REl - 0600515-86.2024.6.21.0022 - Voto Relator(a) - Sessão: 01/07/2025 às 16:00

VOTO

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos processuais, merece conhecimento.

À análise.

A sentença desaprovou as contas relativas à campanha eleitoral de 2024 de MARIBEL DE VILA POSSA, em razão de recebimento de doações em espécie acima de R$ 1.064,10. Houve a determinação de recolhimento, ao Tesouro Nacional, da quantia de 1.500,00 (mil e quinhentos reais). A irregularidade foi assim identificada na sentença:

 

Realizada a análise técnica identificou-se inconsistências referentes a indícios de irregularidades no recebimento de recursos financeiros. Intimada a prestar esclarecimentos, a prestadora não se manifestou.

Passo à análise.

Inicialmente, verifica-se dos extratos bancários doações financeiras de recursos próprios – autofinanciamento – realizadas mediante depósitos em espécie, de forma sucessiva, na conta "Outros Recursos" (ID 124783162), abaixo identificadas:

No caso em tela, a candidata realizou depósitos em espécie em sua conta de campanha, no mesmo dia, no montante de R$ 1.500,00. A norma de regência prevê a obrigatoriedade de as doações eleitorais iguais ou superiores a R$ 1.064,10 serem concretizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário ou cheque cruzado e nominal. Por outro lado, o art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, a contrário sensu, faculta que as doações inferiores àquele valor sejam realizadas por depósito bancário em espécie, também comumente referido como “na boca do caixa”.

(...)

Dá-se que, o montante recebido em desacordo com a norma, ou seja, sob a forma de depósito em espécie, impossibilita o cruzamento de informações com o sistema financeiro nacional e obsta a confirmação da exata origem dos recursos recebidos, uma vez que, para o depósito em espécie são lançadas as informações declaradas pelo depositante, diferentemente da transferência bancária, onde a operação é “conta a conta”, o que garante a correta identificação da origem do recurso.

Em consequência, os valores recebidos em desacordo às regras acima apontadas devem ser considerados como recursos de origem não identificadas e, deverão ser recolhidos ao Tesouro Nacional, nos termos do § 4º do art. 21 e art. 32, §1º , IV e § 2º da Res. TSE 23.607/2019 (...)

 

No campo normativo, as operações bancárias a serem utilizadas para realizar doações eleitorais estão explicitadas na Resolução TSE n. 23.607/19:

 

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF da doadora ou do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que a doadora ou o doador é proprietária(o) do bem ou é a(o) responsável direto pela prestação de serviços;

III - instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo por meio de sítios da internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos similares.

IV – Pix. (Incluído pela Resolução nº 23.731/2024)

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias da doadora ou do doador e da beneficiária ou do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

(Grifei.)

 

A desobediência ao determinado no artigo transcrito tem, como consequência, a caracterização da verba como de origem não identificada - RONI:

 

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatas ou candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

(...)

IV - as doações recebidas em desacordo com o disposto no art. 21, § 1º, desta Resolução quando impossibilitada a devolução à doadora ou ao doador;

 

A recorrente alega que os depósitos encontram-se devidamente identificados, fato esse incontroverso nos autos.

Contudo, friso que é firme o entendimento deste Tribunal, no sentido de que doação feita mediante depósito identificado, e não transferência eletrônica, como preceitua o referido art. 21, é incapaz, por si só, de comprovar a origem do recurso, haja vista a falta de trânsito prévio do valor pelo sistema bancário.

Verifico, ademais, que o procedimento desatendeu o estabelecido no texto legal, pois as doações realizadas no mesmo dia, sejam de pessoas físicas ou oriundas de recursos próprios, devem observar o trânsito eletrônico entre as contas bancárias do doador e do recebedor.

Ora, uma vez realizados os depósitos em espécie, não há comprovação da origem como pretendem os recorrentes.

E não é à toa a determinação legal. A exigência tem motivo: viabilizar, de modo seguro, a verificação da origem da contribuição, o que somente é possível se atendidas as formas de transferências legais, as quais permitem o cruzamento de informações entre dados da Receita Federal e outros órgãos, possibilitando, modo seguro, a identificação do doador. A título de exemplo, um candidato poderia receber dinheiro em espécie de uma empresa interessada em sua eleição. Munido do maço de notas, esse hipotético candidato se dirigiria à agência bancária e depositaria em sua conta de campanha, informando, como doador, CPF de pessoa física.

É esse tipo de situação que a legislação intenta coibir primordialmente, muito embora acabe alcançando também candidatos desconhecedores dos regramentos básicos de contabilidade eleitoral, não havendo como garantir qual o caso dos autos.

No entanto, nem mesmo o desconhecimento ou a ausência de má-fé podem se prestar a um juízo absolutório, pois o interesse nas reais fontes financiadoras de campanha vai além desta Justiça Especializada, alcançando toda a sociedade.

Cabe ressaltar que este Tribunal tem arrefecido o rigor de disposições desta natureza quando o prestador, por outros meios, atinge o fim colimado pela norma, que, no caso do preceito em referência, consiste na demonstração segura da origem dos recursos, no entanto, isso não ocorre no presente feito.

A tese recursal sustenta, ainda, excesso em relação ao limite legal em montante inferior ao declarado na sentença, ao argumento de que deveria ser subtraído o quantum permitido do total da doação, assim, a irregularidade seria de apenas R$ 435,90 (R$ 1.500,00 – e R$ 1.064,10)

Também, aqui, não assiste razão ao recorrente.

Como dito, a ausência de comprovação segura do doador caracteriza os recursos como de origem não identificada, cujo valor integral, no importe de R$ 1.500,00, deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, conforme os arts. 32 e 79 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nesse sentido destaco julgado do Tribunal Superior Eleitoral:

 

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEPUTADO ESTADUAL. DESAPROVAÇÃO. DEPÓSITO EM ESPÉCIE. DOAÇÃO E APLICAÇÃO DE RECURSOS PRÓPRIOS ACIMA DE R$ 1.064,10. GASTO COM COMBUSTÍVEL. VEÍCULO SEM REGISTRO DE CESSÃO OU ALUGUEL. CUSTEIO COM RECURSOS DO FEFC. NÃO IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS. REPRODUÇÃO DE TESES RECURSAIS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 26 DO TSE. NÃO CONHECIMENTO.SÍNTESE DO CASO

1. O Tribunal Regional Eleitoral de Rondônia, por unanimidade, desaprovou as contas de campanha do agravante, relativas às Eleições de 2022, nas quais concorreu ao cargo de deputado estadual, com determinação de recolhimento da quantia de R$ 53.163,76 ao Tesouro Nacional.ANÁLISE DO AGRAVO REGIMENTAL2. A negativa de seguimento ao agravo em recurso especial teve como fundamento o seguinte:a) incidência da Súmula 24 do TSE, ante a impossibilidade de alterar a conclusão da Corte de origem quanto à propriedade do veículo sem novo exame das provas dos autos;b) incidência do óbice previsto na Súmula 27 do TSE, porquanto as alegações do agravante para indicar ofensa aos arts. 23, §§ 2º-A e 4º, II, da Lei 9.504/97 e aos arts. 7º, 15, I, e 27, § 1º, da Res.-TSE 23.607 - doação excedente ao limite legal e limite global para doação via autofinanciamento de campanha - estavam dissociadas da fundamentação adotada pelo Tribunal de origem no ponto, alusiva à utilização de recursos próprios aportados na campanha do candidato mediante depósitos fracionados e em recebimento de doações de valor individual acima de R$ 1.064,10, por meio de depósito em espécie, em contrariedade ao art. 21, § 1º, da Res.-TSE 23.607;c) aplicação da Súmula 30 do TSE, porque a orientação do Tribunal de origem está em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior;d) incidência da Súmula 72 do TSE em relação à alegada ofensa ao art. 1.267 do Código Civil, dispositivo que não foi objeto de discussão pelo TRE/RO. Ademais, não foram opostos embargos de declaração para provocar a apreciação da matéria sob essa ótica por aquele Tribunal.3. O agravante se limitou a reproduzir parte dos mesmos argumentos apresentados no agravo em recurso especial e no apelo nobre, sem impugnar, de forma específica e objetiva, os fundamentos da decisão agravada. Não demonstrou, sobretudo, como as premissas fáticas do aresto regional permitiriam a revaloração jurídica a ponto de ensejar o provimento do apelo especial nem indicou que a jurisprudência do TSE poderia dar lastro à sua pretensão recursal. 4. Não impugnados os fundamentos da decisão agravada, é incognoscível o agravo interno, nos termos da Súmula 26 do TSE. 5. Mesmo que o agravo interno pudesse ser conhecido, a reprovação das contas na espécie está alinhada com a jurisprudência do TSE, no sentido de que "a doação de valor acima de R$ 1.064,10, em espécie, por meio de depósito bancário, não constitui mera irregularidade formal, mas irregularidade grave, que enseja a desaprovação das contas, uma vez que compromete sobremaneira a transparência do ajuste contábil" (AREspE 0600481-94, rel. Min. Mauro Campbel Marques, DJE de 23.8.2022).CONCLUSÃOAgravo regimental não conhecido.

Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial Eleitoral nº060161841, Acórdão, Min. Floriano De Azevedo Marques, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 09/08/2024.

(Grifei.)

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. CARGO DE VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. DEPÓSITOS EM ESPÉCIE REALIZADOS NA MESMA DATA. CONFIGURADA A IRREGULARIDADE. RECOLHIMENTO DOVALOR TOTAL DA FALHA. PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA ISONOMIA. INVIABILIZADA A APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. MANUTENÇÃO INTEGRAL DA SENTENÇA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra a sentença que desaprovou prestação de contas de candidato ao cargo de vereador, referentes às eleições municipais de 2020, e determinou o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em razão do recebimento derecursos de origem não identificada, tendo em vista o aporte de depósitos em espécie, na mesma data, em conta bancária de campanha, tendo por depositante declarado o próprio candidato.

2. Matéria disciplinada no art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19. As doações em montante igual ou superior a R$ 1.064,10 devem ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário dadoação ou cheque cruzado e nominal, devendo os valores ser recolhidos ao Tesouro Nacional, caso haja utilização dos recursos recebidos em desacordo com o estabelecido no dispositivo, ainda que identificado o doador. Os valores dos depósitos sucessivosrealizados por um mesmo doador, em um mesmo dia, devem ser somados para fins de aferição do limite legal de R$ 1.064,10, em que facultado o crédito em espécie, tal qual prescrito no art. 21, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19. Na hipótese, o conjuntodos dois depósitos realizados no mesmo dia como uma única operação, em espécie, afronta as normas de regência. O mero depósito identificado é incapaz de comprovar a efetiva origem dos recursos, haja vista a ausência de seu trânsito prévio pelo sistemabancário e a natureza essencialmente declaratória desse ato. Nesse sentido, jurisprudência do TSE. Configurada a irregularidade.

3. Indeferido o pedido subsidiário de recolhimento apenas do quantum que ultrapassou o parâmetro de R$ 1.064,10, considerando a necessidade de manter o posicionamento adotado pela Corte nessas eleições, em respeito aos princípios da segurança jurídica e da isonomia.

4. A falha representa 100% da receita arrecadada, circunstância que inviabiliza a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de atenuar sua gravidade perante o conjunto das contas, na esteira dajurisprudência do TSE e desta Corte. Manutenção integral da sentença.5. Desprovimento.Recurso Eleitoral nº060041060, Acórdão, Des. CAETANO CUERVO LO PUMO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 24/06/2022.

 

Ou seja, da integralidade do crédito auferido em mesma data decorre o excesso no limite diário de doações, comprometendo a confiabilidade e a transparência das contas.

Por fim, destaco que as irregularidades representam 74,33% das receitas totais declaradas na prestação, R$ 2.018,00, bem acima do patamar de 10% que admitiria, na linha de entendimento pacificado deste Tribunal, um juízo de aprovação com ressalvas mediante a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Manter a desaprovação das contas é medida que se impõe.

Diante do exposto, VOTO para negar provimento ao recurso.