciaram em março de 2020, muito antes do início do registro das candidaturas, o que desvincula o ato da administração municipal, como ensejador a garantir ou propiciar vantagem política para os ora recorridos. Observe-se que o processo administrativo de aquisição é público, assim como o local de instalação. Desse modo, qualquer adversário eleitoral poderia utilizar o mesmo slogan, realizar fotos e publicações do local de afixação da placa, pois instalada em praça central do município.

Dessa forma, as publicações do letreiro e o slogan (Eu amo boa vista do buricá) estavam à disposição de todos os cidadãos e candidatos, o que evidencia o não favorecimento ou preferência da administração municipal.

Nesse sentido, colho o seguinte julgado:

DIREITO ELEITORAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. CONDUTA VEDADA. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. REDE SOCIAL. PERFIL PESSOAL. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE EMPREGO DA MÁQUINA PÚBLICA. PROMOÇÃO PESSOAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. DESPROVIMENTO.

1. Agravo interno interposto contra decisão monocrática que negou seguimento a recurso especial eleitoral. 2. Não há privilégio ou irregularidade na publicação de atos praticados durante o exercício do mandato; especificamente, porque veiculados sem utilização de recursos públicos em meio acessível a todos os candidatos e apoiadores, como é o caso das mídias sociais.

3. Além disso, a promoção pessoal realizada de acordo com os parâmetros legais não caracteriza conduta vedada, constituindo exercício da liberdade de expressão no âmbito da disputa eleitoral. 4. O emprego da máquina pública, em qualquer de suas possibilidades, é a essência da vedação à publicidade institucional prevista no art. 73, VI, b, da Lei nº 9.504/1997, objetivando assegurar a igualdade de oportunidades entre os candidatos. No caso, a moldura fática do acórdão regional não apresenta indícios de que houve uso de recursos públicos ou da máquina pública para a produção e divulgação das postagens de responsabilidade do agravado.

5. Agravo interno a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral nº 151992, Acórdão, Relator(a) Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 28.6.2019.)

 

AGRAVOS INTERNOS. RECURSOS ORDINÁRIOS. ELEIÇÕES 2018. DEPUTADOS ESTADUAIS. REPRESENTAÇÕES. CONDUTA VEDADA. ART. 73, IV, DA LEI 9.504/97. USO PROMOCIONAL. DISTRIBUIÇÃO. BENS E SERVIÇOS DE CARÁTER SOCIAL. NÃO ENQUADRAMENTO. HIPÓTESE DOS AUTOS. CONVÊNIO. ENTES FEDERATIVOS. VIATURAS POLICIAIS. REQUISITOS. NÃO ATENDIMENTO. MANUTENÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. NEGATIVA DE PROVIMENTO.

1. No decisum monocrático, de relatoria do e. Ministro Jorge Mussi, mantiveram–se arestos do TRE/RN de improcedência dos pedidos em 17 representações propostas contra os agravados (12 Deputados Estaduais reeleitos em 2018 pelo Rio Grande do Norte e cinco candidatos que alcançaram a suplência), assentando–se que não se configurou a conduta vedada do art. 73, IV, da Lei 9.504/97.

2. Conforme o referido dispositivo, é vedado aos agentes públicos "fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo poder público".

3. A teor da jurisprudência desta Corte, a teleologia da norma é coibir o uso promocional – em favor dos atores políticos do processo eleitoral – de graciosa distribuição, diretamente a eleitores, de bens e serviços de caráter assistencialista.

4. As disposições legais que regulamentam a prática de condutas vedadas não podem ser objeto de interpretação ampliativa. Precedentes.

5. Na espécie, o convênio no qual a Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte doou 50 viaturas ao Governo do Estado, para uso pelas Secretarias de Estado da Justiça e da Cidadania e da Segurança Pública e da Defesa Social, não se amolda ao conceito de entrega de bens ou de serviços de cunho assistencialista a eleitores.

6. "Não existe a conduta vedada prevista no inciso IV do art. 73 quando o Estado doa um bem – como uma ambulância ou um carro de bombeiros – a um município, para ser utilizado pela coletividade", conforme se extrai do AgR–RO 1595–35/PR, Rel. Min. Rosa Weber, DJE de 26/2/2019.

7. Os precedentes citados nas razões do agravo são inaplicáveis por ausência de similitude fática, pois envolvem a hipótese de distribuição direta a eleitores associada ao uso promocional.

8. A improcedência dos pedidos no caso não vincula a apuração dos fatos sob a ótica de eventual abuso de poder político (art. 22 da LC 64/90), objeto de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) pendente de julgamento no âmbito do TRE/RN.

9. Agravos internos a que se nega provimento.

(Recurso Ordinário nº 060137593, Acórdão, Relator(a) Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 90, Data: 11.5.2020.)

 

No que se refere às alegações de que o processo administrativo teria irregularidades, ocasionando em dispensa de licitação, tenho que não cabe à Justiça Eleitoral o exame do mérito administrativo da conveniência e oportunidade da contratação. Esse tema poderá ser abordado junto ao Tribunal de Contas do Estado e à Justiça Comum. Na presente demanda, a matéria está restrita à infração do ponto de vista eleitoral.

Assim, não houve, no caso, a comprovação de que Vilmar teria feito uso indevido da máquina administrativa para alçar vantagem eleitoral aos recorridos Antônio e Lírio, razão pela qual a sentença deve ser mantida.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, a fim de manter a sentença em sua íntegra.