REl - 0600806-56.2024.6.21.0032 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/07/2025 às 16:00

VOTO

ADMISSIBILIDADE

O recurso mostra-se tempestivo, visto que a intimação da sentença recorrida se deu em 10.12.2024, e o recurso foi interposto em 13.12.2024.

Mostrando-se adequados e preenchidos os demais pressupostos recursais, conheço do apelo e passo a analisar o mérito do recurso.

 

PRELIMINARES

Inicialmente, não prospera a preliminar de nulidade da sentença por ausência de intimação do candidato para sanar as falhas apontadas, quando da intimação do procurador constituído.

Conforme consta nos autos, o patrono do recorrente foi devidamente intimado (ID 45854194) para sanar as falhas apontadas no relatório de exame, oportunidade em que deixou transcorrer in albis o prazo para manifestação (ID 45854195). Nesse sentido, uma vez que os poderes conferidos ao advogado na procuração foram suficientes para sua representação nos autos da prestação de contas, não há falar em intimação pessoal do candidato em virtude do silêncio do procurador constituído.

Diante disso, resta evidente que não houve cerceamento de defesa ou violação ao contraditório, sendo infundada a alegação de nulidade por ausência de intimação pessoal do recorrente.

Ainda, antes de adentrar no mérito do recurso, deve-se considerar a admissão dos documentos apresentados após a interposição do recurso eleitoral. Nesse ponto, consigno que, no âmbito dos processos de prestação de contas de campanha, este Tribunal Regional Eleitoral tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando sua simples leitura, ictu primo oculi, pode sanar irregularidades e não há necessidade de nova análise técnica.

In casu, tem-se por privilegiar o direito de defesa, de forma a prestigiar o julgamento pela retidão no gerenciamento dos recursos empregados no financiamento da campanha, como denota-se das ementas oriundas deste TRE-RS, colacionadas a título exemplificativo:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2020. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. DESAPROVAÇÃO. CONHECIDOS OS DOCUMENTOS JUNTADOS NA FASE RECURSAL. DOAÇÃO ESTIMÁVEL DE SERVIÇOS CONTÁBEIS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUITAÇÃO. DIVERGÊNCIA DE VALORES ENVOLVENDO TARIFAS BANCÁRIAS. MERAS IMPROPRIEDADES. REFORMA DA SENTENÇA. AFASTADA A MULTA E A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas de diretório municipal de partido político, referente ao exercício financeiro de 2020, em razão do recebimento de recursos de origem não identificada. Determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, acrescido de multa. 2. Conhecidos os documentos juntados na fase recursal. No âmbito dos processos de prestação de contas de campanha, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, ainda que o interessado tenha sido intimado para se manifestar, quando sua simples leitura, ictu primo oculi, pode sanar irregularidades e não há necessidade de nova análise técnica. Na hipótese, juntadas fotografias de cheques, de simples constatação e com aptidão para, em tese, conduzirem ao saneamento das irregularidades. 3. Ausência de comprovação de quitação de despesa. Apresentação de recibo de pagamento para comprovação de doação estimável de serviços contábeis, em desacordo com o prescrito pelo art. 9º da Resolução TSE n. 23.604/19. Entretanto, sendo inequívoco que o serviço doado se origina da atividade laboral da própria doadora e que o valor arbitrado não destoa de outros praticados para trabalhos semelhantes no município de origem, a falha é meramente formal, pois não prejudica a fiscalização sobre os contornos essenciais da doação estimável em questão, sendo suficiente a aposição de ressalvas. Inexistência de fundamento legal para a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional da doação estimável de serviço, fruto do trabalho da doadora, declarada em valor razoável relativamente aos parâmetros do mercado local e não envolvendo recursos públicos ou de origem não identificada. 4. Divergência detectada entre o valor registrado como despesas com tarifas bancárias e o valor realmente apurado em análise. Reduzido montante da falha. Mera impropriedade, ensejadora de ressalvas às contas. 5. Reforma da sentença. As falhas identificadas constituem meras impropriedades, pois, alcançando montante módico, não impediram o exame técnico das contas e não resultam em dano ao erário, possibilitando a aprovação com ressalvas da contabilidade, na esteira de julgados desta Corte e do TSE (TRE–RS – PC 060028875, Relator.: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, Data de Julgamento: 15/06/2020, DJE de 23/06/2020). 6. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas. Afastada a multa e a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional. (TRE-RS - REl: 06000458320216210079 MANOEL VIANA - RS, Relator: Des. CAETANO CUERVO LO PUMO, Data de Julgamento: 31/10/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 202, Data 07/11/2023) (Grifei.)

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2020. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. DESAPROVAÇÃO. JUNTADA DE DOCUMENTAÇÃO NA FASE RECURSAL. POSSIBILIDADE. DOCUMENTAÇÃO SIMPLES. DESNECESSIDADE DE NOVA ANÁLISE TÉCNICA. MÉRITO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE GASTOS COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. JUNTADA DE NOTA FISCAL IDÔNEA. DESPESA DEMONSTRADA. AFASTADO O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas anuais do partido, exercício 2020, em razão de ausência de comprovação de gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional e aplicada multa de 5% do valor irregular. 2. Conhecidos os documentos juntados com o recurso. Conforme pacífica jurisprudência desta Corte, a apresentação de novos documentos com o recurso, sobretudo na classe processual das prestações de contas, não apresenta prejuízo à tramitação do processo quando se trata de documentos simples, capazes de esclarecer, primo ictu oculi, as irregularidades apontadas, sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares. O posicionamento visa, sobretudo, salvaguardar o interesse público na transparência da contabilidade de campanha e a celeridade processual e afastar excessivo formalismo. 3. Ausência de comprovação de gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC. A nota fiscal indicada é documento idôneo a demonstrar a despesa - a diferença é de ordem insignificante, um centavo, e foi emitida pela mesma empresa cujo pagamento parcial foi acolhido pela sentença. Existência apenas de falhas formais e de comprovações extemporâneas, de forma que as contas devem ser aprovadas com ressalvas. 4. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas. Afastada a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional. (TRE-RS - REl: 06000861020216210060 PELOTAS - RS, Relator: Des. Afif Jorge Simoes Neto, Data de Julgamento: 20/07/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 135, Data: 26/07/2023.) (Grifei.)

Por essas razões, conheço dos documentos acostados no ID 45854226 e seguintes, consistentes em extratos bancários e cupons fiscais emitidos por Comércio de Combustíveis Korsack Ltda. ME, de simples constatação e com aptidão para, em tese, conduzirem ao saneamento, ao menos em parte, das irregularidades apontadas.

 

MÉRITO

As falhas que levaram a desaprovação das contas foram as seguintes: (a) realização de gastos com combustível sem o correspondente registro de veículo na prestação de contas; (b) a emissão de notas fiscais sem constar placa de veículo; (c) irregularidade envolvendo os gastos de combustível realizados em grande quantidade em curto espaço de tempo; (d) omissão de despesa; e (e) realização de despesas de campanha após as eleições;

Sobre os gastos com combustíveis (no valor de R$ 2.000,00) para veículo não cadastrado nas contas, a sentença concluiu pela irregularidade porque, ainda que o recorrente tenha apresentado termo de cessão de uso de veículo, houve omissão de receita estimável em dinheiro, por ausência de registro da referida cessão nas contas.

Com razão o juiz a quo. Isso porque, em que pese o recorrente ter apresentado termo de cessão de veículo firmado por Jorge da Rosa Christovan (ID 45854203), não veio aos autos o comprovante de propriedade do bem cedido, em contrariedade a exigência expressa do art. 58, II, da Resolução TSE n. 23.607/19, o que, por si só, impede que a falha seja afastada.

Ainda que assim não fosse, veja-se como a matéria dos gastos com combustíveis para abastecimento de veículo usado na campanha eleitoral encontra-se disciplinada no art. 35, §§ 6º e 11, da Resolução TSE n. 23.607/19, litteris:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

(...)

§ 6º Não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha as seguintes despesas de natureza pessoal do candidato:

a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pela candidata ou pelo candidato na campanha;

(…)

§ 11. Os gastos com combustível são considerados gastos eleitorais apenas na hipótese de apresentação de documento fiscal da despesa do qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de:

(...)

II - veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que:

a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas; e

b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim;

Ou seja, a falta de comprovante de propriedade do bem cedido, somada à omissão da declaração do veículo abastecido na prestação de contas, conforme exigido pelo art. 35, §11, II, “a”, da norma aplicável, configura despesa de natureza pessoal, que não está sujeita à prestação de contas e não pode ser custeada com recursos da campanha.

Trago à colação precedente do egrégio Tribunal Superior Eleitoral a respeito:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. GASTOS COM COMBUSTÍVEL. GASTO ELEITORAL. VEÍCULO NÃO DECLARADO ORIGINARIAMENTE. IRREGULARIDADE GRAVE. INCIDÊNCIA DO VERBETE SUMULAR 26 DO TSE.

(...)

7. Na espécie, o candidato efetivamente declarou como "gasto eleitoral" a despesa realizada com combustível, utilizando-se de recursos do fundo especial de financiamento de campanha para essa finalidade, de modo que não se aplica nessa hipótese a mencionada regra que dispensa a contabilidade ou o registro da cessão do veículo, mas, sim, o disposto no art. 35, § 11, da Res.-TSE 23.607, que estabelece regras específicas para que veículos sejam excepcionalmente abastecidos com combustível pago com recursos de campanha.

8. Ou o gasto com combustível é tratado via de regra como "gasto de natureza pessoal" - de modo que não pode ser utilizado recurso de campanha para essa finalidade, dispensando-se inclusive a sua contabilidade e a emissão de recibo da cessão de veículo do cônjuge (arts. 7°, § 6°, III, e 35, § 6°, a, todos da Res.-TSE 23.607); ou, caso efetivamente seja o caso de "gasto eleitoral", deve-se obedecer às exigências do art. 35, § 11, da Res.-TSE 23.607, dentre as quais a de que o veículo seja originalmente declarado na prestação de contas.

CONCLUSÃO

Agravo regimental não conhecido.

(TSE; AgR-REspEl n. 0600624-16.2020.6.25.0027/SE, Acórdão, Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE, 04/04/2023.) (Grifei.)

Portanto, persiste a irregularidade.

Em relação à aquisição de combustível, ainda, a sentença identificou outras irregularidades, quais sejam: a emissão de notas fiscais sem constar placa do veículo cedido, omissão de despesa, grande quantidade de combustível adquirido em curto espaço de tempo e realização de despesas de campanha após as eleições.

Verifica-se que das nove notas fiscais de combustível, duas delas não possuem a anotação da placa do veículo abastecido, enquanto as outras sete referem-se ao abastecimento do automóvel de placas AHY 7I22, veículo diverso daquele cedido para a campanha.

Nesse sentido, em que pese a argumentação do recorrente, a ausência do registro na nota fiscal da placa do veículo abastecido ou anotação de placa estranha à campanha é irregularidade que somente pode ser imputada a ele, não sendo cabível a alegação de erro de terceiro que pudesse justificar a sanabilidade dessa falha.

A omissão de despesa foi bem reconhecida em sentença, não merecendo reparo. Isso porque o recorrente deixou de declarar despesa no valor de R$ 100,00, referente a nota fiscal nº 1042, nas contas de campanha, ao passo que o pagamento com recursos da campanha não foi comprovado.

A contratação de despesa após as eleições é falha que não pode ser afastada. O argumento trazido pelo recorrente, de tratar-se de pagamento realizado após o pleito de despesa contraída anteriormente, contraria o documento constante dos autos (cupom fiscal emitido em 01.11.2024 – ID 45854175 – página 8) e, por isso, não pode prevalecer.

Por fim, quanto aos gastos com combustíveis no valor de R$ 1.100,00, em três dias consecutivos, na última semana da campanha, o recorrente limitou-se a alegar que o veículo possui muito tempo de uso e que a extensão territorial da cidade, considerando as viagens de ida e volta, especialmente nas residências do interior, acabam contribuindo para um elevado consumo de combustível. Contudo, o recorrente não logrou êxito em comprovar o abastecimento e consumo de 172 litros em apenas três dias, ainda mais para um veículo cujo tamanho de tanque varia entre 50 e 60 litros.

Portanto, por qualquer lado que se olhe, a totalidade das despesas com combustível é irregular e as falhas não podem ser afastadas.

O montante irregular é de R$ 2.500,00 e corresponde a 75,98% das despesas da campanha (R$ 3.290,00), não sendo possível a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para a aprovação das contas com ressalvas. Isso porque se trata de percentual expressivo e que, conforme jurisprudência consolidada, justifica a desaprovação das contas, por caracterizar irregularidade grave e de natureza insanável, tal qual colaciono no seguinte entendimento deste e. Tribunal:

Em relação à pretensão de aprovação das contas com ressalvas, com base na pequena expressão do valor irregular, a jurisprudência considera inexpressivo o montante que não ultrapassar: (a) em termos absolutos, o valor de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos); ou (b) em termos relativos, o percentual de 10% (dez por cento) do total de recursos arrecadados (TRE-RS, REl nº 060002152, Relator: Des. Mario Crespo Brum, Publicação: 03/09/2024.).

Por fim, quanto ao recolhimento de valores, ainda que as falhas mantidas somem o valor de R$ 2.500,00, em razão da ausência do manejo recursal pelo Ministério Público e da impossibilidade de agravamento da posição jurídica do recorrente, está mantido em R$ 1.600,00 ao erário.

Dessa forma, a manutenção da sentença é medida impositiva.

Ante o exposto, VOTO por NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto por MARIO DE SOUZA.